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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Incorporação - Parte 1: A Manifestação


Por: Gregorio Lucio

Pretendemos, a partir de agora, iniciar nosso compêndio tratando especificamente do fenômeno de Incorporação, abordando diversas particularidades desta experiência mediúnica/espiritual, relacionando-as com aspectos integrantes da vivência do médium e das práticas umbandistas.

Assim, disponibilizaremos ao todo 5 textos, os quais tratarão dos seguintes temas:


Seguiremos estabelecendo considerações a respeito do primeiro tema: Incorporação - A Manifestação.

A questão a pontuarmos, para tratar do fenômeno de incorporação e sua manifestação, é a de justamente falarmos, sucintamente, do que representa este tipo de transe como experiência espiritual e corroborarmos o nome "popular" dado a esta modalidade mediúnica, dando-lhe senso de identidade e validade cultural/espiritual.

Queremos, com isso, dizer que Incorporação, dentro das práticas umbandistas, não é um termo errôneo, conforme encontramos citações em algumas obras de nosso circulo religioso e mesmo naquelas "kardecistas," pois diferentemente da maneira como esta irá processar-se durante a experiência mediúnica nas sessões espíritas, o mediunismo de Umbanda irá valer-se de todo um estado complexo - tanto das questões fisiológicas quanto psíquicas - que irá desencadear não somente a comunicação espiritual por meio da fala do médium (conforme aconteceria no termo psicofonia, próprio da conceituação "kardecista"), mas também todo um conjunto de ações efetivas no seu comportamento, expressando-se por meio de movimentos corporais (em alguns casos até de certa complexidade e tonicidade), bem como gestos, expressões e danças ritualísticas características de cada entidade manifestada.

Sendo assim, o que ocorre de fato na prática do mediunismo de Umbanda trata-se, positivamente, de uma Incorporação.

É claro que não cremos que o Espírito que se manifesta e comunica-se "entra" no corpo do médium, no entanto, o entrelaçamento psíquico e de energias pode ser tão intenso a ponto de deixar transparecer sinais patentes da Individualidade Espiritual que presentifica-se no momento do transe mediúnico.

Outra colocação importante a se fazer, a qual é muito pouco observada e comentada dentro dos círculos que lidam com a faculdade mediúnica e as experiências transcendentes, refere-se ao entender o transe como sendo o ponto denominador comum de todas as experiências espirituais ou místicas, na forma em que apresentem-se - ou apresentaram-se - em todas as culturas e religiões.

Dizemos isso pois, talvez por influência do pensamento espírita dentro da Umbanda, criou-se uma visão um tanto direcionada ao entendimento da experiência espiritual como sendo, invariavelmente,  de caráter mediúnico. Em verdade, a comunicação mediúnica é uma dentre várias possibilidades ocorridas no momento do transe.

Importa, então, aprofundarmo-nos nestas considerações para que possamos compreender a Incorporação em seu aspecto de Manifestação no mediunismo de Umbanda.

Entendemos que, na Umbanda, a rito-liturgia é o veiculo pelo qual os seus adeptos vinculam-se à tradição do templo e louvam a Divindade, dando campo a exteriorização de seu sentimento religioso, num processo coletivo de compartilhar da experiência do Sagrado, pois conforme vimos e vivenciamos as giras no terreiro, compreendemos que todos, mesmo aqueles sentados na assistência, estão envolvidos nos trabalhos espirituais e compõem elos da corrente que forma-se dentro do congá, no espaço simbólico-espiritual, onde irão ocorrer as manifestações transcendentes e por onde as Entidades irão fazer-se presentes.

A manifestação do fenômeno espiritual tem, portanto, uma função social em decorrência da realidade transcendente que expressa e da simbologia de que se utiliza dentro dos ritos em um templo de Umbanda.

A  dança, a expressão e a gestualidade do caboclo, do preto-velho, das crianças, dos baianos, etc, ao mesmo tempo em que tornam evidentes os estados psíquicos dos médiuns, pela sua mística e simbologia que carregam, comunicam aos presentes condições e momentos diversos dos trabalhos espirituais, bem como servem de referência para que aqueles "não-incorporados" presentes ao rito dirijam suas preces, rogativas e agradecimentos.

Igualmente, o neófito nas lides de Umbanda irá aprender a identificar os seus estados de transe e a comandá-los, por conta da disciplina a que se vincula dentro das práticas da casa, obedecendo a horários, dias e sistemas a serem aprendidos dentro do templo que frequente. A manifestação espiritual fora do momento e do local adequado (do trabalho espiritual dentro do templo de umbanda) é tida como indesejada e perturbadora e por isso o novo médium deverá educar-se a fim de conseguir esta coordenação da sua hipersensibilidade que o predispõe ao fenômeno.

Como umbandistas, nossa vida religiosa está centrada na vivência do fenômeno de ordem espiritual como sendo a porta de acesso direto à Divindade, representada pelas Entidades Espirituais próprias do contexto cultural-religioso em que estamos inseridos. Portanto, o veículo mediador desta experiência é o corpo. O médium é o próprio templo dos Orixás, de seus Guias e Protetores.

Dessa forma, a experiência do transe implica em reações psicofisiológicas específicas que abrirão campo para o transitar da consciência para níveis diferentes do convencional, os chamados Estado Alterados de Consciência (E.A.C), também entendidos como Estados Superiores de Consciência.

Estão dentro destas reações características a descontinuidade das funções de personalidade, psicomotoras, de memória, sensoriais e de comportamento. A maneira mais ou menos intensa em que estas reações processam-se, junto à transposição da consciência do indivíduo para níveis "não-convencionais", irá possibilitar por parte do médium um estado de maior ou menor lucidez durante a experiência do transe.

Esse "estado de coisas" experienciado pelo médium em relação ao seu psiquismo e ao seu organismo físico o levará, naturalmente, a criar identificações pontuais a respeito das imagens que lhe assomam à consciência, bem como as sensações físicas de que se vê "tomado", possibilitando por aí reconhecer qual a Entidade Espiritual que se lhe aproxima do campo mediúnico e com  que tipo de energias está sendo influenciado neste momento.

A partir deste fenômeno de modificação da atividade cerebral, o nível de percepção subjetiva e objetiva do sujeito/médium altera-se facultando que ele vivencie a experiência mística/espiritual. Assim, sua individualidade fará um "movimento em sentido vertical", a projetar-se em direção à dimensão espiritual, abrindo campo para a comunhão com outras mentes situadas no plano astral.

Neste instante, ao passo em que o médium adquire uma percepção dilatada do ambiente em que encontra-se, e até mesmo de determinados aspectos da realidade espiritual, ele é acessado pela mente de Outro, com o qual irá comungar neste momento da experiência espiritual. Seu coração aumenta os batimentos, ao mesmo tempo em que uma sensação de agitação e alentamento dos pensamentos ocorrem. Um sentido de torpor e de perda de noção do tempo assomam-se e o acesso involuntário de uma nova expressão facial e postura corporal irrompem... O médium, momentaneamente, não é mais o Eu identificado ao Si-Mesmo, embora conserve o eixo e o centro de sua individualidade. Agora, é o Outro espiritual que movimenta-se e gesticula pelo seu corpo, manipulando-o por "motu proprio". É o Caboclo que chega em terra, o Preto-Velho que agacha e curva o corpo de seu "cavalo", as Ondinas, Caboclas e Sereias que giram e dançam extaticamente fitando seus espelhos, o Boiadeiro com seu laço e seu brado.

Assim, o médium "sente a presença" ou a "aproximação" de seu Guia, o qual "acosta-se", "irradia", dando a entender ainda um estado de transição "branda" entre o médium e o Espírito. A prática da dança ritualística e da oração consolidam o momento desta experiência e facultam ao adepto o estado de concentração mental e co-relação corporal adequadas para o estreitamento da ligação entre ambos.

Neste nível de convivência entre as duas mentes relacionadas no processo de comunhão espiritual, processa-se a assimilação das correntes de pensamento entre ambos, viabilizando ao longo do tempo a possibilidade da comunicação espiritual, processo em que o Guia ou Protetor irá servir-se das propriedades sensoriais, motoras e cognitivas do médium para presentificar-se.

Finalmente, concluiremos dizendo que a Umbanda prima por colocar o adepto em contato profundo com seu Orixá, com a "Divindade-em-si", de maneira que este possa fortalecer seu senso de identidade, ampliando suas concepções e conhecimentos diante da realidade, a qual é continuamente ressignificada e reelaborada por este, durante e após cada gira. Ao término dos trabalhos, "o dia renasce" pleno de novos significados e esperança aos presentes.

Adicionalmente, entendemos que todo este mecanismo de significação social, psicológica e espiritual do fenômeno do transe de incorporação é importante para fazermos entender que a comunicação mediúnica não é essencial para a vivência do adepto em relação ao seu contato com o mundo espiritual, sendo antes de tudo a condição de comunhão mental e espiritual a experiência preponderante no estado de plenificação e sentido da vivência religiosa. 

Cremos, sinceramente, que a faculdade mediúnica direcionada à comunicação e atendimento ao próximo é patrimônio adquirido com anos (não poucos) de experiência e contato com o mundo espiritual, estando destinada a sua utilização eficaz e austera para aqueles que persistam no seu processo de educação mediúnica e vivência rituais.

Salientamos estes processos iniciais dentro do fenômeno de Incorporação e da prática umbandista, pois notamos uma preocupação exagerada, e até ingênua, por parte de muitos que pretendem obter da prática mediunista de Umbanda resultados rápidos e eficazes no contato com o mundo espiritual, esquecidos de que tal acontecimento exige conquista, vivência e disciplina dentro das Leis de Umbanda, sem contar nos acréscimos de responsabilidade diante da Vida e do próximo que nos procura, necessitado e aflito, o qual deve encontrar amparo num médium bem equipado, amadurecido e portador de uma faculdade nobre e bem adestrada de maneira a evitar enganos, mistificações e perturbações para si mesmo e para o outro, em desfavor à nossa Corrente Astral de Umbanda.

Saravá a todos!

Referências:

Carvalho, José Jorge de (1998). A tradição mística afro-brasileira (artigo científico)
Matta e Silva, W.W. da (2010). Umbanda de Todos Nós
d'Ávila, Rogério, Omena, Maurício (2006). Umbanda e seus graus inciáticos.