terça-feira, 22 de novembro de 2011

Saúde e Cura na Umbanda: Tratamento Espiritual


Por: Gregorio Lucio

A sociedade contemporânea possui, no tocante às terapêuticas médicas convencionais, seus paradigmas em torno das concepções advindas da biomedicina - por sua consequente expansão pelo mundo -, bem como pela evolução histórica do campo de saúde na maioria das sociedades (Giglio-Jacquemot, 2006).

Como consequência de seu processo histórico de evolução, a biomedicina passou a defrontar-se com realidades culturais diversas, as quais possuem em si também a proposta terapêutica de promover respostas aos estados de doença e aflição vividos pelo ser humano. Isso fez com que surgissem várias formas de ajustamento com sistemas terapêuticos não biomédicos (Giglio-Jacquemot, 2006).

Entram aí, as terapêuticas religiosas que visam o bem-estar da criatura humana, em sua dimensão biológica-psicológica e, consequentemente, espiritual. Trataremos a respeito da terapêutica umbandista.
Nas práticas umbandistas visamos interpretar a doença segundo uma "semiologia espiritual" (Mantovani, 2006), sem desconsiderar a ótica da medicina convencional, no entanto, utilizando-nos de elementos simbólicos pertinentes ao nosso universo religioso.

Dessa forma, a ótica umbandista enfoca o entendimento do processo doentio interessando-se pelos mecanismos que irão influenciar na dimensão espiritual do indivíduo, independentemente se a sua causa dá-se por questões de ordem "material" ou "espiritual".

Essa assertiva implica numa compreensão de que tanto a dimensão corpórea, quanto a dimensão espiritual estão interligadas numa relação profunda, cujos mecanismos de saúde-doença são indissociáveis, corroborando, por tanto, com a realidade do tratamento espiritual como sendo complementar à terapêutica médica convencional.

"Aspectos como fé, oração e ritual são elementos importantes para o trabalho dos curadores". (Andrade , 2005)

Os elementos do rito e das práticas espirituais efetuados no tratamento dentro do contexto umbandista, visam restabelecer o equilíbrio (homeostase) entre as energias do complexo orgânico (corpo físico) e as do ser espiritual nele encarnado (Espírito).

Cremos na realidade manifesta da Individualidade como sendo um complexo de energias que transitam em diferentes níveis dimensionais, as quais definem e delimitam-nos como seres existentes no tempo e no espaço, embora nossa origem (de procedência divina) esteja situada além do universo cognoscível.

Sendo assim, todos os recursos terapêuticos utilizados (passes, orações, banhos, benzimentos, defumações, etc), visam a reordenação das energias do Ser, uma vez que os estados doentios propiciam com que o indivíduo irradie de Si energias de caráter deletério, tornando-o "aberto" à absorção de cargas negativas que resultariam por agravar suas condições físicas ou psíquicas, até mesmo deixando-o ao alcance de entidades espirituais de caráter perturbador, comprometendo ainda mais sua existência.

Os elementos simbólicos e a linguagem ritual presentes no sistema de tratamento do doente ao longo das giras, trazem em si impregnadas as irradiações benéficas e salutares da natureza e do mundo espiritual, propiciando a integração destas no organismo e psiquismo do paciente, tornando-o suscetível à renovação e recuperação da saúde.

Lévi-Strauss, ao analisar o sistema terapêutico e de cura dentro de contextos religiosos similares aos experienciados na Umbanda, cunhou o termo eficácia simbólica  ao observar os resultados positivos das práticas de cura espiritual.

A eficácia simbólica (Lévi-Strauss, 1985) das práticas populares de saúde, traduziria-se no processo pelo qual o indivíduo-médium (curador) levaria o indivíduo-doente a significar seus estados de mal-estar, manipulando os elementos simbólico-religiosos presentes no rito. No caso do rito umbandista seriam os pontos riscados e cantados, alguidares, guias, defumações, ervas, banhos, etc. Tudo isso de maneira a fazer com que o estado doentio possa ser identificado dentro deste contexto específico  e a partir daí seja racionalizado, equacionando-o. Seria, enfim, um processo de transformação na percepção do indivíduo-doente a respeito daquilo que este entenderia como sendo "a doença", proporcionando uma passagem para um contexto de saúde, de ressignificação.

Se por um lado essa concepção do processo de adequação psicológica faculta a abertura do indivíduo a novos contextos de vivências que o possibilitarão  restabelecer suas condições de saúde, não podemos negar, como umbandistas, a realidade do mundo espiritual que atua sobre o ser ali encarnado, cercando-o de um campo protetor e curativo, que auxiliará no tratamento médico convenientemente adotado pelo paciente, facultando sua gradativa melhora e a compreensão das situações vivenciadas mediante a realidade da doença, fornecendo-lhe recursos criativos para lidar com tal evento.

Isso por que cremos, como espiritualistas que somos, que o Ser é o somatório de todas as suas experiências vividas ao longo de sua jornada como Espírito em transformação, cujos nossos passos nas sendas do passado trouxeram-nos consequências mais ou  menos felizes, gravando-se em nosso interior e tornando-se portas e janelas abertas para que neste presente pudéssemos contemplar nossas limitações e potencialidades de desenvolvimento, incidindo inclusive nas predisposições a determinadas doenças que trazemos em nosso código genético, as quais verificar-se-ão em nossa jornada atual a depender de nosso livre-arbítrio e de nossas necessidades de reajustamento.

Por último, lembraremos que nem sempre a cura da doença física ou psíquica é possível, pois que a cada indivíduo são dadas as circunstâncias que o situarão diante da oportunidade sempre renovada de voltar o olhar para seu mundo interior, perscrutando sua consciência em busca das causalidades de seu estado atual ou das possibilidades de ajuste e adaptação saudável frente à situação que se afigura real, indicando-lhe a iminência de sua própria desencarnação.

Lembremos que nunca nos furtaremos aos compromissos que nos couber arcarmos ao longo de nossas existências, pois que de outra forma, quando vinculados ao processo doentio como meio de expiação, estaríamos simplesmente saindo de uma doença para mais adiante cairmos em outra,  uma vez que as Leis Divinas são imutáveis e inamovíveis.

Entregando-nos ao contato terapêutico com os Guias de Luz, os quais "arriam" em nossas coroas durante as nossas giras, integraremos em  nosso patrimônio íntimo a compreensão cada vez maior da Lei Divina que regula nossos caminhos existenciais, com a qual aprenderemos a nos ajustar e entender que saúde e doença são estados que primordialmente surgem da maneira como a consciência do indivíduo relaciona-se com a realidade, indo além da presença ou não de sintomas físicos ou psíquicos que caracterizem-nos.

Assim, há aqueles que, mesmo dotados de um organismo perfeito e faculdades psíquicas normais, entregam-se ao desânimo, a preguiça e à apatia diante da Vida, doentes...Também aqueloutros existem, por sua vez, que a despeito de padecerem sofrimentos inomináveis por conta das limitações e dificuldades impostas por uma saúde orgânica debilitada, tornam-se verdadeiros mananciais de alegria, ânimo e esperança, contagiando a todos ao seu redor, detentores que são, espiritualmente, da saúde daquele que se ilumina por meio das situações provacionais.

   
Buscando o auxílio e o esclarecimento junto aos Mentores de Aruanda Maior, compreenderemos, então, a inteireza das Leis Kármicas que visam o reajuste do Indivíduo perante a Vida e amadureceremos o entendimento da máxima do Cristo, quando o Mestre nos promete o Alívio ao invés da Cura:

"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados e Eu vos aliviarei" (Mateus, 11-28:30).   


Saravá a todos!


Bibliografia Consultada:
Andrade, J.T (2010). Ritos terapêuticos entre rezadores no Grande Bom Jardim, em Fortaleza: persistência dos saberes comunitários em saúde (artigo científico).
Zangari, Wellington (2008). Consciência, Saúde e Psicologia Anomalística: o caso das interações anômalas de ação fisiológica à distância (artigo científico).
Giglio-Jacquemot, Armelle (2006). Médicos do Astral e Médicos da Terra. As relações da Umbanda com a Biomedicina (artigo científico, Revista Mediações).
Jorge, E.F.C. (2008). O embate entre Medicina e múltiplas artes de cura no Brasil - A inovação da Umbanda frente a esses saberes (trabalho de conclusão de curso).
Mantovani, Alexandre (2006). A construção social da cura em cultos umbandistas: estudo de caso em um terreiro de umbanda na cidade de Ribeirão Preto - SP (tese de mestrado).

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