Por: Gregorio Lucio
Tenho o
costume de acompanhar os canais no Youtube, fóruns de discussão e
hangouts que tratam da Umbanda. São uma fonte interessante de
informações e possibilidades de troca e enriquecimento quando os
programas elaborados obedecem a um sistema simples de transmissão de
conhecimento, temáticas, idéias e possibilidades de vivência da Umbanda
diferentes daquelas que conheço.
Contudo, participei de
uma conversação (hangout) que me fez parar pra pensar e tratar da
questão da postura do Umbandista diante da sociedade, pois essa conversa
em video que assisti simboliza muito dos ditos adeptos da religião que
já tive oportunidade de conhecer (inclusive, hoje cedo, viajando de
metrô, tive oportunidade de ouvir a conversa de três pessoas, na qual um
deles, que se dizia umbandista, tentava também explicar as "coisas" da
religião para os amigos).
O apresentador do video, como
dizia anteriormente, embora a sua intenção louvável de abrir um canal
na internet e trazer "esclarecimentos" sobre a religião, assume uma
postura e expressão que reflete em muito a de vários indivíduos do nosso
meio. O assunto era "mistificação" (ou, marmotagem, como diz-se
popularmente). O apresentador, de roupa branca e guias no pescoço,
desfecha uma montanha de palavrões e xingamentos, tal como se estivesse
numa mesa de bar de quinta categoria, enquanto tentava dizer que aqueles
(os mistificadores/marmoteiros) denigrem a religião de Umbanda e
colaboram para a sua discriminação...
Pois bem, é
verdade. Mas, e a postura dele? Seu linguajar chulo, agressivo e
desrespeitoso? Qual a sua credibilidade para tecer críticas sobre os
outros?
Da mesma forma, o rapaz no metrô que estava
tentando explicar a religião e falar da "grande fé e confiança" que
tinha em sua religião, há momentos antes, dizia em alto e bom som os
maiores disparates contra seu chefe e alguns de seus colegas de trabalho
(que não estavam presentes ali), além da "cachaçada" que havia
participado no último fim de semana...
Bom, não sei
quanto ao leitor, mas eu vejo que ainda predomina um conceito em muitos
núcleos umbandistas de que "o que o indivíduo faz fora do terreiro não
importa" desde que "cumpra as obrigações para com o seu terreiro, os
seus Guias e Orixás". Sinceramente, eu discordo dessa visão.
Mais
do que nunca, nosso meio religioso precisa adentrar neste tempo
contemporâneo e trazer consigo valores mais amplos e que impliquem numa
aquisição de consciência ética por parte de seus adeptos.
Não
é mais admissível, numa época em que discutimos tanto a questão da
ética na política de nosso país; num momento em que tanto falamos e
cobramos valores que demonstrem nobreza de caráter e conduta moral sadia
por parte dos nossos representantes, que os umbandistas (naturalmente,
não são todos, é claro) apresentem-se na sociedade de maneira tão baixa,
distraída e irresponsável.
Fico imaginando as pessoas
que estavam ao redor daquele rapaz, meu "irmão de fé", hoje pela manhã
no metrô, assim como aqueles que ocasionalmente poderão vir a assistir
ao video de tamanha infelicidade de seu apresentador...Não me espanta o
fato de tantas pessoas rechaçarem uma aproximação com a Umbanda. Apesar
do preconceito histórico que existe em relação a cultura afro-indígena,
das quais a Umbanda é herdeira, é de se pensar se muito deste ranço
negativo, deste desprezo e destas ressalvas que muitos cultivam para com
nossa religião em parte também não são estimulados pelas posturas e
condutas que o próprio umbandista assume diante da sociedade.
Certa
vez, indiquei uma pessoa, por pedido da própria (pois não tenho costume
de ficar indicando terreiros para as pessoas), pois esta estava
passando por um problema sério em sua vida (conjunção de complicações
graves de saúde, com cirurgias recentes e tratamento para depressão,
morte de pessoa próxima na família, perda de propriedades familiares,
etc), a procurar um dos terreiros de Umbanda de meu conhecimento. A
pessoa foi ao local, participou de duas giras (2 trabalhos no espaço de 2
semanas), e não voltou mais. Após um tempo, quando reencontrei a
pessoa, perguntei-lhe se ela havia continuado a ir na casa, se estava
realizando o tratamento, etc (até então, desconhecia o ocorrido), ela
respondeu-me que havia comparecido aos trabalhos, que havia gostado da
casa, achado bonito, etc., mas que não gostaria de voltar porque havia
visto um grupo de médiuns da casa fumando despreocupadamente e fazendo
piadas na porta do terreiro.
De minha parte, eu
aquiesci com a escolha dela, baixei minha cabeça em sinal de respeito,
disse que compreendia sua decisão e o máximo que poderia fazer era pedir
desculpas por eles...
A
Umbanda precisa sair do seu reino encantado e murado que envolve os
terreiros e passar a ser a fonte de princípios e valores que
efetivamente estejam incorporados a vida de seus adeptos. Do que adianta
"incorporar" uma entidade espiritual se o indivíduo não é capaz de
incorporar em sua conduta regras básicas de boa educação e saúde? Do que
vale anos de preceito, obrigações, guias no pescoço, frequentar giras e
mais giras, tomar banhos disso e daquilo e mostrar-se na sociedade de
maneira tão relaxada e grosseira? Isso não é um comportamento aceitável,
embora a sua realidade, para uma pessoa que se diz religiosa.
A
religião, no seu sentido mais elementar, propõe justamente o rompimento
do indivíduo com o "mundo". Ou seja, a aquisição de uma crença
religiosa pede ao indivíduo um afastamento dos hábitos, determinados
círculos sociais (e até mesmo determinadas pessoas) que anteriormente
faziam parte de sua vida. É uma ruptura mesmo, na qual seja possível
abrir um campo psicológico para o distanciamento do "homem velho" e
surgimento do "homem novo" que iniciará sua jornada na vida religiosa.
Esse momento de ruptura com o mundo, de afastamento do passado para dar
campo e surgimento de comportamentos novos, mesmo que ainda
superficiais, ocorre por meio da conversão. A conversão é a mudança
qualitativa na consciência do indivíduo.
Agora, isso
parece não estar ocorrendo no íntimo de muitos de nossos irmãos.
Adota-se a crença na religião de Umbanda, assume-se compromissos,
realizam-se preceitos e mais preceitos... mas o indivíduo permanece de
mãos dadas com os comportamentos e hábitos psicológicos que sempre
carregou.
Será que não estamos conseguindo atingir o
"coração" das pessoas que se integram a cada dia em nossas fileiras,
entregando-as e a nós mesmos a uma estrada de fantasias? Será que não
estamos rumando para um farisaísmo moderno?
Não
trata-se de moralismo, nem de pieguismo. O fato da Umbanda ser uma
religião aberta e não dogmática, que não cerceia e não "doutrina" seus
adeptos, não significa que estes devam ver-se como se estivessem
completamente descompromissados ou desvinculados das noções básicas de
ética, moralidade e educação mínimas que uma pessoa que diz ter
compromissos religiosos e uma proposta de espiritualidade deve seguir,
independente do credo que espose.
Até quando
continuaremos a presenciar nossos irmãos de fé apresentando-se de
maneira tão mundana e até grotesca, empunhando copos de cerveja, maços
de cigarro, posando para fotos em porta de bares, com vocabulário chulo,
atitudes anti-éticas no ambiente de trabalho?
Há quem vá dizer: "Eu conheço pessoas de outras religiões que também se portam assim".
Eu
respondo: E isso é desculpa para que o umbandista se mantenha no mesmo
nível de conduta daqueles que erram? O erro do outro serve para balizar o
comportamento do umbandista? Porque todos saem pra beber, o umbandista
precisa sair junto? Ou, pior: o umbandista é quem vai organizar a
bebedeira?
Há, ainda, outro que pode dizer: "Mas a
religião não é para os doentes? Se a pessoa já fosse tão correta, para
que ela precisaria da religião?"
Eu devolvo: Sim, é
para os doentes. Mas é para o doente ser curado e não para se reforçar a
doença que ele tem ou fazer de conta que ela não existe. Ou seja, a
vivência religiosa deve ser uma porta de acesso ao mundo íntimo do
adepto, pela qual ele mesmo entre e possa se auto examinar. Mais que
isso. A vivência religiosa deve ser a base para que o adepto possa
construir uma consciência crítica sobre si mesmo e sobre o mundo que o
cerca, de maneira que possa avançar nas etapas de sua existência, como
sujeito maduro e equilibrado. Quando isso não se verifica, demonstra que
há falhas neste processo.
Penso num tempo em que não
terei mais que ouvir, como sempre ouço, tantas pessoas que após anos e
anos de busca e vivência dentro da Umbanda, em dado momento cansam-se,
"despertam" e convertem-se a outras religiões, aparecendo até mesmo em
programas de TV para dizer que "durante anos andou enganada", "servindo
ao Diabo", "estava iludido", etc. Ou, quando não terei mais que
responder a determinadas pessoas: "Pra que serve a Umbanda?".
Você,
irmão umbandista, que ainda sofre com a sombra "homem velho" dentro de
si. Embora a Umbanda não seja uma religião bíblica, gostaria de lhe
propor este exercício psicológico. Pergunte-se, o que você quer ser?
Quer ser Saulo, homem rude como muitos de sua época e cruel perseguidor
dos cristãos? Ou quer ser Paulo, o convertido na Estrada de Damasco e
propagador das ideias cristãs? Você está aqui, como Umbandista, para ser
"igual a todo mundo", um "cego guia de outros cegos" ou está aqui para,
como Umbandista, ser uma luz, uma referência e o portador de uma
mensagem de esperança para aqueles que estão perdidos?
Saravá!