Por: Gregorio Lucio
A Umbanda caracteriza-se como uma religião notadamente
sacerdotal, dotada de ritos de iniciação e ascensão do conhecimento relativo ao
universo simbólico/sagrado por parte de seu adepto, conforme este avança pela estrada espiritual, configurando-se como
um praticante cada vez mais integrado às vivências dentro da
tradição umbandista a que esteja vinculado por intermédio do terreiro que frequente e de seu
mestre espiritual: seu pai ou mãe-de-santo.
Os sacerdotes de Umbanda (pais e mães-de-santo) detém e
legitimam os domínios do conhecimento do sagrado dentro do rito, e é por meio da
transmissão feita por estes que dão-se os acessos dos filhos-de-santo aos
diversos níveis da estrutura da liturgia, angariando novos saberes e ascendendo os
degraus da iniciação. Desta forma, as relações hierárquicas estabelecem-se
primordialmente como mecanismo de estruturação de poder a ser convertido em um
saber passível de transferência por meio do processo da comunicação
estabelecido entre mestre e discípulo no decorrer do tempo de vivência religiosa,
à medida em que são observados o comportamento e engajamento do discípulo junto
ao seu templo, à sua tradição, e principalmente no cumprimento dos papéis
sócio-religiosos que dele fazem-se esperados conforme avança e aprofunda-se na
experiência religiosa.
Assim, estão configurados dentro do mundo de relação
presente nos terreiros de Umbanda, as figuras do Pai/Mãe-de Santo, Pai-Pequeno/Mãe-Pequena,
Médiuns (graduando de acordo com o nível de iniciação ritual), Cambonos, Ogãs e
a Assistência.
Tal ordenação implica no fato de que o adepto dos círculos
espirituais umbandistas, deve dominar e compreender determinados níveis da
experiência mítica e sagrada pertinente ao universo religioso em questão e
submeter-se àqueles que se apresentam como pertencentes aos níveis de hierarquia
mais elevados, bem como aos espíritos Guias e Protetores, objetivando fazer-se
bom aluno para no futuro lograr ser, de igual forma, um bom mestre.
O Pai-Pequeno e a Mãe-Pequena representam a extensão da
influência espiritual/social do Pai/Mãe-de-Santo sobre todos no terreiro,
devendo por isso corresponder-lhe afirmativamente quanto às expectativas
pertinentes ao seu papel, primeiramente pelo exemplo de compromisso e responsabilidade, zelando pela boa preparação e disciplina do corpo de
médiuns, a boa orientação dos médiuns novos, a contribuição na transmissão do
conhecimento simbólico/espiritual e também das informações organizacionais
referentes ao templo.
Aos médiuns já iniciados, cumpre seguir as
determinações de ordem espiritual e social transmitidas pela direção do templo
e aplicar-se na prática da experiência religiosa, mediante o trabalho com seus
Guias para que possa evoluir no domínio de sua função mediúnica, cumprindo seus
deveres de preparação ritualística e espiritual, bem como adquirir cada vez
mais ciência a respeito dos ritos praticados dentro e fora do templo, o cronograma destes ritos, os trabalhos de caráter especial/iniciáticos, aliados a conhecimentos sólidos e bem estruturados acerca de sua religião e de seu mediunismo. Tudo isso para que possam tornarem-se adeptos conscientes e críticos em torno de sua religiosidade, além de suficientemente esclarecidos a respeito dos fundamentos de sua prática religiosa.
Já aos Cambonos (Cambones) cumpre o acompanhamento das
entidades espirituais ao longo dos trabalhos, fornecendo aos médiuns o suporte
necessário, também no que se refira aos objetos que estes necessitem utilizar no
decurso do trabalho espiritual, a observação atenta da assistência a fim de
zelar pela tranquilidade dos trabalhos e pela orientação daqueles que adentram à
casa pela primeira vez, ou que vejam-se tomados pelo fenômeno do transe em meio
ao trabalho (estando na assistência), a coleta de cartas e bilhetes redigidos
pelos assistidos (solicitando atendimento de suas necessidades, pedidos de
oração, etc).
“Quanto mais as pessoas sobem os degraus de uma
evolução espiritual nos níveis da hierarquia mediúnica, mais se submetem às
regras do desempenho de seus papéis e mais interiorizam as crenças pertinentes
ao seu status”(Victoriano, 2005).
O desenvolvimento mediúnico permite uma assimilação das linguagens rituais e seu executar ao longo da prática umbandista, cujo
seu aprofundamento e integração no psiquismo do médium, permitem-no uma cada
vez mais afetiva e segura incorporação – a firmeza do médium -, fazendo com que
esteja cada vez mais em evidência perante o dirigente/sacerdote do terreiro, e
possa aos poucos ganhar o seu “consentimento para que represente a experiência
simbólica das entidades” (Victoriano, 2005) perante o próximo, contribuindo no
atendimento e participação na "linha de passe", na presença ativa nos ritos de
tratamento espiritual, nos ritos de iniciação, entre outros.
A própria subordinação do adepto às normas sócio-administrativas
que regulam as atividades do terreiro (em seu aspecto social e colaborativo) também
define-se como caracter estabelecido da relação de respeito hierárquico, na
qual cada um concorre para a manutenção do templo, zelando pela sua integridade
financeira (de maneira que este possa arcar com seus custos fixos para
manter-se em atividade ao longo do tempo), assim como adaptando-se às regras de
convivência social dentro do templo (dias e horários a serem obedecidos, roupas
que deverão ou não ser utilizadas dentro do templo, modos de falar e se
comportar, etc).
As hierarquias presentes na Umbanda também verificam-se
nas relações do mundo espiritual, no qual estão estabelecidas as formas
de relação e subordinação dos Guias e Protetores trabalhadores de determinado
templo aos Espíritos que se afigurem como os Dirigentes daquele núcleo religioso.
Por tanto, seguimos os princípios de ascensão espiritual no tempo como atributo
principal de sustentação dos ritos e da raíz da tradição seguida por cada
templo, de maneira a perpetuar e intensificar as noções de identidade
espiritual do rito e, consequentemente, de seus adeptos, vinculando-nos a todos
numa mesma dimensão consciencial de entendimento da Vida e da realidade
espiritual, portanto, numa mesma egrégora.
Assim é que as estruturações de relação entre os indivíduos dentro do rito, correspondem ao obedecimento de uma ordenação originalmente estabelecida na dimensão espiritual, e suas inter-relações dimensionais dão-se na medida em que, como discípulos, saibamos comportarmo-nos como tal, assim como aquele que se faz mestre também guardará uma atitude correspondente ao seu papel.
A troca simbólica efetuada na vivência espiritual entre os adeptos umbandistas, e destes para com seus pais e mães-de-santo, fortalecem a dinâmica dos trabalhos efetuados em favor de todos, estreitando os elos entre a Corrente Mediúnica do Terreiro com a Corrente Astral de Umbanda, com a qual aprendemos a nos ligar e identificar, finalizando por mitificá-la em nosso campo psíquico, servindo a multiplicidade de seres do mundo espiritual, advindos deste mundo mítico e transcendente, os quais acessam nosso campo mediúnico, como fatores de integração psicológica e fortalecimento da noção de identidade profunda e espiritual de que todos somos dotados.
Colhemos, pela diversidade de componentes e níveis de manifestação da realidade espiritual expressa pela Umbanda, vários momentos de felicidade e profundas experiências mediúnico/espirituais, das quais guardamos lembranças e convicções íntimas da imortalidade do espírito e da beleza que se revestem os planos de Aruanda, os quais podemos constatar durante os trabalhos de ordem espiritual, ressignificando nosso existir e agradecendo sempre por sermos discípulos de tão grandiosa trilha de luz em mais esta encarnação, pois aprendemos cada vez mais a rogar a cobertura de nossos ancestrais, guardar carinho pelos nossos pais/mães-espirituais, irmãos mais velhos de santo e assegurar o respeito mais profundo pelos irmãos mais novos.
Por isso, peço a benção aos mais velhos e dirijo meu respeito aos mais novos...
Saravá a todos!
Bibliografia Consultada:
Bairrão, J.F.M.H., Pagliuso, Ligia (2010). Luz no
Caminho: Corpo, Gesto e Ato na Umbanda (artigo científico)
Oliveira, Etiene Sales de (2005). Umbanda de
Pretos-Velhos: A tradição popular de uma religião (tese de mestrado).
Victoriano, B.A.D. (2005). O prestígio religioso na
Umbanda – dramatização e poder
Lima, Bennto de (1997). Malungo – Decodificação da
Umbanda
Rivas Neto, Francisco
(2002). Umbanda – A Proto-Síntese Cósmica