sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Saúde e Cura na Umbanda: Vivência religiosa e bem-estar



Por: Gregorio Lucio

O entendimento a respeito da Saúde deve estar centrado na compreensão de que esta corresponde ao "estado de completo bem-estar físico, mental e social' (OMS 2011) passível de ser vivenciado pelo ser humano. Desta forma, tal conceituação não implica somente na ausência de sintomas ou doenças, mas na concepção de que é a partir da maneira pela qual o indivíduo relaciona-se com a realidade (interior e exterior) que este estabelecerá seus estados de saúde e bem-estar ou de adoecimento e perturbação.

Entendemos ser a vivência religiosa um dos recursos mais profícuos para o estabelecimento de estados de saúde e bem-estar no ser humano, uma vez que esta faculta a integração do individuo a um contexto de experiências que o possibilitam identificar significados mais profundos em sua própria existência, compartilhando-as, ainda, com o grupo ou comunidade no qual este efetiva a sua integração.


Segundo a compreensão umbandista, somos Individualidades reencarnadas em processo de ajustamento e re-identificação com a divindade e com nossa origem primordial: o Orixá. Por isso, a existência, dentro de nosso círculo religioso, da filiação entre o adepto e o seu Orixá, por intermédio de seu Guia, "Pai-de-Cabeça".

A busca de sentido do ser humano, segundo nosso sistema de crenças, situa-nos num mundo de relação direta com a dimensão espiritual, por cujo contato com os Guias e Protetores torna-se possível estabelecer formas criativas de significação de nossa vida interior.

Os valores que são vivenciados dentro da comunidade religiosa, cujos ensinamentos e exemplificações nos são ministrados pelas entidades espirituais, bem como pelos sacerdotes/sacerdotisas dirigentes do templo, facultam-nos a possibilidade de criarmos novos sentidos para as nossas necessidades subjetivas, reelaborando dramas, conflitos, criando um sentido de utilidade para nós mesmos e de pertença a um grupo, no qual identificamo-nos como sendo parte integrante.

Os efeitos emocionais da vida religiosa somam-se ao comportamento do indivíduo, porquanto os princípios éticos e morais, fortemente estabelecidos no meio religioso, aos poucos passam a integrar-se na consciência do adepto, permitindo que esse reflita com maior frequência a respeito da finalidade da vida, de seus compromissos e deveres perante a família e a sociedade, assim como de tudo quanto lhe caiba como responsabilidades perante a si mesmo, em seu processo de auto-desenvolvimento.

Soma-se a isto, a compreensão que a fé religiosa dota o ser humano de um sentido existencial, proporcionando que este supere às constantes dúvidas e incertezas que lhe povoam os pensamentos, dando-lhe uma direção e um objetivo pelos quais lutar e seguir adiante em sua caminhada existencial.

A fé umbandista, por fornecer ao adepto a crença e a convicção na existência de um Mundo Maior, transcendente a este universo imediato e transitório, motiva-o a buscar recursos, por meio das práticas e comportamentos prescritos pelo templo religioso, que ajudem-no a lidar com as várias situações que se afiguram presentes ao longo da vida.

A confrontação com a realidade da morte (dos outros e de si mesmo), da doença, dos infortúnios de toda a sorte, tanto quanto aquelas vivências de indizível felicidade e gratidão, por meio da prática da caridade e do exercício voluntário da abnegação em favor do próximo e da própria comunidade religiosa, granjeiam no íntimo de cada adepto valores imperecíveis e marcantes, cuja meditação particular em torno destes, levará ao estado de compreensão das Leis da Vida, as quais cada um de nós encontra-se vinculado.

 A adoção do hábito da oração, da reflexão e da meditação em torno da realidade de si mesmo, bem como das necessidades dos outros ao seu redor, ampliam o sentimento de compaixão, humildade e tolerância, por reconhecer as suas próprias limitações como ser, não impondo, por conseguinte, ao próximo, exigências de comportamento de quaisquer natureza, ao mesmo tempo sabendo manter-se firme em suas convicções íntimas, fazendo-se maduro emocionalmente, guardando uma correspondente postura Ética em seu labor diário na sociedade, na família, e dentro da comunidade religiosa.

As práticas religiosas são realizadas pela Humanidade desde os tempos mais primevos, preenchendo todas as culturas espalhadas pelo planeta com seus símbolos, valores e ritos. Como seres em processo de desenvolvimento espiritual, passamos por várias destas culturas, colhendo de cada uma as experiências necessárias para nosso aprimoramento e ascensão consciencial.

Ligados hoje à Umbanda, realizamos dentro de nosso contexto cultural-religioso, as práticas correspondentes a tal universo, por meio das quais buscamos reintegrarmo-nos à dimensão divina, restabelecendo nosso contato inicial de unificação da consciência com o Sagrado. Tal experiência preenche-nos psicológica e espiritualmente, colocando-nos em contato direto e dinâmico com a possibilidade da saúde e da cura: a autocura.


Ao integrar-se a um templo religioso umbandista detentor de um corpo de fundamentos e ritos bem estruturados, o adepto compreenderá a Umbanda como sendo um caminho espiritual a ser seguido (Jorge, 2008), abrindo-se para ele uma série de práticas dentro do rito que o façam entender que a doença não existe por si só, mas há o indivíduo doente. Assim, ao reconhecer o seu estado espiritual, o adepto poderá decidir-se por adotar práticas que o desvincule dos processos doentios, facultando-lhe restabelecer a conexão com seu estado de plenitude interior, ligando-o ao seu Orixá, por meio do entendimento de que sua conduta deverá ser a de buscar sempre o melhor para si, com maturidade e discernimento, evitando o sofrimento e contribuindo para o  seu próprio aprimoramento.

As práticas ritualísticas na umbanda, portanto, são terapêuticas em si mesmas, endereçando-nos os caminhos da auto-cura e da conexão com a Divindade. Durante os trabalhos espirituais, isso ocorre durante vários momentos e em vários níveis. Vejamos:

Nas giras - as correntes de espíritos trabalhadores, manifestos por meio de seus médiuns descarregam energias negativas, desbloqueiam energias acumuladas nos centros de força do complexo orgânico das pessoas presentes nas giras e fornecem orientações espirituais.

Como disciplina a ser aprendida mediante a vivência dentro dos ritos realizados pelo templo - a utilização de posturas e movimentos corporais (danças) e respiração (antes e ao longo dos movimentos) que viabilizam o processo do transe e canalizam energias de caráter positivo a serem integradas no complexo orgânico/espiritual do médium.

Práticas a serem efetuadas dentro do rito, bem como de maneira particular - utilização de ervas (como banhos e defumações), de cantos, evocações e orações (pontos cantados), de oferendas com elementos naturais (flores, frutos, água, doces), de velas e incensos.

Todos estes instrumentos ritualísticos objetivam ser veiculadores de energias curativas e desvincular-nos de irradiações negativas, reestruturando nosso organismo, por meio da harmonização de suas estruturas sutis.

O saber espiritual contido nas lides umbandistas é grandioso e engrandece-nos a cada novo passo dado em direção ao esclarecimento e à compreensão de como cada prática ritualística, cada simbolo presente no templo, cada detalhe de uma gira é carregado de todo um complexo de significados e de uma memória coletiva.

 
Vemos então, a grandiosidade do conhecimento transmitido por nossos Orixás, intermediados pelas Correntes de Guias e Protetores, os quais acessam e integram a nossa consciência a porção de luz do entendimento, da gratidão e plenitude passíveis de vivenciadas ao nos relacionarmos com as irradiações positivas e curadoras desta egrégora da Umbanda, sabedores de que nossa experiência religiosa produzirá no íntimo de cada um de nós, os frutos do conforto, da segurança interior e serenidade da alma diante da Vida!

Saravá a todos!

Bibliografia Consultada:
Costa-Rosa, Abilio da (2008). Práticas de cura místico-religiosas, psicoterapia e subjetividade contemporânea (artigo científico) 
Pereira, Daniela Martins (2008). Experiência religiosa da fé e desenvolvimento humano (artigo científico)
Filho, A.M.P.;Junior,A.L.S.(2008). Religião e Cura: Uma interpretação (artigo científico)
Jorge, Érica F.C.(2008). O embate entre medicina e múltiplas artes de cura no Brasil - A inovação da Umbanda frente a esses saberes (trabalho de conclusao de curso)
Jung, C.G (1978). Psicologia e Religião
Neto, Francisco Rivas (2003). Sacerdote, Mago e Médico: Cura e Autocura Umbandista


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Saúde e Cura na Umbanda: Tratamento Espiritual


Por: Gregorio Lucio

A sociedade contemporânea possui, no tocante às terapêuticas médicas convencionais, seus paradigmas em torno das concepções advindas da biomedicina - por sua consequente expansão pelo mundo -, bem como pela evolução histórica do campo de saúde na maioria das sociedades (Giglio-Jacquemot, 2006).

Como consequência de seu processo histórico de evolução, a biomedicina passou a defrontar-se com realidades culturais diversas, as quais possuem em si também a proposta terapêutica de promover respostas aos estados de doença e aflição vividos pelo ser humano. Isso fez com que surgissem várias formas de ajustamento com sistemas terapêuticos não biomédicos (Giglio-Jacquemot, 2006).

Entram aí, as terapêuticas religiosas que visam o bem-estar da criatura humana, em sua dimensão biológica-psicológica e, consequentemente, espiritual. Trataremos a respeito da terapêutica umbandista.
Nas práticas umbandistas visamos interpretar a doença segundo uma "semiologia espiritual" (Mantovani, 2006), sem desconsiderar a ótica da medicina convencional, no entanto, utilizando-nos de elementos simbólicos pertinentes ao nosso universo religioso.

Dessa forma, a ótica umbandista enfoca o entendimento do processo doentio interessando-se pelos mecanismos que irão influenciar na dimensão espiritual do indivíduo, independentemente se a sua causa dá-se por questões de ordem "material" ou "espiritual".

Essa assertiva implica numa compreensão de que tanto a dimensão corpórea, quanto a dimensão espiritual estão interligadas numa relação profunda, cujos mecanismos de saúde-doença são indissociáveis, corroborando, por tanto, com a realidade do tratamento espiritual como sendo complementar à terapêutica médica convencional.

"Aspectos como fé, oração e ritual são elementos importantes para o trabalho dos curadores". (Andrade , 2005)

Os elementos do rito e das práticas espirituais efetuados no tratamento dentro do contexto umbandista, visam restabelecer o equilíbrio (homeostase) entre as energias do complexo orgânico (corpo físico) e as do ser espiritual nele encarnado (Espírito).

Cremos na realidade manifesta da Individualidade como sendo um complexo de energias que transitam em diferentes níveis dimensionais, as quais definem e delimitam-nos como seres existentes no tempo e no espaço, embora nossa origem (de procedência divina) esteja situada além do universo cognoscível.

Sendo assim, todos os recursos terapêuticos utilizados (passes, orações, banhos, benzimentos, defumações, etc), visam a reordenação das energias do Ser, uma vez que os estados doentios propiciam com que o indivíduo irradie de Si energias de caráter deletério, tornando-o "aberto" à absorção de cargas negativas que resultariam por agravar suas condições físicas ou psíquicas, até mesmo deixando-o ao alcance de entidades espirituais de caráter perturbador, comprometendo ainda mais sua existência.

Os elementos simbólicos e a linguagem ritual presentes no sistema de tratamento do doente ao longo das giras, trazem em si impregnadas as irradiações benéficas e salutares da natureza e do mundo espiritual, propiciando a integração destas no organismo e psiquismo do paciente, tornando-o suscetível à renovação e recuperação da saúde.

Lévi-Strauss, ao analisar o sistema terapêutico e de cura dentro de contextos religiosos similares aos experienciados na Umbanda, cunhou o termo eficácia simbólica  ao observar os resultados positivos das práticas de cura espiritual.

A eficácia simbólica (Lévi-Strauss, 1985) das práticas populares de saúde, traduziria-se no processo pelo qual o indivíduo-médium (curador) levaria o indivíduo-doente a significar seus estados de mal-estar, manipulando os elementos simbólico-religiosos presentes no rito. No caso do rito umbandista seriam os pontos riscados e cantados, alguidares, guias, defumações, ervas, banhos, etc. Tudo isso de maneira a fazer com que o estado doentio possa ser identificado dentro deste contexto específico  e a partir daí seja racionalizado, equacionando-o. Seria, enfim, um processo de transformação na percepção do indivíduo-doente a respeito daquilo que este entenderia como sendo "a doença", proporcionando uma passagem para um contexto de saúde, de ressignificação.

Se por um lado essa concepção do processo de adequação psicológica faculta a abertura do indivíduo a novos contextos de vivências que o possibilitarão  restabelecer suas condições de saúde, não podemos negar, como umbandistas, a realidade do mundo espiritual que atua sobre o ser ali encarnado, cercando-o de um campo protetor e curativo, que auxiliará no tratamento médico convenientemente adotado pelo paciente, facultando sua gradativa melhora e a compreensão das situações vivenciadas mediante a realidade da doença, fornecendo-lhe recursos criativos para lidar com tal evento.

Isso por que cremos, como espiritualistas que somos, que o Ser é o somatório de todas as suas experiências vividas ao longo de sua jornada como Espírito em transformação, cujos nossos passos nas sendas do passado trouxeram-nos consequências mais ou  menos felizes, gravando-se em nosso interior e tornando-se portas e janelas abertas para que neste presente pudéssemos contemplar nossas limitações e potencialidades de desenvolvimento, incidindo inclusive nas predisposições a determinadas doenças que trazemos em nosso código genético, as quais verificar-se-ão em nossa jornada atual a depender de nosso livre-arbítrio e de nossas necessidades de reajustamento.

Por último, lembraremos que nem sempre a cura da doença física ou psíquica é possível, pois que a cada indivíduo são dadas as circunstâncias que o situarão diante da oportunidade sempre renovada de voltar o olhar para seu mundo interior, perscrutando sua consciência em busca das causalidades de seu estado atual ou das possibilidades de ajuste e adaptação saudável frente à situação que se afigura real, indicando-lhe a iminência de sua própria desencarnação.

Lembremos que nunca nos furtaremos aos compromissos que nos couber arcarmos ao longo de nossas existências, pois que de outra forma, quando vinculados ao processo doentio como meio de expiação, estaríamos simplesmente saindo de uma doença para mais adiante cairmos em outra,  uma vez que as Leis Divinas são imutáveis e inamovíveis.

Entregando-nos ao contato terapêutico com os Guias de Luz, os quais "arriam" em nossas coroas durante as nossas giras, integraremos em  nosso patrimônio íntimo a compreensão cada vez maior da Lei Divina que regula nossos caminhos existenciais, com a qual aprenderemos a nos ajustar e entender que saúde e doença são estados que primordialmente surgem da maneira como a consciência do indivíduo relaciona-se com a realidade, indo além da presença ou não de sintomas físicos ou psíquicos que caracterizem-nos.

Assim, há aqueles que, mesmo dotados de um organismo perfeito e faculdades psíquicas normais, entregam-se ao desânimo, a preguiça e à apatia diante da Vida, doentes...Também aqueloutros existem, por sua vez, que a despeito de padecerem sofrimentos inomináveis por conta das limitações e dificuldades impostas por uma saúde orgânica debilitada, tornam-se verdadeiros mananciais de alegria, ânimo e esperança, contagiando a todos ao seu redor, detentores que são, espiritualmente, da saúde daquele que se ilumina por meio das situações provacionais.

   
Buscando o auxílio e o esclarecimento junto aos Mentores de Aruanda Maior, compreenderemos, então, a inteireza das Leis Kármicas que visam o reajuste do Indivíduo perante a Vida e amadureceremos o entendimento da máxima do Cristo, quando o Mestre nos promete o Alívio ao invés da Cura:

"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados e Eu vos aliviarei" (Mateus, 11-28:30).   


Saravá a todos!


Bibliografia Consultada:
Andrade, J.T (2010). Ritos terapêuticos entre rezadores no Grande Bom Jardim, em Fortaleza: persistência dos saberes comunitários em saúde (artigo científico).
Zangari, Wellington (2008). Consciência, Saúde e Psicologia Anomalística: o caso das interações anômalas de ação fisiológica à distância (artigo científico).
Giglio-Jacquemot, Armelle (2006). Médicos do Astral e Médicos da Terra. As relações da Umbanda com a Biomedicina (artigo científico, Revista Mediações).
Jorge, E.F.C. (2008). O embate entre Medicina e múltiplas artes de cura no Brasil - A inovação da Umbanda frente a esses saberes (trabalho de conclusão de curso).
Mantovani, Alexandre (2006). A construção social da cura em cultos umbandistas: estudo de caso em um terreiro de umbanda na cidade de Ribeirão Preto - SP (tese de mestrado).

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Saúde e Cura na Umbanda



Por: Gregorio Lucio

Cada prática terapêutica obedece a uma concepção a respeito do ser humano. Na Umbanda, os aspectos do binômio saúde-doença são identificados por meio de interpretações fornecidas pelas concepções próprias acerca da realidade existencial dos seres, estando vinculadas a uma linguagem (verbal e não-verbal) e a uma simbologia características, as quais proporcionam a identificação dos estados doentios e auxiliam no tratamento do paciente, tornando-se uma forma criativa e complementar da terapêutica médica convencional.

Na Umbanda, entendemos a Individualidade como sendo essencialmente de natureza Espiritual, vinculada às experiências que esta tenha realizado ao longo de seu périplo carnal (sucessivas encarnações), tendo como resultado de suas vivências anteriores (se mais ou menos felizes) as disposições que irão influenciar, em termos de saúde-doença, a sua presente encarnação.


Soma-se à isso, a compreensão umbandista de que a Individualidade Espiritual - a qual somos cada um de nós - manifesta-se como parte integrante de uma estrutura de relação existencial além de Si-mesma. De tal sorte que o ser humano, de maneira particular, está associado aos seus ancestrais espirituais e divinos, como sejam seus Guias, Protetores e Orixás.
Assim, as vivências psíquicas do indivíduo resultam não somente daquilo que seria próprio de um sujeito portador de uma consciência centrada somente em si-mesmo, mas também como estando [a sua consciência] situada num sistema mais amplo, sujeito a influências e atuações de forças de origem transcendente, provindas do mundo espiritual, por meio dos seres extra-físicos com as quais esteja vinculado.

É uma demanda comum aos templos de Umbanda espalhados pelo país, a das pessoas portadoras dos mais variados problemas, na área da saúde ou social, as quais buscam o auxílio desta religião para a solução de suas queixas.

"No Brasil, o sincretismo de invocação religiosa, os remédios, as simpatias, as rezas, fazem parte de um agir coerente em busca da cura" (Andrade, 2005).

A precariedade das condições de vida e acesso aos meios de tratamento das doenças, no passado, bem como a sempre presente necessidade interior de ser entendida não somente como um complexo orgânico, mas principalmente como individualidade transcendente/espiritual, levaram a grande massa de pessoas a buscarem o socorro aos curandeiros, rezadores, benzedeiros, médiuns (entre outros) de todas as épocas de nossa sociedade.

No caso da Umbanda, o terreiro é um dos pontos de vivência fundamentais na lide dos processos de saúde e cura do indivíduo. Os templos religiosos fazem-se pontos centrais no processo de apoio na busca do tratamento terapêutico. "Tais entidades e suas crenças servem de base e de fator disseminador destas práticas de cura, assim como estas as compõem fazendo parte de seus principais rituais e práticas" (Andrade, 2005).


Sendo assim, a busca pelo contato com as Entidades Espirituais, Guias e Protetores da Corrente Astral de Umbanda configura-se como o recurso direto para a solução e a cura dos males variados na vivência cotidiana dos pacientes. No rito umbandista, os seres vindos dos planos elevados do mundo espiritual (a Aruanda), chegam à Terra (o terreiro) para trabalharem a favor dos necessitados, os quais podem relacionar-se de maneira direta com estes, dirigindo-lhes seus pedidos e rogativas.

Cremos, como umbandista, que os desequilíbrios manifestos no complexo psíquico/orgânico do indivíduo surgem em decorrência das disfunções de ordem energética entre seus corpos espirituais, ocasionando a quebra da homeostase, efetivando-se em desarmonias variadas. Tal mecanismo pode ocorrer por conta de processos próprios do indivíduo, mediante ocorrências em sua vida cotidiana, em seus aspectos psicológicos (complexos psíquicos, conflitos existenciais, depressão, stresse, etc), bem como por aqueles de ordem orgânica (males de ordem genética ou ocasionados por hábitos e vícios maléficos à saúde, exposição a agentes externos, etc.). Da mesma forma, também a vinculação à entidades espirituais de caráter negativo e perturbador (os chamados obsessores, quiumbas, "encostos"), também surgem no rol das circunstâncias que podem levar a desequilíbrios na área da saúde, segundo a concepção umbandista.

Dentro deste contexto religioso, verificar-se-ão as várias formas de tratamento e cura promovidos pelas práticas umbandistas, como sejam os "benzimentos", os "passes", as "desobsessões", o "transporte", os "ebós", os "banhos de folhas", as "defumações", entre outros. 

A medicina convencional, primordialmente, irá valer-se do tratamento dos sintomas por meio da diagnose e prognose adequadas, administrando remédios e terapêuticas variadas com o intuito de dissipar a doença, contribuindo com a melhoria na qualidade de vida do paciente.

A utilização de duas angulações diferentes a respeito da realidade do indivíduo associa modalidades diagnóstico-terapêuticas distintas, mas complementares.

Por fim, diremos que todo o Rito de Umbanda, é uma prática de cura, por meio da qual nossos Guias e Protetores, no simples ato de sua incorporação, trazem ao terreiro suas irradiações de Saúde e Harmonia, integrando-as no psiquismo e no organismo do médium, enquanto percorrem o congá, dançando ou caminhando, descarregam e limpam o ambiente, assim como atraem para si as entidades "negativas" - trazidas para tratamento -  e desfazem os acúmulos de energias deletérias que porventura tenham se agregado por conta da irradiações de pensamento de todos quantos estejam presentes ao rito em condições de sofrimento e perturbação.

Toda a gira de Umbanda é curativa por excelência, pois coloca-nos em contato com o Divino, fonte próspera e inesgotável de Felicidade e Saúde, da qual cada um se alimentará mediante as suas possibilidades de momento e condições de assimilação das experiências no campo do Sagrado, junto aos nossos Orixás que irradiam sobre todos nós sua cobertura em forma de amor e força interior para prosseguirmos em nossa jornada.

Saravá a todos!


Bibliografia Consultada:
Andrade, J.T (2010). Ritos terapêuticos entre rezadores no Grande Bom Jardim, em Fortaleza: persistência dos saberes comunitários em saúde (artigo científico).
Zangari, Wellington (2008). Consciência, Saúde e Psicologia Anomalística: o caso das interações anômalas de ação fisiológica à distância (artigo científico).
Giglio-Jacquemot, Armelle (2006). Médicos do Astral e Médicos da Terra. As relações da Umbanda com a Biomedicina (artigo científico, Revista Mediações).
Jorge, E.F.C. (2008). O embate entre Medicina e múltiplas artes de cura no Brasil - A inovação da Umbanda frente a esses saberes (trabalho de conclusão de curso). 
Mantovani, Alexandre (2006). A construção social da cura em cultos umbandistas: estudo de caso em um terreiro de umbanda na cidade de Ribeirão Preto - SP (tese de mestrado).