Por: Gregorio Lucio
Em seu caminho por dentro do tempo de iniciação nas Leis de Umbanda, o médium, cavalo de santo, irá construindo, ao longo das experiências que elabora no transe, uma relação de maior estreitamento com as entidades espirituais que acercam-se de seu campo mediúnico-sensitivo.
As entidades espirituais que comporão sua coroa mediúnica, funcionam como reguladoras de seu psiquismo, no que se refira às sensações e memórias que deixarão impressas em seu íntimo durante e após o transe, estabelecendo a possibilidade de sua identificação por parte do médium, conforme este amadurece na prática mediunista e habitua-se a refletir sobre seus estados mediúnicos e seu mundo íntimo como um todo, construindo assim o seu Campo Intuitivo.
Em conta do que relatamos, entendemos que há, por parte do médium e do templo no qual irá iniciar-se na Umbanda, uma construção de papéis estruturantes, os quais são erigidos segundo o processo de assujeitamento do neófito ao complexo de ritos, simbologias e expressões variadas que passarão a determinar as suas noções de pessoa e alteridade.
Isso porque, ao adentrar no universo imaginário próprio da mística de Umbanda, sua percepção a respeito de si-mesmo (pessoa) passará a identificar-se como sendo a de um ser transpessoal, essencial, cuja sua origem está atrelada a um Todo mais amplo, abstrato e integrador, o Espírito Imortal, o qual, justamente por estar imerso em um universo mais amplo do que este apreendido no sentir e no observar da experiência psíquica imediata de objetos e sensações da realidade física, tem em si a possibilidade de interagir em diversas dimensões da vida, pois é sujeito da experiência de sua própria individualidade, conquanto também propagador de consciências outras que por seu intermédio manifestam-se e fazem presentificar-se.
Sua noção de alteridade também encaminha-se para uma ampliação, uma vez que este deve o significado de seu universo íntimo, não somente a si mesmo, mas também a outras Individualidades, de origem Espiritual (Guias e Mentores), as quais mostram-se como atribuídas de duas funções de sentido psicológico distintas, sendo tanto a de servir como estruturadoras da experiência do transe de seu médium, quanto a de estruturantes do rito de Umbanda que se processa ao nível religioso-social. O rito de Umbanda forma-se em torno das características próprias aos grupos de entidades que manifestam-se dentro do templo, situando, pelo contexto de suas atuações e performances rituais, a fluência sob a qual a gira irá desenvolver-se. Sendo assim, o médium não existe somente por si, mas também em função do papel que lhe cabe na relação com seus Guias, bem como na relação de "suas" entidades com o meio religioso no qual estas desenvolvem seu mister.
O médium em desenvolvimento deve, portanto, constituir-se por um mecanismo de aprendizado, no qual este recebe, por parte dos médiuns mais experientes e, também, do babalorixá ou yalorixá da casa, uma atenção destinada a adequar suas manifestações dentro destas estruturas fundamentais do culto. Por isso, a conversa alternada realizada pelos "orientadores" do médium em seu processo de educação mediúnica, ora falando com a entidade incorporada, ora com o próprio médium, de maneira que se definam os papéis e se desperte no medianeiro a fluência na expressão de seus estados de transe.
" Símbolos e funções psíquicas são considerados estruturantes porque o resultado da ação das funções sobre os símbolos é a produção de significados, que formam a Consciência" (Byington, 2006).
Dizemos então que os processos mentais presentes no funcionamento psíquico do indivíduo, os quais permitem-no acomodar em seu complexo íntimo a manifestação de identidades outras, perpassam por seu inconsciente e, ao se ligarem ao complexo simbólico expresso pelo conjunto de ritos praticados na casa e presentes em sua memória, formam o campo da consciência mediúnica. A experiência simbólica das entidades passa aí a ser vivenciada, de pouco a pouco, de maneira ordenada e integrada ao campo da vida cotidiana do medianeiro.
Para ratificarmos nossas colocações expostas acima (referentes à conjunção de processos psíquicos com elementos sócio-culturais para a formação da experiência religiosa-mediunista na Umbanda), em nossa intenção de abordar a questão mediunista na Umbanda pelo viés psicológico-cultural-espiritual, transcrevemos um trecho do artigo científico de Zangari (2003):
“[...]não é possível compreender a mediunidade por um enfoque que exclua os elementos culturais, uma visão descontextualizada. A mediunidade passa a ser vista como uma construção psicossocial, como fenômeno individual e coletivo ao mesmo tempo. Uma importante teorização nesse sentido foi proposta por Zangari (2003). Seu trabalho se notabiliza pelo desenvolvimento de uma teoria da mediunidade de incorporação, na Umbanda, que engloba tanto a dimensão social mais ampla, quanto a dimensão social dos grupos e a dimensão individual dos fenômenos mediúnicos. Sua teoria parte da noção básica da mediunidade como fenômeno psicossocial, enfatizando o papel da linguagem na construção grupal das experiências anômalas / paranormais[...] o fenômeno mediúnico num contexto religioso em que ele se dá de maneira bastante natural, onde a experiência direta das “entidades espirituais” é extremamente valorizada - visto que toda a tradição umbandista é transmitida de forma oral, pois são poucos os livros existentes a respeito, ao contrário do Espiritismo dito kardecista.
[...] o desenvolvimento da função mediúnica [...]atravessaria seis
estágios ou processos específicos, que atuariam de forma concomitante e
independente:
a) Assimilação = processo pelo qual o indivíduo passa a conhecer melhor a doutrina religiosa e o papel que cabe ao médium nesse contexto. Caracteriza-se pela “constituição de uma imagem interna ou representação das crenças do grupo” (Zangari, 2003, p. 174), e que envolve não apenas uma compreensão consciente, mas informações não-verbais e subliminares presentes em qualquer forma de interação humana;
b) Entrega = consiste na aceitação dos fenômenos, na disponibilidade para adentrar o estado de transe e permitir a “incorporação”;
c) Treino = afirma que a mediunidade é uma alteração de consciência disciplinada culturalmente, a qual segue determinados passos e comportamentos previstos pelas crenças do grupo. Esses passos devem ser seguidos caso se queira executar a função mediúnica adequadamente. O indivíduo se envolve cada vez mais com as crenças grupais, interiorizando-as e acomodando-as frente às diferentes situações da vida e ao contexto religioso em si. Esse processo envolve não só uma adaptação psicológica, como corporal:[...] uma vez que a entrega se realize, o organismo (compreendido aqui como o conjunto corpo-mente) se acomodará conforme o esperado. Uma vez vencida a resistência inicial, a estranheza de ter seu corpo ocupado por um outro ser, a médium exercitará seu sistema nervoso de modo a que funcione de acordo com as crenças do grupo, agora também crenças da médium, uma vez que ela também é parte do grupo. (Zangari, 2003, p. 176)
d) Criação = período de “incubação criativa” (Zangari, 2003, p.
178) em que as[os] médiuns constroem inconscientemente as entidades que se
“comunicarão” por seu intermédio. Esse processo está limitado pelos conteúdos
próprios da doutrina religiosa;
e) Manifestação = atuação das criações num contexto ritual;
f) Comprovação = busca por evidências que comprovem a origem espiritual do fenômeno, em prol da manutenção da identidade mediúnica e da identidade grupal.
As entidades espirituais que comporão sua coroa mediúnica, funcionam como reguladoras de seu psiquismo, no que se refira às sensações e memórias que deixarão impressas em seu íntimo durante e após o transe, estabelecendo a possibilidade de sua identificação por parte do médium, conforme este amadurece na prática mediunista e habitua-se a refletir sobre seus estados mediúnicos e seu mundo íntimo como um todo, construindo assim o seu Campo Intuitivo.
Em conta do que relatamos, entendemos que há, por parte do médium e do templo no qual irá iniciar-se na Umbanda, uma construção de papéis estruturantes, os quais são erigidos segundo o processo de assujeitamento do neófito ao complexo de ritos, simbologias e expressões variadas que passarão a determinar as suas noções de pessoa e alteridade.
Isso porque, ao adentrar no universo imaginário próprio da mística de Umbanda, sua percepção a respeito de si-mesmo (pessoa) passará a identificar-se como sendo a de um ser transpessoal, essencial, cuja sua origem está atrelada a um Todo mais amplo, abstrato e integrador, o Espírito Imortal, o qual, justamente por estar imerso em um universo mais amplo do que este apreendido no sentir e no observar da experiência psíquica imediata de objetos e sensações da realidade física, tem em si a possibilidade de interagir em diversas dimensões da vida, pois é sujeito da experiência de sua própria individualidade, conquanto também propagador de consciências outras que por seu intermédio manifestam-se e fazem presentificar-se.
Sua noção de alteridade também encaminha-se para uma ampliação, uma vez que este deve o significado de seu universo íntimo, não somente a si mesmo, mas também a outras Individualidades, de origem Espiritual (Guias e Mentores), as quais mostram-se como atribuídas de duas funções de sentido psicológico distintas, sendo tanto a de servir como estruturadoras da experiência do transe de seu médium, quanto a de estruturantes do rito de Umbanda que se processa ao nível religioso-social. O rito de Umbanda forma-se em torno das características próprias aos grupos de entidades que manifestam-se dentro do templo, situando, pelo contexto de suas atuações e performances rituais, a fluência sob a qual a gira irá desenvolver-se. Sendo assim, o médium não existe somente por si, mas também em função do papel que lhe cabe na relação com seus Guias, bem como na relação de "suas" entidades com o meio religioso no qual estas desenvolvem seu mister.
Dizemos então que os processos mentais presentes no funcionamento psíquico do indivíduo, os quais permitem-no acomodar em seu complexo íntimo a manifestação de identidades outras, perpassam por seu inconsciente e, ao se ligarem ao complexo simbólico expresso pelo conjunto de ritos praticados na casa e presentes em sua memória, formam o campo da consciência mediúnica. A experiência simbólica das entidades passa aí a ser vivenciada, de pouco a pouco, de maneira ordenada e integrada ao campo da vida cotidiana do medianeiro.
Dessa
forma, as percepções mediúnicas podem variar de médium a médium por conta da
atuação dos papéis estruturantes construídos em seu psiquismo.
Para ratificarmos nossas colocações expostas acima (referentes à conjunção de processos psíquicos com elementos sócio-culturais para a formação da experiência religiosa-mediunista na Umbanda), em nossa intenção de abordar a questão mediunista na Umbanda pelo viés psicológico-cultural-espiritual, transcrevemos um trecho do artigo científico de Zangari (2003):
“[...]não é possível compreender a mediunidade por um enfoque que exclua os elementos culturais, uma visão descontextualizada. A mediunidade passa a ser vista como uma construção psicossocial, como fenômeno individual e coletivo ao mesmo tempo. Uma importante teorização nesse sentido foi proposta por Zangari (2003). Seu trabalho se notabiliza pelo desenvolvimento de uma teoria da mediunidade de incorporação, na Umbanda, que engloba tanto a dimensão social mais ampla, quanto a dimensão social dos grupos e a dimensão individual dos fenômenos mediúnicos. Sua teoria parte da noção básica da mediunidade como fenômeno psicossocial, enfatizando o papel da linguagem na construção grupal das experiências anômalas / paranormais[...] o fenômeno mediúnico num contexto religioso em que ele se dá de maneira bastante natural, onde a experiência direta das “entidades espirituais” é extremamente valorizada - visto que toda a tradição umbandista é transmitida de forma oral, pois são poucos os livros existentes a respeito, ao contrário do Espiritismo dito kardecista.
a) Assimilação = processo pelo qual o indivíduo passa a conhecer melhor a doutrina religiosa e o papel que cabe ao médium nesse contexto. Caracteriza-se pela “constituição de uma imagem interna ou representação das crenças do grupo” (Zangari, 2003, p. 174), e que envolve não apenas uma compreensão consciente, mas informações não-verbais e subliminares presentes em qualquer forma de interação humana;
b) Entrega = consiste na aceitação dos fenômenos, na disponibilidade para adentrar o estado de transe e permitir a “incorporação”;
c) Treino = afirma que a mediunidade é uma alteração de consciência disciplinada culturalmente, a qual segue determinados passos e comportamentos previstos pelas crenças do grupo. Esses passos devem ser seguidos caso se queira executar a função mediúnica adequadamente. O indivíduo se envolve cada vez mais com as crenças grupais, interiorizando-as e acomodando-as frente às diferentes situações da vida e ao contexto religioso em si. Esse processo envolve não só uma adaptação psicológica, como corporal:[...] uma vez que a entrega se realize, o organismo (compreendido aqui como o conjunto corpo-mente) se acomodará conforme o esperado. Uma vez vencida a resistência inicial, a estranheza de ter seu corpo ocupado por um outro ser, a médium exercitará seu sistema nervoso de modo a que funcione de acordo com as crenças do grupo, agora também crenças da médium, uma vez que ela também é parte do grupo. (Zangari, 2003, p. 176)
e) Manifestação = atuação das criações num contexto ritual;
f) Comprovação = busca por evidências que comprovem a origem espiritual do fenômeno, em prol da manutenção da identidade mediúnica e da identidade grupal.
Para Zangari (2003)
deve-se considerar o papel do médium como unificado, e não como a simples soma
dos “espíritos” ou facetas de sua identidade manifestadas no estado de transe.
O médium é, na verdade, aquele que tem “a capacidade de assumir múltiplos
papéis” (p. 185). Os espíritos são expressões de papéis sociais, mas cujo
automatismo não permite às médiuns exercer qualquer controle sobre eles. As
médiuns [estudadas pelo pesquisador] seriam ao mesmo tempo intérpretes e coautoras de suas entidades”
A elaboração dos papéis estruturantes da experiência mediúnica dá-se, portanto, sob a inter-relação de seu mundo psíquico-espiritual com o meio religioso-cultural, no qual encontra-se. Há um sistema de estímulo-resposta e de elaboração simbólico-ritual que alimenta a esfera não-racional do psiquismo do médium, de maneira que seu inconsciente torne-se preenchido e criativamente ressignificado, na medida em que este vai se assenhoreando da vivência dos ritos, das giras, das preparações, dos trabalhos...
"Dessa forma, um símbolo e sua linguagem simbólica somente passam a serem compreendidos, a partir do momento em que o ser se transporta para a esfera ou egrégora em que ele se instala. Adentrando no universo místico da Umbanda, penetra-se em sua simbologia, distanciando-se o adepto lentamente do aspecto simplório de cada coisa e se projetando em sua essência.
O aspecto simbólico então reveste-se de realidade, uma vez que ao interno do núcleo central a artificialidade ou o irreal passa a não mais existir enquanto estrutura variável e sim, agrega em seu contexto sua própria realidade. Desperta-se então para a mística, aprendendo a observar e enxergar em um símbolo a imagem tangível do plano invisível impresso em toda a sua significação" (Nunes, 2009).
Ao enfatizarmos a função do inconsciente como instância psíquica plenipotente na elaboração dos papéis estruturantes da experiência mediunista, no decorrer do desenvolvimento mediúnico, não queremos com isso corroborar com a idéia de que a fenomenologia e a expressão espiritual originam-se no inconsciente. Entretanto, elas fluem por este, pois é no inconsciente onde estão os sedimentos simbólicos, as arquetipias, e o substrato da mundivivência realizada por cada um, como Ser Espiritual, que comporão a expressão profunda do intercâmbio com o mundo espiritual, pois "[...] o inconsciente resume no psiquismo uma modalidade múltipla da realidade, ao passo que o ego corresponde a uma modalidade fixa e parcial do real".(Lima, 1997)
Finalmente, não podemos deixar de mencionar a importância da relação com o corpo e sua correspondente imagem corporal elaborada pelo médium, em conjunto com cada entidade manifesta, como papel estruturante no processo de desenvolvimento mediúnico. Cada Espírito carregará para a mente do médium, os elementos que sejam possíveis de expressar, por meio da gestualidade e do simbolismo corporal, a essencialidade do trabalho e a energia espiritual a que cada Guia está vinculado.
Conforme o médium vai tomando consciência dessa imagem corporal e seu correspondente espaço psicológico criado dentro e fora de si, poderá sentir o fluir das irradiações carreadas por cada Guia de Luz que por sua coroa presentifica-se, permitindo reencontrar, na experiência subjetiva com o seu próprio corpo, os significados mais profundos a respeito de sua individualidade, por permitir a integração de suas funções sensoriais e psíquicas, ampliando a sua percepção mediúnica.
Essa integração da imagem corporal, construída pelos transes específicos de cada entidade, na personalidade mediúnica, faculta a percepção profunda da sacralização da mente, pela qual o adepto aos poucos vai adentrando ao entendimento de que ao ser acessado pelas Entidades Astralizadas (Guias e Mentores de Luz), este estabelece contato direto com a Divindade que por ele flui e irradia-se, espalhando as bençãos dos Orixás para o mundo físico, onde por ora nos encontramos.
Cabe ao médium, neste processo, ir tornando-se cada vez mais consciente a respeito de sua realidade interior, bem como deste complexo de manifestações que ocorrem em si-mesmo para que seja capaz de plenificar-se e gratificar-se psicologicamente, traduzindo modificações profundas em sua conduta e sutilizando seus pensamentos, ampliando assim suas possibilidades de viver com paz e amor em seu coração.
Saravá a todos!
Byington, C.A.B. (2006). O Desenvolvimento da Personalidade - As Sete Etapas da Vida (artigo científico)
Zangari, W. (2009). Psicologia da Mediunidade: do Intrapsíquico ao Psicosocial (artigo científico)
Lima, Bennto de (1997). Malungo Decodificação da Umbanda
Nunes, M.C.; Alves R. (2009). Oyé Orixá
Zimmermann, E. (2009). Corpo e Individuação
Jung, C.G. (1970). A Natureza da Psique