terça-feira, 9 de dezembro de 2014

A Visão de um Adepto: Sobre o Movimento Umbandista


Por: Gregorio Lucio


Sim, este texto trata de um sentimento de indignação e preocupação.

Embora a Umbanda seja uma religião com pouco mais de um século de existência (pelo menos, oficialmente), o movimento umbandista tem muitíssimo ainda para amadurecer. Provas disso podem ser encontradas nos fóruns de discussão e grupos espalhados pela rede.

Aliás, quando das minhas incursões pelo meio espiritista, percebia que os fóruns e grupos tinham como objetivo (salvo raras exceções, como sempre) a disputa vaidosa e arrogante para ver quem tinha mais conhecimentos e argumentos para derrubar as ideias e elucubrações de outrem no que se referia a questões de reflexão para o campo doutrinário kardequiano.Ou então, a divulgação maçante, tola e sempre repetitiva de mensagens genéricas, correntes, etc.

Pelo visto, os Umbandistas também não escaparam dessa postura vazia, em seus grupos virtuais. E isso com acréscimo de elementos para pior se comparado com aqueles da ordem dos grupos kardecistas.

Vemos isso nos fóruns e grupos umbandistas. Perguntas sobre conceitos básicos de mediunidade ou da própria Umbanda. Dúvidas sobre como interpretar uma vela queimada (?????), exibição de guias (colares) colocados sobre o peito desnudo de cidadãos que se dizem médiuns de terreiro e que tiram selfies no quintal e nas salas de suas próprias casas. Venda de guias por encomenda. Oferta de consulta com entidades via WhatsApp e Skype. Cursos de Simpatia e Benzimentos pela internet (???).

Ou então, "no dia do orixá (ou do santo) tal, eu faço oferenda de que?". "Quem é do Santo (ou Orixá) tal"?. "Quem conhece a história do Guia fulano?". Falas sempre repetidas, como "O meu Guia isso"; "o meu orixá aquilo". O "meu", o meu, o meu... Ou seja, situações que evidenciam uma exibição narcisista e infantil que na verdade demonstra só o quanto se é leigo naquilo que se diz crer e seguir.

Fotos particulares do momento do Amací (que aliás, essa lá é hora de tirar foto?), da Coroação, do ponto que o Guia deu. Coisas que deveriam ficar guardadas na intimidade do médium e de seu terreiro e não expostas a pessoas que o indivíduo sequer conhece.

Pessoas de terreiros rivais se ofendendo. Comércios variados de camisetas, velas, banhos, roupas, despachos, jogo de búzios, tarot, etc.

E quando se trata de Exú e Pombagira, então...aí é uma festa. Foto de Pombagira andando de moto, falando no celular e tomando cidra barata. Exú servindo churrasco e abrindo lata de cerveja. Pessoas vestidas em trajes...digamos...esquisitos... Aliás, tem uns grupos que deveriam se chamar Grupo do Exú e da Pombagira e não "Grupo de Umbanda", porque 90% dos comentários, fotos e discussões são sobre eles, parecendo que só eles existem ou tem representatividade nesse universo religioso. Freud (e Lacan) explica.

Uma busca predominante por exterioridades, mágicas, fórmulas, orações e simpatias vazias. Apego a crendices e superficialidades circulares, que não tiram ninguém do lugar (interiormente).

Raros são aqueles que se dignam a colocar a discussão num nível mais maduro e decente, citando um fato histórico, uma atuação politizada de alguma casa umbandista, as iniciativas de algumas instituições ou lideranças, os grupos de estudos, a graduação em nível superior de Teologia Umbandista, as palestras, a defesa por alguma causa (religiosa ou social), os valores da religião, o real sentido da vivência religiosa, etc. Por breves momentos fico feliz, pois penso que nem tudo está perdido e que nosso meio não está dominado somente por sucatas e lixos que são despejados por pessoas vazias, supersticiosas, limitadas e ignorantes (na acepção literal do termo), que se dizem médiuns e iniciados e que muitas vezes nem uma mensagem em português minimamente compreensível conseguem escrever.

Mas logo a discussão é abafada por algum "manézinho" que já vem perguntar se deve acender vela pro Exú na encruzilhada, no cemitério ou na casa dele (!!!). Ou que a entidade fulana "pegou" ele(a) na rua e fez se machucar, se mutilou, fez ficar doente disso e daquilo. Ora, faça-me o favor.

Tudo isso para apontar que, como umbandistas, embora seja difícil admitir, ainda caminhamos numa "infância" espiritual muito grande. Embora existam profundas verdades e lições de inestimável valor espiritual por trás da manifestação de cada entidade, dos ritos e da tradição de cada templo, estas ainda permanecem veladas e ocultas aos olhos de muitos que ainda se demoram numa conduta irresponsável, distraída e vazia.

O que comprova isso é essa realidade vista nos ambientes virtuais. Lembro que parte destes que espalham esse monte de idéias, discussões, mensagens, imagens, crenças e princípios superficiais e esdrúxulos nos fóruns e grupos de discussão, são integrantes (pelo menos boa parte deles são) de muitas casas espalhadas por todo o país e que levam para esses lugares uma parte de seu reflexo espiritual como adeptos umbandistas.

Enquanto isso, nossas casas permanecem repetindo discursos genéricos sobre caridade, espiritualidade, mediunidade, os quais geralmente são emprestados de outras crenças, como o Kardecismo, a Igreja e o Candomblé. Ou inventamos e ensinamos doutrinas mágicas, fantasiosas e distantes da realidade existencial do homem, incoerentes com seu tempo histórico, social e psicológico (salvo raras exceções).

Vejo com preocupação e temeridade essas questões, pois, enquanto dure e predomine essa mentalidade tacanha, cheia de crendices. mantenedora da ignorância e da irresponsabilidade de seu corpo de adeptos, caminhamos seriamente para um ostracismo e uma possível paralisação espiritual ao longo do tempo. Corremos o risco de ficarmos relegados a condição medíocre de uma seita com ares circenses, tida como populada por ignorantes, doentes psiquiátricos e excêntricos de toda espécie.

Oremos uns pelos outros, conforme meus mais velhos me ensinam, para que não caiamos nessa roda de purgação pela nossa incúria e obscuridade espiritual.

Bom, mas dizem que o futuro a Deus pertence, não é?

Que Ele nos abençoe.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Amostra do Livro "Conto de Aruanda"


Por: Gregorio Lucio

Prezados,

Boa tarde!

Gostaria de compartilhar com vocês uma amostra de um projeto pessoal que venho realizando ao longo deste ano, assim como o fora o livro digital Umbanda de Nego Véio.

Trata-se de uma nova obra literária, espiritualista, chamada Conto de Aruanda, narrando passagens de uma menina de nome Clara, por algumas experiências em um vilarejo localizado no mundo espiritual, na Aruanda, para os umbandistas.

Essa obra ainda encontra-se ainda inacabada e com perspectiva de conclusão somente para início de 2015, porém, gostaria de deixar já aqui uma pequena amostra.

Espero que gostem.

https://drive.google.com/file/d/0BygBTBuzL--HckcwVGdLSEhFZGc/view?usp=sharing

domingo, 16 de novembro de 2014

Lançamento do Livro Umbanda de Nego Véio - Versão Digital


Prezados,

Boa noite!

Desejamos anunciar o lançamento da primeira edição do livro "Umbanda de Nego Véio - Compêndio de Estudos" constando os textos que foram elaborados entre julho de 2011 a janeiro de 2013.

O link abaixo possibilita o download gratuito desta obra em formato digital para todos o que estiverem interessados.

https://drive.google.com/open?id=0BygBTBuzL--HZTBwMU9Ha19SVEk&authuser=0

Esperamos que apreciem.

Atenciosamente,

Umbanda de Nego Véio

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A Visão de um Adepto: Quando a Experiência do Rito torna-se Vazia.


Por: Gregorio Lucio

A Umbanda é uma religião riquíssima em seu imaginário e em seu mundo simbólico. Ambos alimentam a ampla diversidade ritual que existe nas mais diversas tradições seguidas em cada cazuá.
 
É pela ritualidade que se cumpre o processo prático religioso na Umbanda. A ritualística é fundamental para a transmissão simbólica da energia psíquica mobilizada em seus trabalhos mágico-espirituais. Toda a experiência religiosa feita dentro dos círculos umbandistas centra-se nos ritos.

O ritualismo, entendido como um sistema litúrgico que contempla um conjunto de ritos, promove a sujeição do adepto à experimentação ritual e a introjeção dos significados dos símbolos que neles (nos ritos) congregam-se, com o objetivo de repetir ou reviver (pelo menos na tentativa de) uma experiência individual transcendente de comunhão com o Sagrado.

Contudo, muitas vezes o ritualismo pode tornar-se um veículo estéril para essa experimentação. Principalmente quando há um apego desproporcional ao zelo das normas contidas na tradição religiosa em prejuízo ao espírito de abertura para a figura humana do adepto religioso com a sua subjetividade.

Uma vivência em torno de ritos e símbolos que não acompanham o desenrolar da jornada humana no suceder do tempo social, histórico e psicológico compromete seu poder de mobilização de energia psíquica/anímica pois sofre um processo de esvaziamento de significados e deixa, aos poucos, de ser uma experiência atrativa para o espírito. Essa é uma reflexão sempre válida no ambiente religioso. O ritos, símbolos e crenças devem carregar um discurso e uma transmissão de sentidos que tenham conexão com a realidade interior das pessoas de hoje para que possa conservar seu poder de atração.

Isso porque o excesso de ritualismos e a ausência de símbolos suficientemente significativos acaba por sufocar a individualidade do adepto e não permitir o seu desenvolvimento interior, prendendo-o num círculo repetitivo de vivências superficiais e exteriores e com pouca penetração em seu universo íntimo, para promover significativas transformações. Os resultados possíveis, ao final, são os sentimentos individuais de cansaço, acomodação, alienação e vazio.

O valor de um símbolo religioso ou de um ponto de crença não pode ser de maior relevância do que a pessoa que o vivencia, assim como não deve ser maior do que a natureza do trabalho que esta desenvolve.

Devemos refletir sobre as práticas rituais e qual a sua real penetração e valor no processo de transformação e melhora individual dos seguidores da religião de Umbanda. Em que contribuem, se de fato contribuem e até que ponto contribuem para a sua transformação íntima?

Caso contrário, o zelo pela tradição e o apego ao simbolismo estéril pode fazer-nos cair em um farisaísmo moderno, repleto de normas, excesso de zelo pela tradição e pouca abertura para uma real conexão entre a vida religiosa do adepto e o seu mundo de relação diária. Ou, o que é pior: a distorção psicológica do adepto a respeito das relações entre a sua vivência religiosa e a vivência social diária, por achar que uma não tem ligação ou repercussão sobre a outra ("faço o que bem entender da minha vida, desde que eu 'cumpra as obrigações' dentro do meu terreiro").

E tudo isso por conta de uma experiência desconectada de um senso de realidade prática e pouco atraente ao mundo interior do adepto umbandista que deseja uma vivência mais profunda de valores e centrada em uma compreensão abrangente da vida humana.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

A Visão de um Adepto: A Ética do Filho-de-Santo


Por: Gregorio Lucio

Este texto trata de algumas reflexões particulares que tenho feito sobre a ética que deve existir na relação mestre-discípulo, pai/mãe-de-santo e filho-de-santo, dentro da religião Umbandista.

“Difícil não é ser mestre. Difícil é ser discípulo”. Porque "mestre"muitos acham que são ou podem ser.

O Sacerdote ou a Sacerdotisa dentro da religião de Umbanda (pai ou mãe-de-santo) detém as chaves e os conhecimentos fundamentais da raiz e da tradição umbandista que cada terreiro possui.

Como pessoas mais velhas dentro da tradição religiosa, que construíram o seu caminho antes de nós, o pai e a mãe-de-santo são reconhecidos como sendo capazes e capacitados para exercer sua função de líderes espirituais de uma comunidade de terreiro. Isso porque nosso pai/mãe-de-santo foram também filhos-de-santo daqueles que os precederam e passaram por um longo período de formação e aprendizado para estarem onde estão.

Na minha visão, quando uma pessoa escolhe uma casa de umbanda para frequentar, principalmente se na condição de médium, ela deve tomar essa decisão verificando se aquele templo dispõe de princípios de trabalho que se entendam como sendo ricos e coerentes com as expectativas que esta pessoa possui em sua busca espiritual. 

Com mais destaque, quando falamos daquele que será nosso pai/mãe espiritual. Devemos reconhecer essa pessoa como sendo portadora de valores ético-morais com os quais nos identificamos e como alguém de grande experiência na vivência umbandista, sendo ela quem irá guiar o discípulo pela estrada da iniciação, em cuja imagem e exemplo devemos nos inspirar.

Não quero dizer que tenhamos que cultuar, idolatrar e, muito menos, bajular a pessoa de nossa mãe/pai de santo. Tão pouco devemos procurar nela a imagem de um santo ou anjo perfeito e infalível, que está a nossa disposição para resolver todo e qualquer problema de nossas vidas, coisa que está muito distante da realidade de qualquer ser humano. Contudo, nosso mestre deve ser tido como alguém merecedor de grande estima e respeito de nossa parte.

Uma vez que escolhi aquela determinada pessoa para ser minha mãe-de-santo ou pai-de-santo, a ponto de dar a ela a minha coroa, a minha cabeça para ser “feita” e, consequentemente, comprometi-me com ela e com a minha comunidade de santo em ligações espirituais de profundidade, é porque reconheço-a como sendo plenamente capacitada para me guiar e orientar em minha vivência religiosa/espiritual dentro das Leis de Umbanda.

O filho-de-santo deve compreender que desrespeitar o seu Mestre Espiritual é desrespeitar o terreiro que frequenta, os Guias e Mentores da Casa e os irmãos-de-santo que lhe compartilham da vivência religiosa. Fazer piadas e debochar do Mestre demonstra uma personalidade infantil e ególatra, que se pretende ser auto-suficiente e substituir a figura do pai/mãe-de-santo pela sua própria. Mostrar despeito e desconsideração para com os ensinamentos e/ou advertências do líder religioso é achar-se melhor capacitado e mais experiente do que seu próprio mestre.

Na condição de filho-de-santo, gostaria também de colocar que essas situações são muito do gosto daqueles seres espirituais que habitam as trevas do mundo espiritual, os quais se valem destas aberturas que damos em nossos pensamentos mal conduzidos para insuflar essas atitudes infelizes, minando nossas resistências morais, provocando a dúvida e o desrespeito para com a Mãe ou o Pai-de-Santo, numa tentativa de desvirtuar e fazer falir as atividades benéficas e de auxílio que o templo religioso desenvolve.

Portanto, minha postura deve ser pautada em uma ética de respeito ao meu sacerdote/sacerdotisa. Suas palavras e ensinamentos devem ser sempre ouvidos em silêncio, mesmo que no momento não compreendidos, para serem posteriormente meditados pelo filho-de-santo para entender o sentido de suas lições. Caso determinadas colocações ou atitudes do babalorixá/yalorixá tenham causado dúvidas, discordâncias ou qualquer sentido de contrariedade para o filho-de-santo, este deve pedir uma conversa particular e direta com seu pai/mãe espiritual. Jamais colocar sua contrariedade como objeto de discussão pública dentro do terreiro. Porque muitas vezes, as razões que levaram o líder religioso a tomar determinadas posturas e medidas estão de acordo com a visão que este possui na sua condição de líder e de pessoa mais experiente, e que ainda escapa ao filho-de-santo uma compreensão integral a respeito, justamente por sua inexperiência. Sendo assim, na ética imposta ao filho-de-santo, jamais este deve fazer da figura, das atitudes e das palavras de seu pai/mãe-de-santo um motivo de piadas, de deboches e de despeito, denotando completo desrespeito para com seu líder religioso, assim como para com a comunidade que o rodeia.

Agora, cumprir obrigação para com a comunidade de santo não significa, somente, estar presente nas giras e nas datas festivas, uma vez que isso é algo que o filho-de-santo irá fazer dentro da sua disponibilidade de tempo dada pelo seu momento de vida e das atribuições de responsabilidades a que esteja vinculado ou de acordo com a regra de cada casa. Cumprir obrigações para com a comunidade de santo é ter uma postura respeitosa para com as regras disciplinares do templo, desde o vestuário recomendado até o comportamento ético que se exige do filho-de-santo dentro e fora do templo, para que sua casa, sua religião, os Guias Espirituais, e seu babalorixá/ialorixá sejam honrados pela sua conduta e seus exemplos.

O filho-de-santo deve procurar ter uma visão “horizontal” do seu templo religioso. Olhar ao redor e perceber que para além da sua contribuição pecuniária mensal, indispensável para o custeio mínimo das despesas do templo religioso, existem atividades necessárias para o bom andamento da casa e que demandam trabalhadores voluntários para a sua realização, podendo o filho-de-santo integrar-se as equipes de limpeza e organização da casa. Pois, quanto mais pessoas interessadas e dispostas a ajudar, menos sobra para um pequeno grupo de irmãos-de-terreiro que acabam ficando sobrecarregados, apesar de sua boa-vontade em ajudar sem enfado, nem reclamação.

Falando de irmãos-de-santo, a postura ética com respeito aos irmãos de terreiro. Irmão de santo ou de terreiro é, primeiro e antes de tudo, nosso parceiro de vivência espiritual e religiosa. Não deve ser visto como colega de bar. Naturalmente, o terreiro não deixa de ser um local próprio para uma experiência de cunho social e é completamente aceitável e saudável que as pessoas criem laços de amizade e de afeição umas pelas outras. Entretanto, isso não deve servir para que os irmãos-de-santo se vejam, dentro do ambiente do terreiro, como estando em um churrasco em casa familiar, na qual se vai falando todo o tipo de assunto, piadas, provocações, brincadeiras, etc. 

As conversações devem ser colocadas em um nível coerente ao lugar onde estão. E o terreiro é um templo religioso para onde vão pessoas buscando encontrar sentidos maiores para a sua vida, capazes de fazê-las suportar as provações pelas quais estão passando.

Da mesma maneira, olhar ao redor e perceber o público que busca a sua casa. Pessoas com problemas de saúde, com dificuldades no lar, desempregadas, vivendo dramas os mais variados e inimagináveis. Elas merecem um ambiente sereno e silencioso, onde podem orar e encontrar paz interior, contando com pessoas (filhos-de-santo) educadas, respeitosas e atenciosas? Ou merecem ver pessoas como se estivessem num clube social, em conversações despreocupadas, barulhentas, sobre coisas que nada tem a ver com o ambiente religioso onde estão?

Quem constrói um ambiente de paz ou de balburdia são os próprios filhos-de-santo da casa, uma vez que são os seus trabalhadores.

Assim, provocar situações que demonstrem desrespeito para com a pessoa do Líder Espiritual, seja fazendo piadas, debochando de suas advertências e lições, com pouco caso e despeito, desconsiderar o ambiente ao seu redor e entregar-se a condutas e conversas relaxadas em igual desrespeito para com os irmãos-de-terreiro e, principalmente, para com aqueles que buscam a sua casa de Umbanda em busca de amparo e consolo, é lançar sobre si mesmo o peso das Leis de Umbanda e, por mais que tais atitudes infelizes possam passar despercebidas ou mesmo serem fechadas ao conhecimento de seu Mestre Espiritual, jamais elas estarão desconhecidas dos Guias e Mentores do Templo, os quais tudo vêem e tudo sabem a respeito de cada um dos filhos-de-santo ligados à sua tradição.

Concluindo, quero enfatizar que é imprescindível uma postura ética e de estima para com a Mãe e o Pai-de-santo do terreiro. São eles os sustentáculos humanos dentro de cada tradição umbandista, são eles que detém as chaves da iniciação e a experiência construída antes de nós, capazes de nos ligar ao Sagrado e nos orientar na jornada espiritual dentro das Leis de Umbanda que escolhemos seguir, por vontade própria, os quais devemos honrar a todo momento, com nossa atitude de respeito, carinho e, acima de tudo, com nossos exemplos de retidão de conduta e melhoria como seres humanos dentro e fora do terreiro.

Fraternalmente.

domingo, 5 de janeiro de 2014

A Visão de um Adepto: O Templo Religioso como Ambiente Educativo


Por: Gregorio Lucio 

Toda instituição edificada sobre princípios éticos e morais, promovendo a transformação para melhor daqueles que formam a sua comunidade, torna-se, obrigatoriamente, em um Ambiente Educativo, Cultural e Filantrópico, no qual se é dada uma nova proposta e significação para a existência humana. 

Sendo assim, o conjunto de experiências e atividades que constituem o ensino religioso promovido dentro do Templo, formam o manancial de sentidos que cada frequentador deve encontrar para a sua própria jornada, nos diferentes momentos de sua existência. 

O templo religioso é uma verdadeira “escola de almas”

Ou seja, ele deve contribuir para a construção de novos hábitos, para a modificação de comportamentos arraigados, aprimorando o caráter de seu frequentador, fomentando a troca do “homem velho para o homem novo”, uma vez que é imprescindível a reforma interior no adepto para que este esteja integrado a um novo olhar e atitude perante a vida, os quais lhe serão possibilitados pela vivência religiosa. Assim, o templo precisa estar inserido de maneira atuante na dinâmica da vida de relação das pessoas de sua comunidade, produzindo uma vivência religiosa possível de ser integrada na realidade de mundo que circunda o seu frequentador. 

Quando o templo religioso não provoca essas modificações ou falha nesse quesito, não realizando um acompanhamento junto a seus frequentadores e, principalmente, junto aos seus trabalhadores, permitindo que essa atitude de pequenas ações pela melhora seja postergada indefinidamente, o efeito disso é a identificação igrejista da instituição religiosa de Umbanda. 

E o que isso quer dizer? Quer dizer que o frequentador passa a ver o templo somente como um ponto de expressão de seu sentimento religioso. Um lugar para onde vai, junto com outras pessoas, viver experiências que ele não percebe como tendo profunda participação no restante de sua vida diária. Muitas vezes até, essa vivência no templo pode tornar-se composta de intenções particularistas e momentos absolutamente egoístas, pois não há vínculos com sentidos mais amplos naquela experiência. 

Penso que os templos religiosos, mais especialmente aqueles pertencentes ao movimento umbandista, devem se preocupar em oferecer uma possibilidade de vivência interligada à vida cotidiana de seus adeptos. Porque me parece frustrante e descompensador frequentar-se uma “gira” e participar-se de um trabalho espiritual, os quais se repetem dia após dia, conforme ocorre dentro destes templos, e verificar que tais práticas possuem frágeis conexões com aquilo que vivo e experiencio na minha vida fora do ambiente religioso. Vê-se, atualmente, no dia-a-dia de muitos templos de Umbanda, práticas e discursos que encontram-se repletas de crenças mágicas e imaturas atribuições de expectativas sobre os Guias Espirituais, os Orixás, Deus... demonstrando pobres e incompletas relações com a realidade psicológica do ser humano. Quando muito, o que se vê em muitas casas são pálidas tentativas de se relacionar a vida e seus desafios com alguns poucos minutos de ensinamentos evangélicos ou ético-morais, de maneira geral, mas que não deixam de ser lições um tanto superficiais e até desconexas do cotidiano. 

O papel da Instituição Religiosa é, mais do que servir como um lócus cultural para a expressão do religioso, fornecer um conjunto de princípios norteadores para a vida. E essa função inerente ao templo religioso só pode ocorrer por meio da Educação. 

Curiosamente, quando falamos de Educação, observamos um preconceito latente no imaginário das pessoas. O de que a Educação é algo que só se aplica às atividades da infância e da juventude. Como se os ambientes e as atividades que são frequentados, predominantemente, por adultos não necessitassem da aplicação de princípios e métodos educativos. 

A palavra Educação (conforme já tratamos em outro texto) deriva de dois termos do latim “Educare” e “Educere”. Educare significa orientar, nutrir, decidir externamente, direcionando o indivíduo a se transferir, de um determinado ponto em que se encontra até outro ponto onde se deseja chegar. Educere, por sua vez, implica num movimento interior, fazendo surgir do intimo do indivíduo as potencialidades que estão dentro de si e que até então permaneciam desconhecidas.

Naturalmente, existem variações no método educacional de cada templo religioso, contudo, aqueles trabalhadores que constituem a direção da instituição e aqueloutros, incumbidos do ensino, da orientação aos neófitos e da organização das práticas da casa, devem ter esse olhar cuidadoso para observarem as expressões dos seus frequentadores e companheiros de atividades, nunca fatigando-se ao trabalho de corrigir e orientar qualquer manifestação de comportamento menos feliz ou inadequada, sempre com tranquilidade, brandura e educação, embora com austeridade.

Os trabalhadores devem adquirir consciência de seu papel dentro do ambiente religioso, de acordo com suas atribuições e, aqueles que compõem o corpo da direção e da organização da casa, devem também assumir a postura e a condição premente de educadores. Pois, a função do educador é despertar o impulso de auto-educação do educando. O processo de educação é sempre um processo de auto-educação. E, acima de tudo, que a atitude do ensino venha sempre acompanhada do exemplo. Não existe processo de ensino-aprendizagem sem a justa exemplificação prática. 

Porque se meu companheiro pronuncia uma palavra infeliz ou faz uma piada inadequada e eu dou risada junto com ele, ou frequento locais onde ele me vê compartilhando de seus mesmos hábitos, como vou poder corrigí-lo dentro do templo religioso? Aí é que surgem os recursos falidos da educação, como seja o grito, o gesto agressivo, a palavra que fere e que, muitas vezes, atinge também aqueles que nada tem a ver com o comportamento alheio.

Como diria o Espírito Bezerra de Menezes: “Ensinar, mas fazer; crer, mas estudar; aconselhar, mas exemplificar; reunir, mas alimentar”.

O adepto deve, então, encontrar no templo religioso um ambiente consolidado em princípios educativos, no qual lhe seja possibilitado avançar de um ponto a outro em suas questões existenciais e produzir modificações interiores, sinalizadas por momentos simbólicos. A passagem de um grau de iniciação a outro, por exemplo. A amplitude de sua participação em atividades específicas da casa. Por exemplo, existem Centros Espíritas e Templos de Umbanda, nos quais não é permitida a participação do trabalhador que traz determinados hábitos (se fumante, se se alcooliza, se alimenta-se mal) em trabalhos de saúde e cura. A depender do comportamento manifesto do adepto (aqui, dizendo mais especificamente em relação aos trabalhadores da casa) e de como esse empreende a sua modificação (ou não), o seu nível de acesso as atividades e atribuições dentro templo, ficam mais ou menos restritos. 

Sendo assim, a Educação no ambiente religioso é a aplicação de um processo sistêmico de inserção e desenvolvimento de uma série de habilidades e valores no campo psicológico de seus frequentadores, facultando mudanças positivas, tanto intelectuais, quanto emocionais e sociais. 

Se um um novo filho do terreiro chega à casa e identifica que o padrão de comportamento dominante das pessoas é o de se portar de maneira cordata, moderada, respeitosa, denotando hábitos saudáveis, naturalmente, este se sentirá impelido a proceder da mesma forma, mesmo que lhe faltem, naquele momento, conquistas mais profundas neste sentido. Seus hábitos ainda estão arraigados. Suas expressões grosseiras e impulsivas ainda estão consigo. Seus vícios ainda o inquietam. Mas, o ambiente não lhe permite expressá-los, contribuindo para que se veja induzido a ajustar-se a este novo meio, possivelmente, lapidando essas arestas e, gradualmente, abrindo-lhe espaço para novos hábitos, pensamentos e comportamentos. 

De outra maneira, caso seu atual nível de consciência ainda não o permita reconhecer o ambiente e comportar-se adequadamente, naturalmente o ambiente e a postura de seus irmãos de terreiro o neutralizarão em suas expressões, porque não encontrará identificação com a qual possa se alimentar, reforçando-se. Ou, caso não se sinta confortável e suficientemente resoluto em abraçar essa nova proposta, naturalmente, este indivíduo retrocederá, permanecendo como frequentador do templo, mas não vinculando-se a responsabilidades maiores, o que é compreensível.

Agora, se este filho de fé chega com a sua canga de hábitos, vícios, má formação em sua educação do lar, etc., e encontra um ambiente onde impera a indiferença e/ou a omissão daqueles que deveriam servir-lhe como educadores (ou mesmo quando há a boa intenção de orientar, mas sem a devida qualificação e métodos para isso), onde ele possa livremente se expressar e, ainda, contando com companheiros que reforcem esses seus desajustes, consequentemente, fica muito difícil (embora nunca impossível) que ela vá se melhorar, de maneira significativa, a curto e, muito menos, a longo prazo.

Existe um pensamento de Allan Kardec, que este utilizou para definir o “autêntico espírita” e que eu julgo oportuno apresentar: 

“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar as suas más inclinações” (Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo – cap. XVII) 

Gostaria de pedir licença ao nobre educador lionês (sim, Allan Kardec era professor e pedagogo) para ampliar essa frase e colocá-la ao alcance de todo e qualquer religioso sincero e verdadeiro, incluindo aí a nós, como umbandistas: 

“Reconhece-se o verdadeiro religioso pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar as suas más inclinações”. 

Isso porque esse deve ser o resultado positivo a ser alcançado por todo aquele que pratica uma religião, seja ela qual for. 

Particularmente, não me é concebível uma pessoa passar décadas num dado ambiente religioso e não se modificar de maneira profunda, permanecendo com os seus maus hábitos mais pueris e exteriores. Sempre que isso acontece, automaticamente evidencia-se um fracasso no processo educativo, mesmo considerando-se a possibilidade do livre-arbítrio de cada um. 

Cito Jesus, como o Educador Sublime, o qual nos mostra as mais sólidas regras de Educação. 

Vemos, em diversas passagens dos Evangelhos (Mateus, 12:32, 16:23, 23:27, 52:53; Lucas 3:7, 22:31-32, 17:3, 12:27-28; Marcos 9:19, 14:32-41 e outros) a disciplina e a austeridade de Jesus no trato para com seus discípulos e inquisidores. Isso nos serve como contraposição a visão romântica de que o ser “Iluminado”, na condição de mestre e orientador, é aquele que adota o perfil “bonzinho”, “melífluo” e que “finge que não está vendo” o que ocorre ao seu redor. Jesus agia com brandura e doçura para com os ignorantes, doentes e esfomeados, mas em contrapartida, tratava com severidade e exigência os seus discípulos (pois estes haviam optado por seguí-Lo e dar testemunho das obras dEle e, por isso, deveriam se portar de maneira coerente ao seu Mestre).  Não há um só momento em que, observando comentários e atitudes inadequadas de seus discípulos, Jesus prontamente não os tivesse corrigido e chamado a atenção.

A essência ética da Pedagogia de Jesus está contida no Amor. Mas não nesse amor revestido de romantismo piegas de novela, abobalhado. 

O amor de Jesus Cristo é verdadeiro e se expressa como uma postura exigente e que incita a modificação. 

Confessar amor a Jesus Cristo está íntima e obrigatoriamente ligado em assumir uma vinculação integral a uma proposta ética que lança o individuo a um novo patamar de vida nos seus aspectos individual e coletivo. Isso é muito diferente deste “Cristianismo adocicado” (como dizem alguns teólogos) que mistura frases do Evangelho, conceitos de auto-ajuda e de empreendedorismo norte-americano, conforme andamos vendo proliferar nos núcleos religiosos cristãos da nossa sociedade. 

Ligar-se a Jesus é ter visão crítica e ética da realidade de si mesmo e daqueles que o cercam, tal qual Ele houvera tido. 

Não é uma postura de acordos ou de trocas com o mundo, e muito menos com Deus, pela qual eu moldo minha religiosidade e minha espiritualidade de acordo com aquilo que me é conveniente, sem abrir-me ao esforço da modificação de meus hábitos arraigados e das minhas falhas morais. 

Olharmos a vida de Jesus, contida nos Evangelhos, é percebermos que nele há uma constante postura educativa, repertoriada por diferentes tipos de linguagens. Na Sua ética, não cabe a conivência com o erro e a mentira, conquanto sempre Ele tivera também as palavras, os ensinamentos e o convite para que cada um olhasse não só para as suas debilidades e as chagas morais que todos carregamos, mas também para os potenciais de evolução de que somos portadores, se, e somente se, optarmos por abandonar uns e abraçarmos outros. De outra forma, estaremos sempre em desacordo com a Educação do Cristo. 

Vícios e Virtudes não caminham para o mesmo lado, seguindo sempre sentidos opostos e que levam a consequências também opostas. 

Com Jesus, aprendemos que tolerar e compreender não é “fingir que não está vendo o erro”. Ser bom “não é deixar de corrigir e repreender”. 

Portanto, não se pode haver uma permissão, mesmo que tácita, dentro do templo religioso, para que expressões cristalizadas dos hábitos negativos que “cada um traz de casa” encontrem morada e se espalhem em um comportamento dominante de seus frequentadores. 

Essas situações, inclusive, concorrem para que haja a abertura para a entrada, no templo religioso, daqueles seres que habitam o mundo espiritual inferior e que não querem a melhora real e o beneficiamento profundo das pessoas, iludindo-as quanto a sua verdadeira condição interior. Promover o cultivo da ignorância e da acomodação, insuflar o desrespeito em forma de deboche para com o líder e as regras da casa, a conversação malsã, são maneiras que os adversários das sombras utilizam-se para promover o bloqueio espiritual daqueles que se deixam influenciar pelas suas sugestões, tentando estender o seu raio de ação sobre todos. 

Por isso é que a vivência no ambiente religioso deve servir justamente para que estas expressões possam ser objetivamente cerceadas (cortadas), dando a idéia clara para o frequentador, principalmente se for um trabalhador, de que aquela maneira de se portar, de falar e até mesmo de se vestir não são bem-vindas, pelo menos no ambiente interno à Instituição, cumprindo-lhe adequar-se

Mesmo não sendo possível e nem conveniente perquirir e exigir-se o comportamento do adepto em sua vida privada - no seu ambiente profissional ou no seu lar - resguardando-se à consciência de cada um a análise sincera para identificar se aquilo que expressa no ambiente religioso é coerente com o que manifesta em sua vida particular, é impostergável manter o ambiente interno do templo a salvo destas ervas daninhas, como as expressões desequilibradas, desrespeitosas, maledicentes, agressivas, viciosas, relaxadas, irresponsáveis e irrefletidas de qualquer natureza, que possam colocar em descrédito a instituição, colaborando para o afastamento daqueles mais sinceros e interessados, fragilizando - conforme o tempo em que perdurem - o senso moral de seus frequentadores e, além disso, maculando o nome da religião e a memória daqueles que tanto lutaram, durante anos a fio, para a consolidação daquela instituição e de seu trabalho de natureza superior. 

Para isso, é imprescindível uma atitude clara de austeridade e a comunicação constante, sem enfado e nem perturbação, da não conivência para com posturas inadequadas e situações que desvirtuem a proposta religiosa do templo. 

O Templo não é feito para os Guias, é feito para as pessoas. Os Benfeitores do Espaço vivem livres pelo Cosmo e não dependem de quatro paredes. Portanto, mais do que um mero ponto de convívio social. Mais do que um local onde se presta a chamada “Caridade”. O templo religioso deve ser colocado a um nível que seja capaz de dialogar com as aspirações humanas. Discutir a questão da morte, dos desafios da vida em família, da vida em sociedade, dos cuidados com a saúde, dos dramas interiores, do papel do umbandista no mundo, da ética religiosa, etc. Proporcionando assim que o seu frequentador tenha uma clara percepção psicológica de que a sua atividade religiosa possui conexão com a sua vida, num todo coerente, exigindo de si uma postura condizente dentro e fora do ambiente do terreiro. 

Saliento que o terreiro deve, necessariamente, servir como um local no qual o indivíduo encontre uma nova proposta de vida. Não deve servir, somente, como um lugar para cumprir meras formalidades da sua vida social-religiosa, mediante a sua presença física desvinculada da emocional e o descompromissado comparecimento a festejos e comemorações. 

Fraternalmente.