quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda: A Identificação do Supraconsciente e a Expressão Criativa



Por: Gregorio Lucio

"Podemos nos beneficiar e utilizar qualquer função ou elemento da psique, sempre que compreendamos sua natureza e propósito, e o coloquemos em sua justa relação com o Todo" (Assagioli, 2009).

O exercício regular e consciente do intercâmbio espiritual, no campo da prática religiosa mediunista de Umbanda, o qual agora passa a ser entendido por nós como um processo de comunhão mental, e portanto, dentro de um aspecto de vivência das nossas possibilidades subjetivas, em um contexto de compreensão mais abrangente daquilo que se entende e se discursa em torno do mediunismo - no que se refere ao contato com a espiritualidade e a ampliação das nossas condições emocionais saudáveis -.


Passamos, dessa forma, a discernir a faculdade mediúnica como sendo uma Ascese, por meio da qual nos é possível adentrarmos nos níveis mais amplos de nossa individualidade, atingindo uma vivência mental e, consequentemente, expandindo os recursos de nosso mundo interior, descobrindo-nos e identificando nossos potenciais e possibilidades de conquistas íntimas, bem como os meios mais saudáveis de lidarmos com nossas limitações pelas vias corretas, sem deixarmos nosso clima mental de paz e serenidade.


Pela experimentação, estudo e meditação em torno das experiências na relação de contato com o Sagrado, manifesto no universo simbólico-religioso das Leis de Umbanda, temos compreendido que, da mesma forma que os Hindus, Iogues, possuem a meditação como recurso para acessar e descobrir a mente e a dimensão profunda do ser humano, a Umbanda oferece-nos o Transe Mediunista como passagem para essa realidade espiritual que emana e se potencializa em nosso interior.

Dentro desse cadinho de experiências, o médium de Umbanda, conforme já tratamos em A Mística Mistérica de Umbanda, vai criando um Espaço Sagrado dentro de si, sendo a memória de seus contatos espirituais experimentados no suceder dos transes a que se fez sujeito, durante o tempo de prática religiosa.

Este Espaço Sagrado contido nos domínios de sua subjetividade, comporta em si parte de uma instância intrapsíquica denominada Supraconsciente (ou Superconsciente). Conforme nos diz Roberto Assagioli,"[...] o Superconsciente é a região na qual recebemos nossas intuições e aspirações superiores - artísticas, filosóficas ou científicas -, "imperativos" éticos e impulsos para a ação humanitária e heróica. É a fonte dos sentimentos superiores, tais como o amor altruísta, a genialidade e os estados de contemplação, iluminação e êxtase" (Tabone, 1988).

Segundo Pietro Ubaldi "se esta zona não-consciente [o Supraconsciente] é aquela que nos põe em comunicação com a realidade, na intuição, e com a Divindade, nos estadas místicos, é para horrorizar-se quando se ouve dizer que a graça de Deus se manifesta no homem através do subconsciente ou que o homem, para alcançá-la, se transfira ao subconsciente. Mas, a graça é fenômeno evolutivo, não involutivo, de superconsciência e não de subconsciência. A graça é uma elevação ao superconsciente; é através deste que ela se dirige ao homem, e a esse plano que o convida a transferir-se. Por aí se vê como quem não sabe superar a dimensão racional permanecerá impotente em face de tais concepções e tateará constantemente na treva".

Não devemos confundir o Supraconsciente com o Subconsciente (zona inconsciente que carrega os conteúdos próximos da consciência). Explica-nos Pietro Ubaldi: "[...]a psique humana é um organismo em contínuo crescimento (expansão) por descida na profundidade, mediante estratificações, das sínteses das experiências da vida, as quais gravitam para o interior. Essa assimilação contínua, operada em zona de livre arbítrio, se fixa no determinismo dos equilíbrios estabilizados na trajetória do destino. O subconsciente é precisamente a zona dos instintos formados, das idéias inatas, dos automatismos criados pela repetição habitual da vida"..."Se quiséssemos ser mais precisos, intentando reduzir a termos de espaço o que não é espacial, deveríamos dizer que das duas não-consciências, consideradas em relação com a consciência lúcida de superfície, a superconsciência se estende em profundidade, nas zonas interiores, avança para Deus e tende para a unificação com o todo, a que se chega pois, por introspecção. A subconsciência, ao contrário, estende-se em direção oposta, não sob, mas para o exterior da superfície, é filha das experiências do mundo exterior e nele é abandonada. O eu avança entre duas zonas igualmente não lúcidas, mas sua progressão é para o interior, sua evolução o afasta do subconsciente e o leva para o superconsciente. Valores opostos: o primeiro é um resíduo, o segundo, uma conquista; o primeiro é uma zona inferior, de que nos distanciamos, e uma escória que abandonamos; o segundo é uma zona superior, de que nos aproximamos, não contém os remanescentes da vida, ainda que no momento sejam necessários, mas o futuro da vida. A passagem do subconsciente ao superconsciente é uma expansão para o interior, se assim podemos expressar-nos, uma expansão em profundidade, em que o ser, aprofundando-se para o centro, se eleva aos planos mais altos que lhe são a aproximação. Nesse caminho, o eu é como um núcleo que se enriquece, dilatando por estratificações suas potencialidades, através das experiências da vida, que são exatamente o agente revelador daquele mistério íntimo em cuja profundeza está Deus (manifestação). Assim, esse mistério é continuamente exteriorizado naquele plano de consciência lúcida que, como se vê, e uma consciência de trabalho e de transição, em marcha do subconsciente ao superconsciente, cuja posição é portanto relativa, assaz diversa de indivíduo para indivíduo, segundo sua história e sua maturidade evolutiva" (Ubaldi, 1983).

Esquema Didático da Constituição do Self

1. O Inconsciente Inferior
2. O Inconsciente Médio
3. O Inconsciente Superior ou Supraconsciente (Superconsciente)
4. O Campo da Consciência
5. O Self Consciente ou "Eu"
6. O Self Superior
7. O Inconsciente Coletivo

Diagrama do Ovo (na Psicossíntese)
O Supraconsciente é manifestação própria do vir-a-ser, dentro do organismo psíquico, em cujo bojo estão contidos os receptáculos das irradiações e pensamentos provindos das esferas de Mais Alto e sobre cuja indução o homem desenvolve suas capacidades de transformação para melhor, introjetando e ampliando os princípios (ética, moral, intelecto, cognição, linguagem e afeto) que norteiam sua Ascensão Consciencial.

A prática mediunista consciente e a vivência do Sagrado, tem como objetivo, no que diz respeito aos efeitos  da vida religiosa e espiritual do médium de Umbanda, permitir que haja o acesso a este campo de construção interior , para que a produção medianímica  possa ganhar força emocional suficientemente capaz de impulsionar o seu experimentador ao caminho da libertação do seu próprio sofrimento e da auto-cura espiritual.

Com isso, queremos enfatizar que estamos tratando a questão do Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda como um processo que vai para além de um período mais ou menos definido em que o neófito vai aprender, pelo menos, a maneira como deverá se portar durante as giras (como dominar seu transe, o discurso ritual característico do terreiro, etc), assim como perante os irmãos de terreiro, a hierarquia da casa e os demais frequentadores.

Mais que isso, referimo-nos ao Desenvolvimento Mediúnico como um processo continuado e que implica, obrigatoriamente, na aquisição  de autoconsciência por parte do médium, de maneira que sua trajetória pelos caminhos da Umbanda seja coroada por conquistas plenificadoras e surtam efeitos saudáveis de mudança, melhoria e, principalmente, no desabrochar da maturidade deste, não só como médium, mas como ser humano.

"Há uma troca contínua, uma "osmose" entre a consciência e o inconsciente. Em um ponto que era superconsciente se torna consciente, permanece lá por um período mais longo ou mais curto, e depois retorna para o superconsciente. Eu gostaria de recordar a este respeito que "superconsciente", "inconsciente" e "consciente" são adjetivos, ou seja, condições temporárias do fato psíquico" (Assagioli, 2009).

"A entrada de consciência superconsciente pode ocorrer de duas formas: a primeira e mais comum que pode ser chamada "descendente", e consiste no surgimento de elementos supraconscientes dentro do campo da consciência na forma de intuições, inspirações súbitas ou iluminações. Muitas vezes, espontânea e inesperada, mas às vezes também pode atender a uma chamada ou invocação, tanto consciente e inconsciente. A segunda maneira poderia ser chamado de "ascendente" e acontece quando nosso centro da consciência é elevada a partir do Eu auto-consciente em níveis acima do normal, para chegar à área do supraconsciente." (Assagioli, 2009).

A região Supraconsciente (Superconsciente) é o campo de registros mediúnicos que carregam memórias  marcantes no contato com a Espiritualidade. Visões (clarividências), intuições (comprovadamente acertadas), comunicações (escritas ou faladas) com informações comprobatórias da autenticidade mediúnica. Todas estas ocorrências patentes ligam-se a esse canal por onde fluem os conteúdos recebidos pela Espiritualidade, Guias e Protetores, portadoras da energia emocional que promove alterações benéficas na maneira de entender a vida, pela convicção que produzem e, consequentemente, afetando o comportamento do médium.

"[...] o valor destas experiências [...], portanto, efetivamente ajudam a solucionar todos os problemas humanos, individuais ou sociais. Fazem-no enquadrando-os em uma realidade mais ampla, reduzindo-os a sua justa proporção, permitindo valorizá-los de forma distinta e muito mais justa. De tal modo que os problemas, ou já não nos preocupam mais e se evaporam, ou aparecem em uma luz superior, de modo que a solução é apresentada com clareza e concisão" (Assagioli, 2009).

A vivência dos conteúdos carreados ao Supraconsciente abre campo para que o médium de Umbanda, desenvolva Expressões Criativas para o seu existir.

Dentro da vida ritual, a manifestação simbólica pertinente à Expressão Criativa refere-se aos quadros e intuições que são interpretados e expressos nos pontos (riscados e cantados), captados pelo médium, tanto quanto  na confecção de guias, patuás, banhos, firmezas ou demais objetos rito-simbólicos manufaturados.

Indo além, trazendo a Expressão Criativa para as questões do existir, esta incorreria na estimulação de comportamentos emocionais salutares perante os desafios da existência, conservando sempre um clima de otimismo e confiança na vida, construído e alimentado por um sentimento de esperança, norteando o prosseguimento ante os embates do cotidiano e o cumprimento dos deveres a que todos somos chamados.

A manutenção de um clima psíquico de alegria e descontração, aliado a uma atitude de perseverança e resiliência, é fundamental para a superação das limitações a que todos estamos sujeitos, sem perder o sentido existencial. Encontrar formas criativas para a resolução ou, ao menos, o minimizar das agruras e problemas é a chave para a conservação da saúde e a garantia de encontrar-se sempre em sintonia com a Aruanda Maior, a benefício de si-mesmo e de todos aqueles que, mais que nós próprios, sofrem e necessitam de solidariedade e compaixão. Estas virtudes, nada mais são do que as bases da Caridade.

Por fim, a relação desse comportamento virtuoso e a Expressão Criativa se deve ao fato de que, o Desenvolvimento Mediúnico, consciente e bem estruturado, não prescinde do cultivo de valores ético-morais mais profundos, direcionando o médium para o aprendizado do Altruísmo, traduzindo-se como uma conquista vertical, ao mesmo tempo horizontal, pois ao aprofundar-se nas vivências interiores, amplia o seu campo de ligação com os Guias e Protetores (verticalmente), também adentrando na necessidade de compreender-se como elemento útil na sociedade e na família, devendo servir, dentro de suas possibilidades, com discernimento e sensatez, para a promoção e a edificação daqueles que lhe seguem os passos (horizontalmente), espalhando a luz do Orixá e colaborando para a construção de um mundo melhor.

Afinal, conforme Jesus Cristo já houvera dito "Porque não é boa a árvore a que dá maus frutos, nem má árvore a que dá bons frutos. Porquanto cada árvore é conhecida pelo seu fruto. Porque nem os homens colhem figos dos espinheiros, nem dos abrolhos vindimam uvas. O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem; e o homem mau, do mau tesouro tira o mal. Porque, do que está cheio o coração, disso é que fala a boca". (Lucas, VI: 43-45)

Eis o princípio evangélico pelo qual podemos avaliar e mensurar os efeitos e a utilidade da vivência religiosa em nossas vidas. Que cada um avalie por si mesmo esta questão, no silêncio interior, e reflita quais tem sido os frutos que tem colhido, ou não, do seu Desenvolvimento Mediúnico.


Saravá a todos!

Bibliografia Consultada:
Assagioli, Roberto (2009). O Supraconsciente
Tabone, Marcia (1988). A Psicologia Transpessoal
Ubaldi, Pietro (1983). Ascese Mística




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