terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A Visão de um Adepto: Conversão Religiosa e Conduta


Por: Gregorio Lucio

Tenho o costume de acompanhar os canais no Youtube, fóruns de discussão e hangouts que tratam da Umbanda. São uma fonte interessante de informações e possibilidades de troca e enriquecimento quando os programas elaborados obedecem a um sistema simples de transmissão de conhecimento, temáticas, idéias e possibilidades de vivência da Umbanda diferentes daquelas que conheço.

Contudo, participei de uma conversação (hangout) que me fez parar pra pensar e tratar da questão da postura do Umbandista diante da sociedade, pois essa conversa em video que assisti simboliza muito dos ditos adeptos da religião que já tive oportunidade de conhecer (inclusive, hoje cedo, viajando de metrô, tive oportunidade de ouvir a conversa de três pessoas, na qual um deles, que se dizia umbandista, tentava também explicar as "coisas" da religião para os amigos).

O apresentador do video, como dizia anteriormente, embora a sua intenção louvável de abrir um canal na internet e trazer "esclarecimentos" sobre a religião, assume uma postura e expressão que reflete em muito a de vários indivíduos do nosso meio. O assunto era "mistificação" (ou, marmotagem, como diz-se popularmente). O apresentador, de roupa branca e guias no pescoço, desfecha uma montanha de palavrões e xingamentos, tal como se estivesse numa mesa de bar de quinta categoria, enquanto tentava dizer que aqueles (os mistificadores/marmoteiros) denigrem a religião de Umbanda e colaboram para a sua discriminação...

Pois bem, é verdade. Mas, e a postura dele? Seu linguajar chulo, agressivo e desrespeitoso? Qual a sua credibilidade para tecer críticas sobre os outros?

Da mesma forma, o rapaz no metrô que estava tentando explicar a religião e falar da "grande fé e confiança" que tinha em sua religião, há momentos antes, dizia em alto e bom som os maiores disparates contra seu chefe e alguns de seus colegas de trabalho (que não estavam presentes ali), além da "cachaçada" que havia participado no último fim de semana...

Bom, não sei quanto ao leitor, mas eu vejo que ainda predomina um conceito em muitos núcleos umbandistas de que "o que o indivíduo faz fora do terreiro não importa" desde que "cumpra as obrigações para com o seu terreiro, os seus Guias e Orixás". Sinceramente, eu discordo dessa visão.

Mais do que nunca, nosso meio religioso precisa adentrar neste tempo contemporâneo e trazer consigo valores mais amplos e que impliquem numa aquisição de consciência ética por parte de seus adeptos.

Não é mais admissível, numa época em que discutimos tanto a questão da ética na política de nosso país; num momento em que tanto falamos e cobramos valores que demonstrem nobreza de caráter e conduta moral sadia por parte dos nossos representantes, que os umbandistas (naturalmente, não são todos, é claro) apresentem-se na sociedade de maneira tão baixa, distraída e irresponsável.

Fico imaginando as pessoas que estavam ao redor daquele rapaz, meu "irmão de fé", hoje pela manhã no metrô, assim como aqueles que ocasionalmente poderão vir a assistir ao video de tamanha infelicidade de seu apresentador...Não me espanta o fato de tantas pessoas rechaçarem uma aproximação com a Umbanda. Apesar do preconceito histórico que existe em relação a cultura afro-indígena, das quais a Umbanda é herdeira, é de se pensar se muito deste ranço negativo, deste desprezo e destas ressalvas que muitos cultivam para com nossa religião em parte também não são estimulados pelas posturas e condutas que o próprio umbandista assume diante da sociedade.

Certa vez, indiquei uma pessoa, por pedido da própria (pois não tenho costume de ficar indicando terreiros para as pessoas), pois esta estava passando por um problema sério em sua vida (conjunção de complicações graves de saúde, com cirurgias recentes e tratamento para depressão, morte de pessoa próxima na família, perda de propriedades familiares, etc), a procurar um dos terreiros de Umbanda de meu conhecimento. A pessoa foi ao local, participou de duas giras (2 trabalhos no espaço de 2 semanas), e não voltou mais. Após um tempo, quando reencontrei a pessoa, perguntei-lhe se ela havia continuado a ir na casa, se estava realizando o tratamento, etc (até então, desconhecia o ocorrido), ela respondeu-me que havia comparecido aos trabalhos, que havia gostado da casa, achado bonito, etc., mas que não gostaria de voltar porque havia visto um grupo de médiuns da casa fumando despreocupadamente e fazendo piadas na porta do terreiro.

De minha parte, eu aquiesci com a escolha dela, baixei minha cabeça em sinal de respeito, disse que compreendia sua decisão e o máximo que poderia fazer era pedir desculpas por eles...

A Umbanda precisa sair do seu reino encantado e murado que envolve os terreiros e passar a ser a fonte de princípios e valores que efetivamente estejam incorporados a vida de seus adeptos. Do que adianta "incorporar" uma entidade espiritual se o indivíduo não é capaz de incorporar em sua conduta regras básicas de boa educação e saúde? Do que vale anos de preceito, obrigações, guias no pescoço, frequentar giras e mais giras, tomar banhos disso e daquilo e mostrar-se na sociedade de maneira tão relaxada e grosseira? Isso não é um comportamento aceitável, embora a sua realidade, para uma pessoa que se diz religiosa.

A religião, no seu sentido mais elementar, propõe justamente o rompimento do indivíduo com o "mundo". Ou seja, a aquisição de uma crença religiosa pede ao indivíduo um afastamento dos hábitos, determinados círculos sociais (e até mesmo determinadas pessoas) que anteriormente faziam parte de sua vida. É uma ruptura mesmo, na qual seja possível abrir um campo psicológico para o distanciamento do "homem velho" e surgimento do "homem novo" que iniciará sua jornada na vida religiosa. Esse momento de ruptura com o mundo, de afastamento do passado para dar campo e surgimento de comportamentos novos, mesmo que ainda superficiais, ocorre por meio da conversão. A conversão é a mudança qualitativa na consciência do indivíduo.

Agora, isso parece não estar ocorrendo no íntimo de muitos de nossos irmãos. Adota-se a crença na religião de Umbanda, assume-se compromissos, realizam-se preceitos e mais preceitos... mas o indivíduo permanece de mãos dadas com os comportamentos e hábitos psicológicos que sempre carregou.

Será que não estamos conseguindo atingir o "coração" das pessoas que se integram a cada dia em nossas fileiras, entregando-as e a nós mesmos a uma estrada de fantasias? Será que não estamos rumando para um farisaísmo moderno?

Não trata-se de moralismo, nem de pieguismo. O fato da Umbanda ser uma religião aberta e não dogmática, que não cerceia e não "doutrina" seus adeptos, não significa que estes devam ver-se como se estivessem completamente descompromissados ou desvinculados das noções básicas de ética, moralidade e educação mínimas que uma pessoa que diz ter compromissos religiosos e uma proposta de espiritualidade deve seguir, independente do credo que espose.

Até quando continuaremos a presenciar nossos irmãos de fé apresentando-se de maneira tão mundana e até grotesca, empunhando copos de cerveja, maços de cigarro, posando para fotos em porta de bares, com vocabulário chulo, atitudes anti-éticas no ambiente de trabalho?

Há quem vá dizer: "Eu conheço pessoas de outras religiões que também se portam assim".

Eu respondo: E isso é desculpa para que o umbandista se mantenha no mesmo nível de conduta daqueles que erram? O erro do outro serve para balizar o comportamento do umbandista? Porque todos saem pra beber, o umbandista precisa sair junto? Ou, pior: o umbandista é quem vai organizar a bebedeira?

Há, ainda, outro que pode dizer: "Mas a religião não é para os doentes? Se a pessoa já fosse tão correta, para que ela precisaria da religião?"

Eu devolvo: Sim, é para os doentes. Mas é para o doente ser curado e não para se reforçar a doença que ele tem ou fazer de conta que ela não existe. Ou seja, a vivência religiosa deve ser uma porta de acesso ao mundo íntimo do adepto, pela qual ele mesmo entre e possa se auto examinar. Mais que isso. A vivência religiosa deve ser a base para que o adepto possa construir uma consciência crítica sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca, de maneira que possa avançar nas etapas de sua existência, como sujeito maduro e equilibrado. Quando isso não se verifica, demonstra que há falhas neste processo.

Penso num tempo em que não terei mais que ouvir, como sempre ouço, tantas pessoas que após anos e anos de busca e vivência dentro da Umbanda, em dado momento cansam-se, "despertam" e convertem-se a outras religiões, aparecendo até mesmo em programas de TV para dizer que "durante anos andou enganada", "servindo ao Diabo", "estava iludido", etc. Ou, quando não terei mais que responder a determinadas pessoas: "Pra que serve a Umbanda?".

Você, irmão umbandista, que ainda sofre com a sombra "homem velho" dentro de si. Embora a Umbanda não seja uma religião bíblica, gostaria de lhe propor este exercício psicológico. Pergunte-se, o que você quer ser? Quer ser Saulo, homem rude como muitos de sua época e cruel perseguidor dos cristãos? Ou quer ser Paulo, o convertido na Estrada de Damasco e propagador das ideias cristãs? Você está aqui, como Umbandista, para ser "igual a todo mundo", um "cego guia de outros cegos" ou está aqui para, como Umbandista, ser uma luz, uma referência e o portador de uma mensagem de esperança para aqueles que estão perdidos?

Saravá!

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