sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A Demanda (Continuação)


Por: Gregorio Lucio

Temos aprendido, a respeito das ligações estabelecidas entre mentes situadas em níveis dimensionais diversos, que as afinidades de sentimentos e intenções são a chave para entendermos como os seres podem construir verdadeiras obras de beleza, alegria e sensibilidade, se vinculados aos ideais enobrecedores, tanto quanto, construir cadeias de sofrimento e paisagens horrendas, demonstrando seu estado íntimo de desolação e loucura. 

Conforme já dissemos alhures, o mundo astral é totalmente sensível às projeções mentais dos seres (encarnados ou desencarnados), cujas suas criações fixam-se em torno do campo de energia de seu criador  (ser pensante), a determinar-lhe o padrão de sua vibração astral, energia vital, condição psíquica e o campo de irradiação de sua aura, os quais costumam ser mui reduzidos quando o seu é um estado de degradação espiritual.


Entretanto, a junção de vários seres situados em uma mesma faixa de condições espirituais de caráter negativo, espalha no mundo astral as suas criações perturbadas, exteriorizando o morbo que exala de seus "hálitos mentais", plasmando regiões de intensa escuridão e desolação, onde milhões de espíritos encontram-se presos a dolorosos processos expiatórios, no campo da culpa e da revolta, expurgando por via do sofrimento todo o veneno psíquico do qual alimentaram-se durante sua última encarnação. 

Descrevemos brevemente algumas paragens do plano astral para chegarmos ao ponto de sequência do assunto tratado no post anterior, enfocando a Demanda, dentro da interpretação do universo simbólico e religioso da Umbanda.

Dissemos que as construções das egrégoras criadas no processo de elaboração da Demanda, são estabelecidas, como em qualquer rito mágico-espiritual, por meio da utilização de símbolos.

Os símbolos funcionam como expressão de aspectos duais da consciência (racionais e não-racionais), tornando-se catalizadores da energia psíquica irradiada do centro mental do operador do rito, assim como de todos quantos estejam participando do evento.

As entidades espirituais, atraídas ao meio no qual encontram-se os evocadores, possuem grande identificação com os propósitos daqueles que unem-se no ato petitório maléfico, e satisfazem sua ânsia pela reconstrução de um elo com as energias de um corpo vital, que não mais possuem, por meio da vampirização pelo contato psíquico que poderão usufruir daqueles que, inadvertidamente, solicitam-lhes o concurso para a "resolução de seus problemas", os quais estes entendem como existindo por conta da ação de outro que se lhes tenha ficado entre seu desejo mesquinho e o objeto ou realização almejada.

Interessante ponderarmos que, no campo processual da Demanda, quando esta verifica-se entre indivíduos, ocasiona-se, no mais das vezes, de conflitos existentes entre pessoas de relacionamento próximo, como sejam familiares em comum, sócios de empreitada profissional, ex-amantes, etc. Tal fato deve-se aos laços emocionais que ligam os seres de maneira muito estreita e que podem ser facilmente desvirtuados - e não destruídos - pela fragilidade psicológica de que muitos de nossa sociedade se vêem hoje afligidos.

A busca atormentada pela ascensão social, pela realização hedonista de aventuras amorosas, pela herança familiar (com a qual pensa-se poder lucrar, sem os maiores esforços próprios do trabalho digno), pela idéia infantil e egocêntrica de querer ver-se livre de outrem que possa afigurar-se como a projeção de uma ameaça ou um fardo existencial, leva indivíduos descuidados e inconsequentes a buscar ajuda em mãos de outros que também fazem-se inescrupulosos e irresponsáveis lidadores das forças espirituais, ocasionando compromissos graves mediante as Leis Divinas.

Como sabemos, na base das Demandas existem profundos estágios obsessivos (sendo estas uma variação complexa da obsessão) envolvendo os personagens/atores destes conflitos de ordem espiritual. De tal sorte que, não raro, muitos obsessores de hoje foram aqueles mesmos que um dia comungaram de uma vida conosco, na condição de parceria conjugal, ou de filhos, pais, amigos, os quais foram vitimados pelos nossos atos de violência, abandono, ingratidão, traição...

Vejamos então, serem as profundas vinculações emocionais os elementos de ligação entre as mentes em estado de perturbação (obsessor-obsediado). O amor de um passado, subvertido em ódio e revolta por parte da vitima, liga-se ao sentimento de culpa do então algoz, unindo-os pela Lei Kármica com vistas ao reajuste e ao perdão, que mais tarde logrará suceder-se.

"A demanda assume formas de desequilíbrio/obstáculos na vida das pessoas, que podem ser causadas por uma outra pessoa. Exemplo: 'Trabalho feito' (na quimbanda) para prejudicar a vida de alguém. Dentro de um discurso religioso, esse conflito se transfere para uma atuação espiritual. Quando a parte prejudicada procura ajuda, as entidades irão atuar através de uma prática ritual para que o equilíbrio retorne. Nesse sentido, as práticas umbandistas assumem um caráter de luta, de desafio nas resoluções desses obstáculos". (Sillos, 2001).

Assim, quando em conflito emocional por conta de dissenções ou desentendimentos de variadas naturezas, determinado indivíduo entrega-se aos pensamentos de ódio, revolta, culpa, entre outros, neste instante abre campo para que as cargas de energia negativa, manipuladas pelo criador do feitiço em conjunto com as entidades sombrias, estreitem-se com as irradiações de sua própria aura, baixando sua cintilação, afetando seu corpo de energia vital, e finalizando por descarregar-se em seu corpo físico, podendo até ocasionar somatizações, manifestando-as por processos de conversão psíquica (mudez, cegueira, surdez, imobilidade motora) ou infecciosos, alérgicos e até mesmo, em casos muito complexos, tumorais.

Atormentado pelos campos de energia negativa que o envolvem, o indivíduo busca auxílio em um terreiro de Umbanda, este levará consigo todo o conjunto de energias e entidades espirituais a envolverem-no, carecedores de uma intervenção externa para que possam, gradualmente, serem desvinculados.

As orações, os banhos, os passes, as defumações, as práticas ofertórias, criam a abertura mental e trazem o indivíduo para um campo de neutralidade daquelas energias que o estão envolvendo, para que sua mente possa desvincular-se do caráter de sofrimento assumido, ressignificando a realidade de si mesmo e do mundo que o cerca.

Isso porque as entidades manipuladoras do feitiço negativo operam à distância, criando contrapartes nas quais possam ser descarregados os entrechoques que enfrentam no contato com as egrégoras luminíferas do terreiro bem dirigido e firmado pelos Guias de Aruanda Maior, dificultando que sejam atraídas para o campo de energia do cazuá, para que possam ser interrompidas e reencaminhadas.

Agem dessa forma utilizando-se de espíritos sofredores, os quais jazem em profundo estágio de inconsciência nas zonas de escuridão, servindo como anteparos para a prática encantatória nefasta. Sabem, estes seres que atuam no mal,  interferir nos processos mentais de suas vitimas, quando as vejam em estado de perturbação ou desespero, para isso vinculando-as aos milhares de sofredores inconscientes do mundo espiritual, num mecanismo de reverberação mental, o qual torna-se cada vez mais intenso e repetitivo no campo perceptivo do indivíduo, verificando-se como recurso altamente desgastante a exaurir suas forças mentais e vitais.

Por isso é comum, observando relatos de pessoas que já viram-se atingidas por verdadeiras Demandas, que o envolvimento negativo no qual encontravam-se era de tal maneira extenuante e perturbador que não viam-se com  a mínima condição de emitir sequer uma palavra, um pensamento em direção a Deus, realizando uma prece que as poderia colocar a salvo do contato hipnotizante das criações mentais de caráter deletério.

Dessa forma, tal situação deverá interromper-se pela ação externa, de forças que estejam em condições de se chocarem com as egrégoras malsãs, dissipando-as no mundo astral.

Aí iniciam-se os embates entre as correntes espirituais do templo e as hostes negativas que buscam ampliar sua ação sobre a vítima, estabelecendo-se uma disputa em vários níveis dimensionais, incluindo aí o próprio embate entre o "médium curador" e o "feiticeiro negro" (permita-nos o leitor a utilização desta analogia simbólica para facilitar-lhe o entendimento), no qual medir-se-ão as forças mentais e espirituais de ambos, envolvidos que estejam por aqueles seres espirituais identificados como seus Protetores.

Os domínios do mundo psíquico passam a manifestar-se por meio de um conjunto de ritos e trabalhos de ordem espiritual que passarão a desenrolar-se, sejam aqueles envolvendo o "paciente", como aqueles realizados em secreto, por médium graduado na prática Umbandista.

Seu estado espiritual deverá estar em total sintonia com o de seus Mestres Espirituais para que possa suportar os níveis de influenciação que passará a experimentar, uma vez que as cargas de energia anteriormente direcionadas à vitima, serão transferidas para a sua coroa, para seu corpo, para o seu congá, para as suas firmezas, para as suas vestes até, de maneira que possam ser absorvidas e desintegradas.

Quando finalizam-se os períodos, mais ou menos longos, de assimilação e desintegração dos miasmas astrais, culmina-se na assimilação psíquica do médium do campo vibratório da entidade manipuladora que será inserida em sua faixa mediúnica, na qual passará a transitar com o propósito de receber um "choque" pelo contato que experimentará com a irradiação espiritual do medianeiro e sua energia vital: o chamado "choque anímico", conforme é descrito pelos irmãos kardecistas.

A intenção é a de restabelecer a este espírito a sua lucidez espiritual, devolvendo-lhe as feições de um ser humano, que um dia já foi, e integrando-o às correntes espirituais que passarão a deter-lhe a guarda, rumando para um novo caminho de cura e regeneração, cujo maior prêmio dá-se quando, no futuro, este mesmo ser, antes opositor, passará ao grau de trabalhador nas correntes espirituais do templo.

Por conta de tal cometimento ser de alta gravidade e exigir grande experiência e tarimba do médium nas lides das Leis de Umbanda, tais ocorrências, quando verdadeiras, dão-se, felizmente, com pouquíssima frequência, sendo seu atendimento e resolução destinados àqueles que detenham alto grau de iniciação, mormente os Pais ou Mães-de-Santo de nossa Umbanda de Luz.

Salientamos tal fato pois é necessária a compreensão de que são inúmeras as variações de condições espirituais, nas quais as pessoas de modo geral encontram-se, e somente um médium de Umbanda, com uma sintonia fina muito alinhada com os Guias regentes de sua coroa, pode ter acesso a tais níveis de contato com a realidade espiritual do outro.

Conforme já dissertamos em artigos anteriores, gostaríamos novamente de ressaltar que não é finalidade última da Umbanda combater magias negativas, sendo antes de tudo a de cultuar o Sagrado, entretanto, suas tradições e sistema de crenças, dotam-na de amplos recursos e elementos que possibilitam-na tratar de tais questões, valendo-se de suas representações simbólicas para restabelecer a ordem e o equilíbrio na existência do ser humano, quando as forças caóticas assomam fazendo-se parecer assustadoras.

Finalmente, esperamos ter contribuído um pouco mais na ampliação do conhecimento de nossos irmãos umbandistas em torno da questão da Demanda,  desejando neste momento que mãe Iemanjá, juntamente com todo o Povo do Mar, possa envolver-nos a todos com suas irradiações luminosas, limpando-nos e aos nossos lares, atraindo para si aqueles seres ainda inconscientes e desesperados que vagam no mundo espiritual, dando-lhes alívio e orientação.

Que nossa Mãe Iemanjá nos envolva com sua Luz e suas Bençãos!

Saravá a todos!

Bibliografia Consultada:
Chiesa, Gustavo Ruiz (2011). A Magia na Umbanda (artigo científico)
Sillos, Silvanira Lima (2001). A Demanda na Umbanda (artigo científico)
Mauss, Marcel (2003). Ensaio sobre a dádiva (artigo científico)
Mauss, Marcel; Hubert, Henri (2005). Sobre o sacrifício (artigo científico)
Lima, Bentto de (1997). Malungo - Decodificação da Umbanda
Malandrino, Brígida Carla (2006). Umbanda, mudanças e permanências: uma análise simbólica
Rivas Neto, Francisco (1996). Fundamentos Herméticos de Umbanda
(2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Matta e Silva, W.W. da (2010). Umbanda de Todos Nós
___________________ (2009). Umbanda e o Poder da Mediunidade
___________________ (2009). Segredos da Magia de Umbanda
___________________ (2009). Doutrina Secreta de Umbanda
Levi, Eliphas (1995). Dogma e Ritual de Alta Magia
Jung, C.G (1975). Psicologia e Religião


Nenhum comentário:

Postar um comentário