domingo, 31 de julho de 2011

Os Banhos de Ervas


Por: Gregorio Lucio

O corpo é instrumento da alma. Estamos manifestos no plano material e instrumentalizados por um complexo orgânico responsável por arquivar nossas experiências sensoriais e extra-sensoriais, mediante cujo mecanismo acrescemos ao nosso patrimônio interior, por via do inconsciente, os registros dos quais nos valeremos ao longo de nossa caminhada espiritual, obedecendo ao imperativo da reencarnação.

Como já salientamos em nossos textos anteriores, segundo nossa concepção, a Umbanda não vê o mundo espiritual e o mundo material como expressões dissociadas e independentes. Cremos numa Unidade que se manifesta  em dimensões diversas.

Voltamos a essa premissa para que possamos entender o porque das práticas espirituais da Umbanda estarem intimamente ligadas a utilização de elementos da natureza, símbolos e até mesmo com expressões corporais características.

Ao contrário do que alguns seguidores de outras correntes espiritualistas vêem na Umbanda, não nos utilizamos de recursos "materiais" como apoio para conseguir "efeitos espirituais" que poderiam ser atingidos somente com faculdades subjetivas, supostamente de "níveis superiores". Para nós, a noção de corporeidade está diretamente associada à significação do mundo, no qual, como Espíritos encarnados, nos manifestamos.

Por exemplo, diferentemente do Espiritismo (vide: "Kardecismo" e Umbanda são iguais?), no qual a relação com o mundo espiritual é expressa, notadamente, pela fala do médium (por isso a utilização do termo psicofonia, para designar o fenômeno pelo qual o espírito se comunica, nas sessões mediúnicas espiritistas), na Umbanda possuímos duas formas de expressão do fenômeno espiritual: a linguagem corporal e a fala, sendo a primeira mais significativa e rica dentro da simbologia e fenomenologia do transe (por conta de suas gestualidades, danças, expressões faciais, atos liturgicos, etc).

"A linguagem da umbanda não é referencial, não etiqueta objetos, metafísicos ou não, o que lhe permite uma grande liberdade de composição. Pode conceber-se como processos de enunciação que envolvem a integralidade dos sentidos"(Bairrão, 2004).

Como manifestação do Espírito, na Umbanda o corpo expressa memórias coletivas e pessoais, sendo essas para nós, o conjunto das vivências da humanidade ao longo do tempo (em suas dimensões natural, social, espiritual e divina).

Assim, os banhos de ervas compõem dentro das práticas religiosas na Umbanda, mais um significativo procedimento para estabelecer-se a relação do seu adepto com o mundo espiritual.

O banho de erva, assim como a magia das fumaças (vide: A Defumação), compõe a preparação fundamental de seu adepto para o contato com o Sagrado, com os Numes da Umbanda, os quais não somente valem-se do psiquismo como também utilizam-se do corpo do médium, num autêntico processo de incorporação.

Dessa forma, é importante que não só o subjetivo (os pensamentos e as emoções) esteja em harmonia, refletindo um estado de serenidade. É também sumamente imprescindível que o corpo também esteja em estado propício para a prática espiritual.


A prática de banhar-se com as ervas ritualísticas serve como instrumento de fixação das irradiações espirituais em torno do Aura do indivíduo, restabelecendo o equilíbrio de suas estruturas dimensionais mais sutis. O banho de ervas também pode ser utilizado como descarregador de "energias negativas" e como elo sintonizador com a vibração de seu Orixá.

O "filho de fé" umbandista precisa estar com seu corpo "vibratoriamente" adequado para que suas energias espirituais possam fluir de si, influenciando a realidade e produzindo estados de bem-estar, de equilíbrio emocional e prosperidade.

O médium umbandista, precisar estar com seu corpo "purificado" e sintonizado com as faixas espirituais de onde provêm os Guias e Protetores da Corrente Astral de Umbanda, para que seu trabalho possa ser feito a contento.

No caso de uma influência espiritual negativa, as emanações etéricas propiciadas pelo banho impactam sobre o corpo astral da entidade obsessora, alijando-a da ligação com seu "hospedeiro", favorecendo que este se reestabeleça.

Como vemos, nossas práticas estão repletas de significado e sabedoria, das quais nos dispomos dentro de nossa cultura religiosa, buscando sempre a saúde, a felicidade e a relação com o Divino.

Saravá a todos!


Bibliografia Consultada:
Matta e Silva, W.W da (2009). Umbanda de Todos Nós
Pellicciari, Fabiana Sampaio (2008). Estudo da Significancia do Corpo na Umbanda: limites e possibilidades de aplicabilidade de alguns conceitos lacanianos (Tese de Mestrado).             




sábado, 30 de julho de 2011

A Defumação


Por: Gregorio Lucio

Em continuidade ao assunto iniciado e tratado no post anterior (vide: As Ervas), trataremos agora de outra questão extremamente presente no dia-a-dia da prática umbandista: a defumação. A defumação como verdadeira magia para a correção e harmonia das estruturas espirituais do templo e principalmente do indivíduo.

É sabido por parte de todos os adeptos da nossa Umbanda como se preparar uma boa defumação. Os templos umbandistas fornecem essa orientação, além de contarmos com uma considerável bibliografia no meio umbandista que trata, pelo menos de maneira básica, a respeito deste fundamento.


Entretanto, gostaríamos neste momento de aprofundar o olhar a respeito e reflexionar sobre como uma prática, vista como um mero "exotismo" ou prática primitiva ao olhar do leigo, está revestida de tanta sabedoria e conhecimento a respeito das dimensões do ser humano e da vida.

A difusão cada vez maior de idéias a respeito da realidade quântica do universo em nossa cultura ocidental - a qual é caracterizada pelo cientificismo e pelo racionalismo filosófico -, tem suscitado muitas discussões em nosso meio social e também nos meios acadêmicos.

A compreensão quântica do universo (preconizada pelo eminente professor de Física da Universidade de Oregon, Amit Goswami) postula que a Realidade é criada pela Consciência, a qual escolhe, entre várias possibilidades prováveis, quais os contextos que irão surgir como realidades. Isso implica em dizer, sumariamente, que nossa consciência objetiva ou de corpo (as sensações corporais como calor, frio, dor, leveza, pressão sobre a pele) e nossa consciência subjetiva ou psíquica (percepção de individualidade, assim como sentimentos, emoções, idéias, pensamentos), seriam causadas pela ação da Consciência. A este princípio foi dado o nome de causação descendente (a Consciência cria a realidade, o cérebro e o corpo), implicando numa posição contrária ao paradigma científico materialista, tido como causação ascendente, o qual define o cérebro como criador da consciência e do sentido de individualidade.

A Consciência seria, portanto, Causal. 

Obviamente, essa Consciência, a qual É essencialmente nós mesmos, opera essas "escolhas" num nível inconsciente, por isso não temos a percepção objetiva e consciente de que estamos produzindo a realidade em que vivemos, sentimos, pensamos e nos movimentamos. Talvez ai more a chave central para a compreensão da Lei Kármica. Em outra oportunidade, voltaremos a este aspecto para refletirmos a respeito da Lei do Karma e do Livre-Arbítrio.

É importante fixarmos, deste conceito acima explicitado, que é a partir do momento em que a Consciência cria a Individualidade, a qual está localizada em vários níveis dimensionais (natural - espiritual - divino, por exemplo), Ela (a Consciência) manifesta estruturas paralelas que interagem dinamicamente e regulam-se umas as outras, num movimento de equilíbrio. Essas estruturas, fazendo uma ponte com os conhecimentos espiritualistas, podemos chamá-las, didaticamente, de: corpo físico (material), corpo vital ("semi-material" ou etéreo), corpo psíquico (sutil) e corpo mental (sutilíssimo).

Uma vez que o movimento harmônico entre essas estruturas dinâmicas implica na saúde, consequentemente a desarmonia entre esses movimentos equivaleria à doença (seja ela física, psíquica ou espiritual).


Cremos que o princípio espiritual (conhecido nos cultos de nação, nos Candomblés, como Axé) está manifesto em cada ser humano, cada Espírito, e em cada elemento da Natureza (por conta da própria ação dos Orixás), e este pode ser transmitido, assimilado, compartilhado e renovado dentro deste Sistema abarcado pela Consciência.

As ervas, na dimensão natural (Natureza), pelos processos de seu desenvolvimento, recolhem do solo os nutrientes necessários para sua subsistência e perpetuação da espécie, além da influência da luz solar e da lua, as quais também contribuem nos fenômenos da fotossíntese e no seu crescimento.

Já na sua dimensão espiritual, as ervas estão carreadas de grande acúmulo etérico, por conta da absorção das energias sutis provindas dos 4 elementos (ar, fogo, água e terra).

Adicionalmente, na sua dimensão divina, as ervas carregam o princípio espiritual do(s) Orixá(s).

As ervas também são, portanto, manifestação da Consciência Causal.

Por carregarem em si substâncias químicas (seu princípio ativo), no momento de sua queima essas são liberadas no ambiente. Como muitas das ervas utilizadas na defumação possuem propriedades anti-sépticas e curativas (por exemplo alecrim, eucalipto, arruda e guiné), sua fumaça age primariamente sobre o corpo e o ambiente contribuindo para o saneamento destes.

Em relação às estruturas etérica/espiritual, quando utilizamo-nos da defumação em nossas giras, os princípios espirituais liberados pelas ervas no momento de sua queima e potencializados na fumaça, influenciam estas estruturas de cada indivíduo (encarnado ou desencarnado), estabilizando-as e contribuindo para que a Individualidade possa recuperar-se ou fortalecer-se. 

No entanto, na prática litúrgica, este processo manifestar-se-á sempre pelo comando do médium/operador, cuja consciência e o poder da vontade "dispara" o gatilho que irá promover sua movimentação no plano espiritual.

Não podemos nos furtar a dizer da importância de nossos Guias e Mentores neste processo, os quais dinamizam, no momento da defumação, seus próprios "princípios espirituais", verdadeiros "mananciais de luz", direcionando-os para todos, formando uma verdadeira "aura coletiva" da qual cada um retirará o que lhe seja necessário.

Finalizemos colocando um ponto de destaque. Não cremos, particularmente, que essa influência nas estruturas sutis da Individualidade, efetivada no ato da defumação, processe-se obedecendo às Leis Físicas conhecidas e aceitas atualmente. Nossa proposta aqui, ao citarmos conceitos da Física Quântica, é a de contemporizar nossa visão do universo espiritual, estabelecendo uma relação com assuntos atuais, provindos de um meio oposto ao religioso, qual seja o meio científico acadêmico.

Pretendemos assim situar o conhecimento humano como sendo o contemplador de ângulos de entendimento da realidade diversos mas ao mesmo tempo complementares, dos quais podemos dispor para darmos significados à nossa existência e realidade. 

Lembremos que somos a Consciência e escolhemos a nossa realidade!

Deixamos isso claro para não parecer que estamos tentando dar explicações científicas para um processo essencialmente mágico e subjetivo, segundo nosso entendimento, embora totalmente eficaz e real. 

O amigo leitor deve estar se perguntando agora: Ué...a que tipos de Leis então essa prática de "transmissão de forças" obedecerá?

Respondemos: Temos uma linha de estudo que versa a respeito dos fundamentos de transmissão de forças espirituais dentro da prática umbandista, sobre a qual trataremos em futura postagem, ok? 

Isso por que a explicação do processo implica no tratamento de alguns conceitos que tornariam o presente texto muito extenso. Então, em futura postagem trataremos de "Simbolismo , Magia e Subjetividade na Prática Umbandista".

Enquanto isso... Saravá a Defumação!

Defuma com as Ervas da Jurema,
Defuma com Arruda e Guiné,
Benjoim, Alecrim e Alfazema
Vamos defumar Filhos de Fé!


Saravá a todos!

Bibliografia Consultada:
Goswami, Amit (2007). O Médico Quântico
                           (2007). A Física da Alma
                           (1998). O Universo Autoconsciente 
Matta e Silva, W.W  da (2007). Misterios e Praticas na Lei de Umbanda
                                    (2007) Licões de Umbanda nas Palavras de um Preto-Velho
                                    (2007) Segredos da Magia de Umbanda e Quimbanda
                                    (2009) Umbanda de Todos Nós
Maes, Hercílio (1967). Magia de Redenção (pelo Espírito Ramatis)
Saviscki, Leni W. (2007). Causos de Umbanda, vol. I e II (pelo espírito Vovó Benta)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

As Ervas


Por: Gregorio Lucio

Na Umbanda tudo tem um fundamento e uma razão de ser.


Não importa se essa "razão de ser" seja diretamente concordante com a ciência moderna, pois nem sempre a visão metafísica preconizada pela compreensão Espiritualista da realidade comporta métodos de mensuração quantitativa e qualitativa, exigências básicas para a comprovação do método científico acadêmico.


Importa sim, que a metafísica característica de um segmento religioso comporte em seus princípios e fundamentos um discurso e uma prática coerentes entre si, e esteja embuída de crítica da realidade de si mesma e da sociedade na qual está inserida. Assim, ambas as formas de compreender a realidade, no seu aspecto religioso e científico, podem se interfacear, não fundindo-se, mas convivendo num mesmo ambiente cultural, sendo comportadas pela fé e pela razão humana, cada uma respeitando a esfera de ação a que lhe pertence.

Dizemos isso para podermos abrir nosso estudo reflexivo a respeito das Ervas na Umbanda.

Deixaremos claro mais uma vez que não iremos aqui passar receitas de banhos ritualísticos, defumações, simpatias, amacis, etc...não que tenhamos nada contra, muito pelo contrário, uma vez que somos umbandista, mas como sempre nossa intenção será a de refletirmos a respeito do porque do uso e da importância das ervas no universo religioso umbandista e como essas estão ligadas aos aspectos físicos e espirituais, segundo o sistema de crença da Umbanda. Como sabemos que em nosso meio existem várias tradições, procuraremos tratar o assunto da maneira mais ampla possível para que tenhamos uma visão satisfatória e adaptável ao máximo número de adeptos.

 A Umbanda, por ser essencialmente um credo Espiritualista, compreende a Realidade como sendo portadora de uma porção material e outra porção espiritual. No entanto, como já tratado em textos anteriores, não entendemos estas duas "polaridades" do Universo como estando separadas uma da outra.

Entendemos inclusive que o "mundo material" é manifestação do "mundo espiritual", seus aspectos essenciais coexistem dentro de um sistema maior em que forças sutis transitam entre ambos, carreando os influxos de origem divina/espiritual para o universo material, bem como a experiência dos efeitos materiais em essência repercutem vibratoriamente em determinados níveis mais próximos/imediatos do plano espiritual.

Uma vez compreendida essa questão, passamos a entender como, segundo nosso sistema de crença e experiência religiosa, tudo no planeta é dotado de uma dimensão corpórea/física e uma outra mais essencial/espiritual. As ervas, utilizadas em nossa prática religiosa com as mais diversas finalidades, possuem então uma dimensão corpórea e vital (são seres vivos) assim como uma dimensão espiritual/divina (estão associadas às consciências espirituais ainda em estágio de evolução neste reino anterior ao hominal, assim como está contida nelas a manifestação direta dos Orixás).

Diante de tudo isso, entendemos agora que as ervas podem influenciar o mundo material, quando utilizadas como medicamentos, alimentos, etc...assim como podem influenciar a dimensão espiritual, quando empregadas na rito-liturgia umbandista, em forma de banhos de defesa, defumações, amacis, etc.

Para concluir, abordaremos mais um aspecto de fundamental importância para nossa compreensão. Como dissemos anteriormente, entendemos que tudo que há em nosso planeta, e neste caso, especificamente na natureza, é dotado de uma constituição sutil e espiritual. Dessa forma, é necessário que haja, quando da utilização da erva nas práticas do rito umbandista, uma ligação entre o(s) indivíduo(s)/médium(ns) operador(es) do rito com a erva ou as ervas que serão utilizadas.

É a mente do sensitivo que "dispara" o comando para que sejam movimentadas as forças sutis que estão contidas na erva e no ambiente que será atingido por tal ação magística. Devemos lembrar que para um trabalho espiritual, no qual as ervas serão utilizadas como poderoso recurso, a vontade e o pensamento do operador é que irão subordinar e comandar o processo.

Evidentemente existem práticas de fundamento específicas dentro de cada terreiro que destinam-se justamente a promover esse "despertar" das propriedades espirituais das ervas. Para citar um exemplo, quando o corpo de médiuns canta e dança para os Orixás junto ou próximo às folhas que posteriormente serão utilizadas nos trabalhos ritualísticos da casa, mesmo que muitos dos presentes não o saibam, podemos estar certos de que neste instante está ocorrendo uma verdadeira "agitação" nos planos etéricos/espirituais em cujas dimensões movimentam-se os aspectos curativos/espirituais de nossas folhas sagradas, com as quais sempre poderemos contar como abençoados remédios para o corpo e para as questões espirituais, levando toda a negatividade, os acúmulos nocivos de energias densas, afastando seres espirituais de baixa frequencia e nos colocando vibratoriamente em contato com os Guias e Orixás de nossa amada Umbanda!

Saravá a todos!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Entidades Espirituais da Umbanda


Por: Gregorio Lucio

Muito se tem dito e escrito a respeito das entidades espirituais vinculadas ao universo espiritual da Umbanda.

É de conhecimento de todos, inclusive popularmente, as representações simbólicas sob as quais estas entidades se apresentam nos ritos dos templos umbandistas. São os nossos caboclos, pretos-velhos, crianças, baianos, boaideiros, marinheiros...


Não entraremos aqui no estabelecimento de linhas de trabalho, ou na característica particular de cada tipo de entidade, as quais cabem para cada templo, de acordo com sua tradição.


Faremos sim, uma incursão direcionada ao conhecimento de quem são os Espíritos que se manifestam como Guias e Protetores na Corrente Astral da Umbanda, bem como qual a sua relação com o universo "material", com a "consciência mediúnica"e como estes Numes transitam entre a dimensão humana e a dimensão divina (expressa pelo Orixá).

Para iniciarmos, precisamos compreender em essência a atuação do(s) Orixá(s) como sendo a de um ser estruturador da Realidade. Tudo o que existe no Universo, seja de natureza concreta ou abstrata, física ou não-física, realiza-se e sustenta-se por meio do(s) Orixá(s). O(s) Orixá(s) é quem manifesta a "vontade Divina" no tempo e no espaço, estruturando as várias dimensões da Vida e abarcando em si as esferas pertencentes a estas dimensões (Natureza, Humanidade, Espiritualidade e Divindade).

Por ser o agente manifestador da Divindade Maior (Olorum, Deus, Zambi, etc), o Orixá manifesta-se no universo como um todo, tornando-se regente de uma determinada faixa vibratória, a qual alberga em si todos os seres portadores de consciência (independente de seus níveis) e, por consequencia, todas as coisas existentes. Lembremos que o "mundo material" (Natureza/Humanidade), segundo nossa conceituação, é manifestação do "mundo espiritual" (Espiritualidade/Divindade), por isso o universo material existe na medida em que é manifestado pela Consciência, a qual está situada na dimensão Espiritualidade/Divindade.

Obviamente, existe um contínuo "fluxo e refluxo" neste trânsito entre a Realidade Divina/Espiritual e a realidade Natural/Humana.

Sendo assim, Orixá torna-se então manifestação da Divindade (sendo Seu preposto na Hierarquia Divina), na Espiritualidade (manifestando-se como força viva através dos Numes Espirituais), na  Natureza (por meio dos 4 elementos: ar, fogo, agua e terra) e, por fim, na Humanidade (emergindo como força arquetípica pertinente ao insconsciente pessoal e coletivo do indivíduo).

Dito isso, entendemos agora que dentro de cada faixa vibratória, a qual denominamos Linha dentro das Leis de Umbanda,  estão contidos aspectos divinos, entidades espirituais, elementos da natureza e seres humanos cujas consciências "vibram originalmente"  em sintonia com esta ou aquela faixa, representante deste ou daquele Orixá. É por isso que temos então pessoas filhas de tal Orixá, espíritos representantes de Orixá tal, elementos da natureza relacionados com Orixá tal, assim como atributos divinos ligados a determinado Orixá.

Diante dessa questão, entenderemos que as entidades tidas como Guias e Protetores em nossa Lei de Umbanda, são aquelas que passando pelo ciclo nascimento - morte - reencarnação (ciclo reencarnatório), a pouco e pouco, vivenciam e vivenciaram a experiência do contato homem/Orixá, seja na vida do mundo espiritual, seja na vida "humana" (encarnação), seja na sua passagem evolutiva pelos reinos da natureza, adquirindo consciência do Orixá, daquilo chamado de "Deus interno", passando a ser manifestadores da força e irradiação do Orixá.

Assim é que podemos ter, dentro de uma mesma Linha, entidades diversas. Ex: Preto-Velho, Caboclo, e Boiadeiro manifestando a irradiação de Ogum; Marinheiro, Criança, Caboclo e Preto-Velho, manifestando a irradiação de Yemanjá, e assim por diante.

Importante considerarmos também que os termos "Caboclo", "Preto-Velho", "Criança", "Baiano", etc, mais do que a forma de apresentação destes Espíritos, remetem ao grau espiritual concernente a cada um. Esse grau espiritual não traduz uma relação vertical entre as Entidades (por exemplo, Preto-Velho seria "mais evoluído" que o Caboclo, e vice-versa). Ao contrário, as relações do plano espiritual revelam-se horizontalmente entre os Guias e Protetores, sendo dada a ascendência de determinado Espírito sobre o médium pelo fato deste guardar maior afinidade vibratória e kármica sobre o seu tutelado. Embora seja verdade que muitos espíritos tiveram pelo menos sua última encarnação como índios, negros, nordestinos e sertanejos, isso não se torna uma regra na qual possamos enquadrar todos as Entidades que "baixam" nos templos de Umbanda.

Tratando agora a respeito da relação médium/Guia, podemos também citar um aspecto interessante, segundo o qual sendo o médium filho de determinado Orixá, esse receberá um Guia manifestador deste mesmo Orixá, conhecido como "pai de cabeça" ou "guia de frente". Será sempre sob a cobertura dessa entidade "principal" que irão ocorrer as manifestações mediunistas das demais entidades que compõem a "coroa mediúnica" do médium. A abertura da sintonia mediúnica será sempre realizada pelo guia de frente (não necessariamente incorporando-se no médium antes das demais, mas sim efetivando uma influenciação mais subjetiva e sutil), resguardando o médium e sua identidade.

Finalmente, e ainda sobre a atuação do Guia de frente, na experiência do transe, ao longo da vivência tempo/rito, poderão emergir os conteúdos numinosos presentes no inconsciente do médium proporcionando experiências místicas profundas e alterações marcantes no seu comportamento e percepção da vida, compreendo-se como Ser existente tanto na realidade material (natureza/humanidade) quanto espiritual (espiritualidade/divindade), como sujeito eterno e constituído pelo Divino/Orixá.

Abaixo, referências para os que desejem aprofundar-se no tema.

Saravá a todos!

Bibliografia Consultada:
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda a Proto-Síntese Cósmica
Saraceni, Rubens (2005). Tratado Geral de Umbanda

Outras referências:
Rivas Neto, Francisco (2010). Ancestrais Divinos e Humanos nas Religiões Afro-brasileiras

Práticas Rito-Liturgicas na Umbanda


Por: Gregorio Lucio

Iremos agora explanar, de maneira simples e resumida, a respeito das práticas rito-liturgicas no templo de Umbanda.

Adiantamos que não iremos tratar aqui de modelos de rituais, estabelecer cronogramas e procedimentos, pois isso é dado e cabe a cada templo umbandista e aos seus dirigentes, os quais certamente dispõem de amplos conhecimentos e vivência para estabelecê-los.


Nosso objetivo será o de tratar reflexivamente a questão ritualística e da liturgia na prática Umbandista, ressaltando seus objetivos, suas consequências espirituais e social-coletiva. Para isso, iremos pautar-nos nos "ditos e escritos" de proeminentes umbandistas e pesquisadores, cujas obras estão citadas ao fim deste post.


Primeiramente gostaríamos de considerar o ritual como sendo a práxis fundamental para agregar, em torno de um objetivo específico, as idéias, pensamentos e o comportamento da coletividade presente no rito. Por sua vez, a liturgia (fechando assim o binômio rito-liturgia) implica em todo o proceder por parte dos adeptos, o qual viabiliza o cumprimento e a eficácia do rito. A liturgia seria constituída por determinados gestos, palavras, rezas,  roupas, aparatos e posturas corporais, e até mesmo o comportamento subjetivo (indicando concentração, mentalização, silêncio, respeito, reciprocidade, etc) realizados dentro do ritual.

Pois bem, toda a prática rito-litúrgica na Umbanda possui 3 aspectos sobre os quais esta se fundamenta, quais sejam:

1º Preparatória;
2º Atração de Forças;
3º Movimentação destas Forças segundo o objetivo visado.

Para que possamos cumprir um dado objetivo faz-se necessário cumprir uma série de práticas e um cronograma pré-estabelecido, a fim de sairmos de uma condição inicial e realizemos o que nos propomos a fazer. Em cima desta premissa é que se assentam os vários ritos presentes e verificáveis no universo Umbandista.

Dito isso, focamos a necessidade da prática rito-liturgica como fundamental para o estabelecimento e a propagação da tradição umbandista. As tradições umbandistas, dentro de sua respeitável diversidade, estão ligadas diretamente ao processo rito-liturgico. A tradição é a consequencia imediata da vivência e da prática do rito ao longo do tempo, por meio do qual são ressignificados e transmitidos os princípios velados pelas Leis de Umbanda, de geração a geração, de sacerdote/sacerdotisa ao iniciado, do mestre ao aluno.

Como afirmaria Émile Durkheim, um dos baluartes da sociologia moderna: "O culto não é simplesmente um sistema de símbolos pelos quais a fé se traduz exteriormente; é o meio pelo qual ela se cria e se recria periodicamente. Consistindo em operações materiais ou mentais, ele é sempre eficaz".

Ainda considerando a vivência do rito, no seu aspecto social/coletivo devemos considerar o indivíduo como portador de uma identidade divina, a qual não se caracterizaria por um individualismo exclusivista; mas uma  identidade vivida e integrada ao contexto coletivo religioso. No rito religioso, o indivíduo assume o "divino" interior, estabelecendo um contato próximo com a Divindade. Na Umbanda, essa experiência "mística" dar-se-á pelo transe mediunista, no qual o sujeito-médium comunga com seu orixá (aspecto manifesto da Divindade) por intermédio de seu Guia, sua "entidade de frente", seu "pai-de-cabeça", o qual funciona como um mediador, manifestador e regulador dos aspectos mais profundos e pulsantes da inter-relação homem/Orixá e médium/Espírito Guia.

Chegamos agora no aspecto espiritual da vivência rito-litúrgica. A importância da consciência religiosa por parte do adepto umbandista deve comportar esse ângulo de visão e compreensão da realidade espiritual, pois somente assim este poderá ampliar e aprofundar sua vivência e sabedoria dentro das Leis de Umbanda, e obviamente colherá melhores e mais frutos abençoados ao longo de sua jornada espiritual.

Considerando que nos dias de rito, notadamente, as irradiações do Orixá começam a se estreitar e entrelaçar com as do médium de maneira mais profunda pelo menos 7 horas antes dos trabalhos, as práticas de preparação do médium antes das giras, como sejam os "banhos de defesa", a introspecção, o cultivo da oração, a abstenção de determinados hábitos e vícios, são fundamentais para que o adepto possa romper as barreiras interiores, inconscientes, de maneira a emergir a força arquetípica e espiritual de seu Orixá regente, e essa confluência de forças possa resultar em processos de saúde, de prosperidade, de maturidade emocional e vitalidade perante a vida. É assim também que o médium pode, de maneira prática e patente, aprofundar seus estados de transe e assim aos poucos eliminar a dúvida do "eu ou não-eu" durante a prática mediunista.

Adicionalmente, todos os templos umbandistas sérios e com compromissos fundamentados na relação com os Mentores e Guias Luminares da Umbanda, possui toda uma estrutura espiritual, localizada obviamente na dimensão extrafísica, a qual comporta e atinge uma esfera exterior muito maior do que os limites físicos do templo. Dentro desta dimensão estão inseridas uma série de energias polivalentes e poderosas, as quais serão movimentadas no momento do rito a benefício de todos os presentes e de tantos outros distantes, seja espacial ou dimensionalmente. A quantidade de Espíritos associados ao rito, seja na condição de orientadores e amparadores, seja na condição de doentes em tratamento supera em muito a quantidade de encarnados presentes no dia de trabalho.

Sendo assim, toda a dedicação e carinho, além do respeito e da seriedade, com os quais os médiuns possam revestir-se, serão sempre fatores fundamentais para o bom andamento e para a eficácia dos trabalhos espirituais, em benefícios de todos!

Saravá!

Bibliografia Consultada:
Almeida, Paulo Newton de (2009). Umbanda A Caminho da Luz
d'Ávila, Rogério / Omena, Maurício (2006). Umbanda e seus graus iniciáticos
Durkheim, Émile (1996). As formas elementares da Vida Religiosa.
Matta e Silva, W.W da (2009). Umbanda de Todos Nós
Oliveira, Etiene Sales de (2005). Umbanda de Pretos-Velhos: A tradição popular de uma religião.
Rivas Neto, Francisco (2002). UMBANDA A Proto-Síntese Cósmica
Saraceni, Rubens (2004). Código de Umbanda

quarta-feira, 27 de julho de 2011

"Kardecismo" e Umbanda são iguais?


Por: Gregorio Lucio

É certo que existem semelhanças entre a prática do espiritismo dito "kardecista" com determinadas práticas da Umbanda. No entanto, impera entre adeptos dessas duas correntes religiosas uma certa confusão no que se refere à distinção entre ambas, e em idéias errôneas  que implicam numa visão "kardequisada" da umbanda, como seja o entendimento de que esta seria uma corrente paralela ao Espiritismo (popularmente conhecido como Kardecismo), ou mesmo a de que a Umbanda seria uma espécie de sub-cultura religiosa produzida a partir de um processo de degeneração e miscigenação das práticas espíritas (daí o termo pejorativo "Baixo Espiritismo").

Bem, a questão fundamental para podermos distinguir a Umbanda do Kardecismo (permita-me o leitor a utilização do termo popular quando referir-me ao Espiritismo),  é primeiro a de encontrarmos quais são os aspectos que poderíamos relacionar como sendo semelhantes entre ambos e após isso chegarmos a sua distinção.

Sendo assim, podemos a priori relacionar como semelhanças:

1º Crença em Deus;
2º Crença na Imortalidade do Indivíduo;
3º Crença na Reencarnação;
4º Crença na existência de Espíritos;
5º Crença na possibilidade da Comunicação dos Espíritos por meio do fenômeno mediúnico.

Acreditamos serem estes 5 aspectos que encontram-se, em termos de similaridade, entre a visão "kardecista" e umbandista. Obviamente, não elencaremos aqui os princípios éticos e morais (amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, a caridade, o respeito pelo próximo, a consciência do dever e da responsabilidade, a conduta de vida que busca a abstenção de vícios e práticas mundanas, etc), pois estes constituem o corolário de todas as religiões do mundo, mesmo que ensinados e transmitidos de maneira culturalmente diversa.

Partindo agora para as diferenças entre Kardecismo e Umbanda, iremos direto a uma questão central e para isso nos utilizaremos de três questões da obra intitulada O Livro dos Espíritos, do respeitável e eminente prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec, codificador da Doutrina dos Espíritos, vinda de França para o Brasil. Lembramos que esta obra constitui a pedra angular do pensamento espírita. Vamos as questões:

Questão 553 : Qual pode ser o efeito de fórmulas e práticas com ajuda das quais certas pessoas pretendem dispor da vontade dos Espíritos?
Resp: O efeito de torná-las ridículas se são de boa-fé; caso contrário, são patifes que merecem um castigo. Todas as fórmulas são enganosas; não há nenhuma palavra sacramental, nenhum sinal cabalístico, nenhum talismã que tenha uma ação sobre os Espíritos, porque estes são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.

- Certos Espíritos não têm, eles mesmos, algumas vezes, ditado fórmulas cabalísticas?
Resp: Sim, tendes Espíritos que vos indicam sinais, palavras bizarras ou que vos prescrevem certos atos com a ajuda dos quais fazeis o que chamais de conjuração. Mas estejais bem seguros que são Espíritos que zombam de vós e abusam da vossa credulidade.

Questão 554: Aquele que, errado ou certo, tem confiança no que chama virtude de um talismã, não pode por essa confiança mesma atrair um Espírito, porque, então, é o pensamento que age? O talismã não é senão um sinal que ajuda a dirigir o pensamento?
Resp: É verdade, mas a natureza do Espírito atraído depende da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos. Ora, é raro que aquele que é tão simples para crer na virtude de um talismã não tenha objetivo mais material que moral. Em todos os casos isso denuncia uma baixeza e uma fraqueza de idéias, que o expõe aos Espíritos imperfeitos e zombeteiros.

Questão 555: Que sentido se deve dar à qualificação de feiticeiro?
Resp: Aqueles a quem chamais feiticeiros são pessoas, quando de boa-fé, dotadas de certas faculdades, como a força magnética ou a segunda vista. Então, como eles fazem coisas que não compreendeis, os acreditais dotadas de uma força sobrenatural. Vossos sábios, frequentemente, não passam por feiticeiros aos olhos das pessoas ignorantes?
(Capítulo IX do Livro Segundo - Intervenção dos Espíritos no Mundo Corporal)

Diante das questões expostas acima, vemos claramente o posicionamento do Espiritismo no que se refere a sua maneira de entender a relação com o mundo espiritual, a qual confronta diretamente as práticas ritualísticas e magísticas da Umbanda (obviamente a intenção de Kardec e dos Espíritos não era criticar a Umbanda, até porque nem creio que eles soubessem da existência de práticas espirituais que viriam a se constituir na Umbanda..sim, eles...não creio que os "Espíritos do Espiritismo" sabem e conhecem tudo e a todos).

Começando pelo fato de que na Umbanda nos utilizamos de rituais (as giras estão fundamentadas em rito-liturgias), de signos cabalísticos (pontos riscados, cruzes, triângulos, estrelas, etc), de talismãs (patuás, guias, etc), assim como utilizamo-nos da palavra e do som para congregarmos forças espirituais (a curimba, constituída de pontos cantados, toque de atabaques, etc), vemos que ai já estão as características fundamentais da prática umbandista, as quais a distinguem drasticamente do "Kardecismo".

Há aqueles, mesmo adeptos da Umbanda, que admitem a utilização das práticas ritualísticas, bem como os recursos simbólicos e mágicos utilizados nas giras, como sendo meros pontos de apoio e direcionamento da intenção...corroborando, dessa forma, com a concepção de que estes seriam somente "muletas psicológicas" para a produção de determinado efeito.

No entanto, segundo nosso parecer, não consideramos como simples recursos de apoio, as simbologias e ritualísticas umbandistas, embora uma análise superficial a respeito destes aspectos possa levar a crer nisso. Ao contrário, as práticas umbandistas preconizam sempre uma inter-relação direta e não bipartida da realidade espiritual.

O mundo dito material ou corpóreo é manifestação da realidade espiritual, e, por conseguinte, pela simbologia mágica e ritualística podemos influenciar e movimentar forças (as quais não são enquadradas dentro daquelas conhecidas pela ciência) que desencadeiam reações na realidade "material", como é o caso da cura de determinadas doenças que ocorrem num trabalho de terreiro, quebrando o paradigma da ciência, o qual ainda não encontra explicações conclusivas a respeito (de como forças ou aspectos não-fisicos interferem em processos físicos).

Ademais, é sempre importante lembrar que as práticas ritualísticas da Umbanda, as firmezas que existem numa tenda de umbanda, as práticas recomendadas para o corpo de médiuns, suas proteções, benzimentos, banhos, defumações, cruzamentos, pontos cantados, riscados, etc...são essencialmente trazidos e transmitidos pelas Entidades Espirituais responsáveis pela coletividade de cada templo em particular, e pela faixa espiritual da Umbanda como um todo. Admitir que esses recursos são meros apoios de menor importância, é também admitir que nossos Guias e Mentores são Espíritos Ignorantes ou Zombeteiros, bem como seus adeptos também o seriam. E isso também é um outro aspecto errôneo, o qual podemos verificar na vivência da prática religiosa, no "dia-a-dia de terreiro", em cujo meio, no contato com as entidades espirituais, reconhecemo-las como Espíritos de grande sabedoria, conhecimento e simplicidade.

Não estamos aqui dizendo que devamos aceitar tudo o que os Espíritos nos trazem, de maneira indiscriminada e tola. Isso porque é inegável que existem em determinados núcleos dito "umbandistas" práticas exageradas e esdrúxulas, as quais suscitam estranheza até mesmo entre o próprio meio umbandista. No entanto, devemos avaliar a atitude e a mensagem daqueles que buscam trazer seus conselhos, suas mirongas, suas firmezas...Somente assim podemos avaliar a natureza e a intenção de determinados Espíritos. Da mesma maneira como faríamos com qualquer pessoa que chegasse até nós a fim de nos trazer uma mensagem ou um conselho. Usar sempre o bom senso. 

Importa ainda considerar que não devemos nos pautar na visão "kardecista" para lastrear ou basear nossa prática religiosa como umbandistas. Isso porque o "kardecismo" não dispõe de uma visão adequada (não dispõe de uma visão êmica) para entender o universo espiritual pertinente a Umbanda. Por uma razão óbvia: o Espiritismo foi concebido na França, em uma cultura extremamente diversa, num meio intelectual e "cientificista", sendo toda a sua proposta filosófica e metodológica assentada sobre os discursos e a visão de mundo pertinentes àquela época, naquele país.

Para finalizar, gostaríamos de ressaltar aqui que as opiniões grassadas no texto são particulares, não representam a idéia de nenhuma coletividade ou instituição em específico, tão pouco tem a intenção de outorgar-se a Verdade. Da mesma forma, nosso respeito é incondicional a todas as correntes religiosas, e em específico ao próprio Espiritismo (do qual fomos, somos e seremos sempre admiradores e estudiosos, apesar de nossa crença estar situada nas lides da Umbanda).

Saravá a todos!

Umbanda - Religião Brasileira


Por: Gregorio Lucio

Muito se tem discutido a respeito das origens da Umbanda.


Alguns acreditam ser esta uma religião revelada no dia 15 de novembro de 1908, pelo médium sr Zélio Fernandino de Moraes, logo, teria seu início a partir de um escolhido e revelador (obedecendo, assim, a mesma estrutura de "mito fundante" das demais religiões abraâmicas).


Outros, crêem-na como uma religião cósmica, detentora dos mais altos níveis do conhecimento humano (em suas esferas científica, religiosa, artística e filosófica), o Conhecimento Uno, provindo das mais antigas e míticas raças humanas já existentes na Terra (Raça Vermelha e, posteriormente, os Atlantes e Lemurianos), cujas chaves de conhecimento teriam sido guardadas e veladas pelos Antigos Egípcios e no decorrer da história, haveria chegado ao Brasil por intermédio dos povos africanos e se conjugado aos conhecimentos já existentes dos indígenas brasileiros.

Seria essa a chamada Aumbandan; outrem, creditam às tradições originariamente africanas as chaves e fundamentos para o surgimento da Umbanda no Brasil.


E, ainda, aqueles que reputam à Umbanda a pecha de uma simples seita, destituída de corpo doutrinário, senso racional e crítico, repleta de crenças e fetichismos, a qual surgiu como um processo de degradação das religiões predominantes ao longo do processo de desenvolvimento social, notadamente nos centros urbanos das grandes cidades brasileiras.


De nossa parte, cremos que a Umbanda surge como um processo natural de ressignificação de práticas religiosas pertinentes ao imaginário coletivo da cultura popular brasileira (catolicismo popular, pajelança, espiritismo "kardecista" e as práticas africanistas). Em conjunto a este processo, no plano espiritual, há um mecanismo de adaptação e direcionamento dos Espíritos afins à faixa vibratória brasileira, os quais colocam-se em contato com o "mundo terreno" para contribuir com as necessidades espirituais, psicológicas e sociais daqueles que, a pouco e pouco, tornaram-se adeptos da Umbanda e seu universo espiritual.


Cremos, particularmente, ser a Umbanda uma religião essencialmente brasileira, contando com o amparo e assistência de Grandes Numes, os quais orientam e direcionam a coletividade umbandista no processo de sua jornada espiritual, através da prática da caridade, do amor ao próximo, da ética e da cada vez maior consciência crítica e reflexiva de seu corpo de adeptos, fazendo com que saiamos de uma zona de marginalidade e sub-cultura, e passemos a ocupar e partilhar de um plano mais central na produção cultural e religiosa no cenário brasileiro.

Ademais, em seu aspecto espiritual, também particularmente, não cremos que a Umbanda disponha de uma "missão" específica, como as religiões cristãs predominantes (por exemplo, o Catolicismo, por meio de sua Igreja procura arrebanhar fiéis e balisar sua conduta religiosa para uma salvação; o protestantismo por sua vez, busca a conversão do indivíduo à fé cristã para também desta forma conseguir sua salvação; o espiritismo "kardecista" pretende ser a Terceira Revelação das religiões Abraâmicas, o Consolador Prometido por Jesus Cristo). Sinceramente, não cremos que a Umbanda disponha desta premissa na constituição de sua práxis religiosa, bem como em seus ensinamentos.

Cremos que a singeleza , a doçura e força da Umbanda estão justamente na naturalidade em que ela se propõe a oferecer abrigo àqueles que buscam uma vivência religiosa em contato direto com o Sagrado através do Transe (não necessariamente mediunista), na qual o indivíduo pode ser partícipe da comunidade religiosa, exercitar a solidariedade, a tão falada caridade, e experenciar em si mesmo os efeitos salutares da conduta direcionada para a ética e a responsabilidade, para o contato com a natureza e a ligação direta com a Divindade (Zambi, Olorum, Deus, etc) nas mais diversas formas em que se apresente.

Saravá a todos!

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Bibliografia Consultada:
Cumino, Alexandre (2010). A História da Umbanda
Trindade, Diamantino Fernandes (2009). Umbanda Brasileira (Um Século de História)
Neto, Francisco Rivas (2002). UMBANDA A Proto-Síntese Cósmica
Matta e Silva, W.W da (2009). Umbanda de Todos Nós