Por: Gregorio Lucio
O entendimento a respeito da Saúde deve estar centrado na compreensão de que esta corresponde ao "estado de completo bem-estar físico, mental e social' (OMS 2011) passível de ser vivenciado pelo ser humano. Desta forma, tal conceituação não implica somente na ausência de sintomas ou doenças, mas na concepção de que é a partir da maneira pela qual o indivíduo relaciona-se com a realidade (interior e exterior) que este estabelecerá seus estados de saúde e bem-estar ou de adoecimento e perturbação.
Entendemos ser a vivência religiosa um dos recursos mais profícuos para o estabelecimento de estados de saúde e bem-estar no ser humano, uma vez que esta faculta a integração do individuo a um contexto de experiências que o possibilitam identificar significados mais profundos em sua própria existência, compartilhando-as, ainda, com o grupo ou comunidade no qual este efetiva a sua integração.
Segundo a compreensão umbandista, somos Individualidades reencarnadas em processo de ajustamento e re-identificação com a divindade e com nossa origem primordial: o Orixá. Por isso, a existência, dentro de nosso círculo religioso, da filiação entre o adepto e o seu Orixá, por intermédio de seu Guia, "Pai-de-Cabeça".
A busca de sentido do ser humano, segundo nosso sistema de crenças, situa-nos num mundo de relação direta com a dimensão espiritual, por cujo contato com os Guias e Protetores torna-se possível estabelecer formas criativas de significação de nossa vida interior.
Os valores que são vivenciados dentro da comunidade religiosa, cujos ensinamentos e exemplificações nos são ministrados pelas entidades espirituais, bem como pelos sacerdotes/sacerdotisas dirigentes do templo, facultam-nos a possibilidade de criarmos novos sentidos para as nossas necessidades subjetivas, reelaborando dramas, conflitos, criando um sentido de utilidade para nós mesmos e de pertença a um grupo, no qual identificamo-nos como sendo parte integrante.
Os efeitos emocionais da vida religiosa somam-se ao comportamento do indivíduo, porquanto os princípios éticos e morais, fortemente estabelecidos no meio religioso, aos poucos passam a integrar-se na consciência do adepto, permitindo que esse reflita com maior frequência a respeito da finalidade da vida, de seus compromissos e deveres perante a família e a sociedade, assim como de tudo quanto lhe caiba como responsabilidades perante a si mesmo, em seu processo de auto-desenvolvimento.
Soma-se a isto, a compreensão que a fé religiosa dota o ser humano de um sentido existencial, proporcionando que este supere às constantes dúvidas e incertezas que lhe povoam os pensamentos, dando-lhe uma direção e um objetivo pelos quais lutar e seguir adiante em sua caminhada existencial.
A fé umbandista, por fornecer ao adepto a crença e a convicção na existência de um Mundo Maior, transcendente a este universo imediato e transitório, motiva-o a buscar recursos, por meio das práticas e comportamentos prescritos pelo templo religioso, que ajudem-no a lidar com as várias situações que se afiguram presentes ao longo da vida.
A confrontação com a realidade da morte (dos outros e de si mesmo), da doença, dos infortúnios de toda a sorte, tanto quanto aquelas vivências de indizível felicidade e gratidão, por meio da prática da caridade e do exercício voluntário da abnegação em favor do próximo e da própria comunidade religiosa, granjeiam no íntimo de cada adepto valores imperecíveis e marcantes, cuja meditação particular em torno destes, levará ao estado de compreensão das Leis da Vida, as quais cada um de nós encontra-se vinculado.
A adoção do hábito da oração, da reflexão e da meditação em torno da realidade de si mesmo, bem como das necessidades dos outros ao seu redor, ampliam o sentimento de compaixão, humildade e tolerância, por reconhecer as suas próprias limitações como ser, não impondo, por conseguinte, ao próximo, exigências de comportamento de quaisquer natureza, ao mesmo tempo sabendo manter-se firme em suas convicções íntimas, fazendo-se maduro emocionalmente, guardando uma correspondente postura Ética em seu labor diário na sociedade, na família, e dentro da comunidade religiosa.
As práticas religiosas são realizadas pela Humanidade desde os tempos mais primevos, preenchendo todas as culturas espalhadas pelo planeta com seus símbolos, valores e ritos. Como seres em processo de desenvolvimento espiritual, passamos por várias destas culturas, colhendo de cada uma as experiências necessárias para nosso aprimoramento e ascensão consciencial.
Ligados hoje à Umbanda, realizamos dentro de nosso contexto cultural-religioso, as práticas correspondentes a tal universo, por meio das quais buscamos reintegrarmo-nos à dimensão divina, restabelecendo nosso contato inicial de unificação da consciência com o Sagrado. Tal experiência preenche-nos psicológica e espiritualmente, colocando-nos em contato direto e dinâmico com a possibilidade da saúde e da cura: a autocura.
Ao integrar-se a um templo religioso umbandista detentor de um corpo de fundamentos e ritos bem estruturados, o adepto compreenderá a Umbanda como sendo um caminho espiritual a ser seguido (Jorge, 2008), abrindo-se para ele uma série de práticas dentro do rito que o façam entender que a doença não existe por si só, mas há o indivíduo doente. Assim, ao reconhecer o seu estado espiritual, o adepto poderá decidir-se por adotar práticas que o desvincule dos processos doentios, facultando-lhe restabelecer a conexão com seu estado de plenitude interior, ligando-o ao seu Orixá, por meio do entendimento de que sua conduta deverá ser a de buscar sempre o melhor para si, com maturidade e discernimento, evitando o sofrimento e contribuindo para o seu próprio aprimoramento.
As práticas ritualísticas na umbanda, portanto, são terapêuticas em si mesmas, endereçando-nos os caminhos da auto-cura e da conexão com a Divindade. Durante os trabalhos espirituais, isso ocorre durante vários momentos e em vários níveis. Vejamos:
Nas giras - as correntes de espíritos trabalhadores, manifestos por meio de seus médiuns descarregam energias negativas, desbloqueiam energias acumuladas nos centros de força do complexo orgânico das pessoas presentes nas giras e fornecem orientações espirituais.
Como disciplina a ser aprendida mediante a vivência dentro dos ritos realizados pelo templo - a utilização de posturas e movimentos corporais (danças) e respiração (antes e ao longo dos movimentos) que viabilizam o processo do transe e canalizam energias de caráter positivo a serem integradas no complexo orgânico/espiritual do médium.
Práticas a serem efetuadas dentro do rito, bem como de maneira particular - utilização de ervas (como banhos e defumações), de cantos, evocações e orações (pontos cantados), de oferendas com elementos naturais (flores, frutos, água, doces), de velas e incensos.
Todos estes instrumentos ritualísticos objetivam ser veiculadores de energias curativas e desvincular-nos de irradiações negativas, reestruturando nosso organismo, por meio da harmonização de suas estruturas sutis.
O saber espiritual contido nas lides umbandistas é grandioso e engrandece-nos a cada novo passo dado em direção ao esclarecimento e à compreensão de como cada prática ritualística, cada simbolo presente no templo, cada detalhe de uma gira é carregado de todo um complexo de significados e de uma memória coletiva.
Vemos então, a grandiosidade do conhecimento transmitido por nossos Orixás, intermediados pelas Correntes de Guias e Protetores, os quais acessam e integram a nossa consciência a porção de luz do entendimento, da gratidão e plenitude passíveis de vivenciadas ao nos relacionarmos com as irradiações positivas e curadoras desta egrégora da Umbanda, sabedores de que nossa experiência religiosa produzirá no íntimo de cada um de nós, os frutos do conforto, da segurança interior e serenidade da alma diante da Vida!
Saravá a todos!
Bibliografia Consultada:
Costa-Rosa, Abilio da (2008). Práticas de cura místico-religiosas, psicoterapia e subjetividade contemporânea (artigo científico)
Pereira, Daniela Martins (2008). Experiência religiosa da fé e desenvolvimento humano (artigo científico)
Filho, A.M.P.;Junior,A.L.S.(2008). Religião e Cura: Uma interpretação (artigo científico)
Jorge, Érica F.C.(2008). O embate entre medicina e múltiplas artes de cura no Brasil - A inovação da Umbanda frente a esses saberes (trabalho de conclusao de curso)
Jung, C.G (1978). Psicologia e Religião
Neto, Francisco Rivas (2003). Sacerdote, Mago e Médico: Cura e Autocura Umbandista
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