sexta-feira, 13 de abril de 2012

Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda: Função Anímica e Mecanismos Adaptativos



Por:  Gregorio Lucio

Desdobrando a temática anteriormente iniciada, quando da publicação a respeito do Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda, prosseguiremos nossas reflexões em torno de uma questão fundamental na estruturação da experiência espiritual envolvida na prática umbandista, a qual identificamos como sendo relativa à questão anímica e aos mecanismos adaptativos inerentes ao processo psíquico de construção da experiência medianímica.

Devemos entender o princípio do aprendizado mediunista como sendo um caminho repleto de novas experiências de ordem sensorial, emotiva e experimental, uma vez que o adepto, logo após ser admitido ao circulo de médiuns da casa, deverá iniciar-se na prática do transe, sob as regras e normas vigentes no templo de Umbanda.


Interessa-nos, neste momento, enfocarmos as características de ordem psíquica que se irão aflorar ao longo do processo do chamado "desenvolvimento", ao qual o candidato a médium será submetido.Variando de acordo com as características de cada um, observamos que se somam às fileiras de trabalhadores dos templos de Umbanda, indivíduos portadores das mais diversas gradações entre sua sensibilidade psíquica e o tônus característico dos estados de transe que cada um passa a vivenciar.


Dessa forma, em alguns irrompem os estados de transe, em verdadeiro estupor, sob o qual o neófito agita-se bruscamente, girando de maneira desordenada, muitas vezes chegando a desequilibrar-se, arriscando-se em causar um acidente para si-mesmo e para aqueles que lhe estejam próximos. Noutros, o transe dá-se de uma maneira muito sutil, quase imperceptível, não logrando, em alguns casos, tornar-se mais intenso mesmo com o passar dos anos e da vivência nas giras.

Características de ambos, entretanto, as funções psicológicas de caráter anímico sucedem-se no início das experimentações mediunistas, comunicando-se por meio da expressão corporal, da gestualidade, da dança e dos trejeitos específicos da entidade que ensaia manifestar-se, aos poucos, por intermédio de seu medianeiro.

Buscando compreender o animismo como sendo a expressão da "alma do médium" dando seu colorido às manifestações espirituais que ocorrem por seu intermédio, entendemos que a manifestação particular do médium no ato da experiência mediunista ocorre sempre e invariavelmente, pois que é justamente pela função anímica que estruturam-se os campos de registros próprios para os contatos com a dimensão espiritual, neles sendo impressos e decodificadas as informações obtidas e comunicadas pelo "cavalo".

Entendamos a alma como sendo não identificada diretamente com a consciência, a qual é composta por duas partes, a saber, o consciente e o inconsciente; tão pouco a alma identifica-se com as nossas emoções, sentimentos ou processos psicofisiológicos que dão-se em nosso organismo, em nosso cérebro; a alma é um campo que vai para além do tempo e do espaço e une todas estas partes (consciência, emoções, sentimentos, sensações, corpo físico), em um todo maior e dotado de identidade.

Assim é que a alma corresponde ao próprio Espírito, no caso, o médium. A personalidade que ora se encontra na condição de médium, é a elaboração de um processo complexo de mecanismos psicológicos, cujos seus conteúdos foram elaborados tanto interiormente quanto introjetados por força da influência com o meio social. Não há como, portanto, deixar-se de lado a influência direta do médium nas manifestações mediunistas, sob pena de incorrermos num "pensamento mágico" ao acreditar que os fenômenos de ordem espiritual dão-se por razões extemporâneas ou fora daquilo que se configura como sendo os mecanismos já dados e estabelecidos pela nossa condição de seres humanos. A fenomenologia, por isso, não ocorre fora do campo psíquico e orgânico do médium, embora sua origem remonte a uma outra condição dentro da subjetividade humana (não originando-se exclusivamente do psiquismo ou do organismo biológico).

As emoções e sensações que passa a experimentar ao longo do processo de desenvolvimento mediúnico, servem como comunicadoras da função anímica do médium, denunciando seus estados de transe, independente da intensidade na qual este ocorra. Imagens psíquicas de caráter simbólico e pensamentos fugidios também assomam ao consciente como sendo os primeiros movimentos da alma do médium na tentativa do intercâmbio espiritual.

O animismo, por intermédio da função anímica, serve como mecanismo saudável da expressão inconsciente do médium, inclusive por força de uma irrupção catártica que pode provocar, trazendo à tona emoções e conflitos reprimidos. Médiuns que adentram, mesmo durante a manifestação do transe nas giras, em crises de choro, de paralisia, de esgares, etc, geralmente estão sob influência do processo catártico, anímico, funcionando como válvula de escape das tensões psíquicas de que se vêem tomados. Obviamente, essas primeiras expressões do animismo devem ser superadas pelo adepto, ao longo do tempo, que a elas não deve fixar-se, para que não constituam entrave à passagem das irradiações e pensamentos das entidades espirituais, de maneira que estas sejam plenamente integradas ao seu campo psíquico e emocional, promovendo o comando da função mediúnica.

Em conjunto a estas impressões intensas que são vivenciadas, o médium vai aos poucos elaborando um constructo psicológico, do qual emergirá as personalidades-simbólicas que servirão como refletoras das entidades espirituais que adentrarão a sua faixa mediúnica, personificando-as segundo a mística e a simbologia dada ao imaginário umbandista, variando de acordo com a tradição e a ritualística de cada terreiro.

Percebemos, por conseguinte, que a alma do médium modela personas simbólicas que servem como veículos para o mergulho ao inconsciente coletivo, do qual retira seus substratos e arquetipias, de onde podem emergir as forças contidas no si-mesmo, cuja sua realidade se faz presente quando, por ocorrência do transe assumido pelo médium, este sente-se tomado de grande força interior, de serenidade e paz autênticas.

Podemos conceber, por conta deste mecanismo adaptativo que se desenvolve, a psique do médium como sendo dotada de plasticidade e dinâmica criativa, promovendo a manutenção do eixo e do centro de sua individualidade, em torno das quais, as personalidades-símbolos irão constelar-se. Essa plasticidade e dinamização das estruturas psíquicas possibilitam que a subjetividade do invíduo-médium permaneça sempre no centro da experiência mediunista, não derrapando para um mecanismo patológico esquizofrenógeno, o qual ocorreria caso houvesse a fixação do "eu" do médium a uma destas personalidades-símbolos.

Ao longo do tempo o "cavalo" deve passar a organizar e comandar interiormente este processo psíquico, o qual não irá desaparecer, conforme o já dissemos, mas sedimentar-se-á cada vez mais, com vistas a possibilitar que num dado futuro, haja a ocorrência da comunicação medianímica, de forma segura e saudável para o médium, deixando em si marcas indeléveis de plenitude e amadurecimento emocional, por conta de uma construção salutar e segura que realizou em seu processo de "desenvolvimento mediúnico".

Salientamos sempre a necessidade da boa orientação e da paciência àqueles que buscam a realização espiritual dentro dos círculos umbandistas, pois trata-se de uma conquista que ficará gravada nas estruturas mais íntimas de nosso ser. Por isso, deixar de lado a pressa em querer dar comunicações e consultas, lembrando sempre de que a comunhão espiritual com o Guia é o elo mais poderoso de aprendizado espiritual, por conta da formação do campo intuitivo que passa a se desenvolver no íntimo do filho-de-santo.

Nossa preocupação deve-se ao fato de que observamos, cada vez mais, pessoas com mediunidades ou potenciais mediúnicos sendo desperdiçados e tornando-se totalmente atormentadas e atormentadoras por não cumprirem os processos de construção e amadurecimento que só o tempo e a vivência podem dar, causando sempre um desserviço à nossa Corrente Astral e à Umbanda como um todo.

Por isso, ponderação, paciência, dedicação e estudo, nos campos das experiências espirituais, dentro das lides umbandistas, serão sempre os recursos valiosos que todos deveremos nos valer, para que nossa religiosidade seja vivida de maneira plena e repleta de realizações felicitadoras, desmistificando tabús e ampliando o entendimento de conceitos e simbologias pertinentes ao nosso imaginário religioso, à nossa espiritualidade, na busca de conhecimentos sólidos em torno de nossa religião de Umbanda, retirando-nos da condição de marginalidade a que nos vemos colocados, muitas vezes por falta de preparo e esclarecimento de nossos próprios adeptos.

Saravá a todos!



Bibliografia Consultada:
Lima, Bennto de (1997). Malungo Decodificação da Umbanda
Jung, C.G. (1970). A Natureza da Psique