sábado, 28 de janeiro de 2012

A Demanda



Por: Gregorio Lucio


Dissertaremos a respeito de uma questão bastante controversa e presente no meio umbandista, qual seja a Demanda e seus mecanismos de ação, expressando-se nas relações culturais que permeiam o imaginário em torno deste aspecto da mística de Umbanda; os entrechoques verificados entre as egrégoras correspondentes ao templo e as cargas de força negativa; os embates ocorridos entre as correntes astrais do templo e aquelas provindas das sombras; bem como, o complexo simbólico no qual estabelecem-se os processos criadores dos campos de atuação das chamadas magias negativas e os mecanismos de defesa espiritual contemplados nos ritos umbandistas. A propósito, intentaremos abordar tal tema dividindo-o em dois artigos, sendo este que segue o primeiro, acompanhado de seu complementar, a ser publicado em data futura.

Compreender as redes de sentidos que demarcam o complexo psíquico umbandista e os discursos inerentes ao mundo interno da religião de Umbanda faz-se necessário para realizarmos um reconhecimento de quais são as estruturas de relação estabelecidas entre indivíduos pertencentes a este sistema de crenças, num aspecto social, tanto quanto de como estas expressam-se na própria subjetividade de seus adeptos.

O sinônimo de Demanda equivale a litígio, disputa, necessidade, pedido ou solução. Implica tal idéia, com isso, na transposição para a realidade existencial de uma significação para os embates com situações adversas, as mais variadas, as quais são passíveis de serem vivenciadas pelo homem na sociedade, como seja a miséria, a violência, a marginalização, a doença. Também englobando-se neste conjunto de adversidades, aquelas vivências que não podem ser explicadas de maneira totalmente racionalizada, entretanto, afigurando-se de grande ascendência sobre o indivíduo que as experimenta, tais como as perturbações entendidas como sendo de ordem espiritual, imiscuídas em sensações e pensamentos inquietantes, que se dão amiúde, na vida cotidiana. Enfim, toda a causa de sofrimento que se verifique de grande peso emocional para o ser humano, caracteriza-se como uma Demanda.

No entanto, gostaríamos de aprofundar estas reflexões em torno desta questão, a priori consideradas sob um prisma psicosocial, processando-as a partir de uma visão interna ao fenômeno religioso e à vivência espiritual experienciada nas Leis de Umbanda.

Segundo o conhecimento da mística umbandista, bem como das ciências ocultas, tudo é real, pois a realização da experiência plasma em níveis dimensionais as impressões geradas pela ação do Espírito sobre o plano astral, engendrando, inclusive, os contextos subjetivos que este trará ao mundo físico, em sua presente encarnação, como caracteres indicativos de suas necessidades de transformação e reajuste (a lei do karma).

Este mesmo mecanismo, verificando-se em uma escala ampliada, demonstrará como a coletividade de espíritos cria o mundo no qual encarnam, bem como seus níveis de inter-relação, a serem concebidos ao longo do processo do desenvolvimento da humanidade, pela formação de sociedades e culturas diversas.

Sendo assim, a humanidade constrói e reelabora, continuamente, todo um complexo simbólico que permeia, sob os matizes diversos das expressões culturais, as idealizações e concepções próprias do psiquismo de cada ser presente na sociedade, tanto nesta encarnada, quanto naquela desencarnada (mundo espiritual). O imaginário, criado a partir deste processo, servirá de elemento veiculador de uma infinidade de significados que poderão ser extraídos das simbologias presentes em uma dada sociedade, a colocar-se, então em contato com a possibilidade de ser interpretada segundo as referências inerentes a um dado sistema de pensamento,  seja ele filosófico, científico ou religioso.

Tal é o caso da Demanda.

O Mal é real e inerente à integralidade das Leis da Vida. Tratar de bondade, caridade, misericórdia e perdão, considerando tais virtudes como expressões do Bem, implica inevitavelmente no aceite, mesmo que tácito, da existência do Mal, o qual se faz possuidor de manifestações contrárias a estas já citadas.

Assim é que a mente humana gera de si os elementos de Luz e Sombras, a presentificarem-se na realidade existencial do homem, como reflexos de suas realizações felizes ou de seus transtornos interiores, sintonizando-o com as mais diversas formas e seres existentes no mundo espiritual, com as quais estreitará relações, primordialmente num nível inconsciente.

"O manuseio das forças cósmicas, psíquicas e físicas faz-se através da manipulação de símbolos" (Lima, 1997).

O Rito Mágico, no qual estão estabelecidas as formas de manuseio das energias espirituais e as intenções determinantes da destinação do trabalho a ser realizado (se boas ou más), opera segundo a manipulação de ordens simbólicas, efetivando impactar a realidade do plano físico e também astral, envolvendo seu objeto visado (pessoa ou coletividade) com as mentalizações de caráter benéfico ou maléfico. Evidentemente, quando tratamos do caso da Demanda, estaremos falando daquelas de caráter negativo.

Estaremos cientes de que tal prática incorre na junção de duas ou mais mentes que se associam, em mecanismo mórbido (no caso da Demanda, obviamente), com o objetivo de causar um mal, um prejuízo ou uma desestabilização, por determinado tempo, sobre a existência de outrem. Teremos aí, personagens em comum, identificados naquele que pede; o que lhe atende;  o(s) ser(es) espiritual que se torna o propagador destas intenções nefastas no mundo astral; a egrégora como mecanismo vivo que atrai e projeta-se sobre o que, ou quem, se é visado: pessoa(s) ou local.

A utilização e manipulação de simbolos fazem-se necessárias, pois estes interferem na estrutura psíquica do homem, em seu inconsciente, trazendo à tona uma série de significados carregados de energia psíquica pulsante, unindo aspectos racionais e não-racionais. O simbolo contém em si, portanto, uma totalidade de sentidos que comportam as instâncias conscientes e inconscientes do ser e, por isso, estão carregados de energia vital e existência no tempo e no espaço.


"Dissemos que a luz astral é o receptáculo das formas. Evocadas pela razão, estas formas se produzem com harmonia; evocadas pela loucura, elas vêm desordenadas e monstruosas; tal é o berço dos pesadelos de Santo Antonio e dos fantasmas do Sabbat" (Levi, 1995).

Imprimimos no mundo astral os reflexos dos nossos pensamentos e sentimentos, o qual assimila-os e transforma-se conforme estes padrões. A manipulação dos simbolos servirá ao mesmo tempo para projetar as mentalizações envolvidas no rito e para atrair a si as criações correspondentes no mundo astral, movimentando-se segundo a projeção do inconsciente, sobre seu objetivo.

"[...] na luz astral se conservam as imagens de pessoas e coisas. É também nesta luz que se podem evocar as formas daqueles que não estão mais neste mundo, e é por meio dela que se realizam os mistérios tão contestados como reais da necromancia" (Levi, 1995).

As mentalizações atraem para si os agentes (seres desencarnados) identificados com a intenção do operador, os quais servirão como amplificadores das egrégoras de caráter perturbador que se desdobrarão na dimensão extra-física, estabelecendo seu raio de influenciação em uma faixa que se coloca entre o mundo físico e o espiritual. Quantos estejam ligados às idealizações e pensamentos de caráter negativo,  corresponderão a este campo de ação dissonante, ampliando-se conforme a contribuição de cada qual que se situe sob a condição de sofrimento, ira, violência, etc.

Da mesma forma como geram-se as Egrégoras (ver: As Egrégoras) dentro dos Templos de Luz, também são construídas aquelas que servirão como concentradoras da energia psíquica de tais locais sintonizados com o desejo e o sentimento do Mal. Em tais núcleos - existentes tanto em nosso plano quanto na dimensão astral -, onde a escuridão encontra ressonância no interior de seus acólitos, a sintonia com seres em escala negativa aprofunda-se cada vez mais, encarcerando-os nas teias da culpa e da aflição, porquanto a deliberação do mal incorre na imediata necessidade de reajuste.

"José Guilherme Magnani (1991:59) define demanda como uma desavença interpessoal que se transfere, por meio de oferendas, a determinadas entidades espirituais, que passam a atuar como intermediários e atores do conflito" (Sillos, 2001).

O processo da Demanda implica na entrega à dimensão astral das energias psíquicas que estruturam e sustentam o tentame do mal. Os seres desencarnados, consorciados no desejo de provocar o desajuste, tornam-se os executores das emissões do Mal, lançando-se nas sombras e fixando-se em realizar seu intento.

Quando a utilização da Demanda visa atingir um núcleo religioso (no nosso caso, o terreiro de Umbanda), seus construidores irão movimentar a egrégora negativa em direção ao campo de energia próprio do templo. A intenção será a de atingir a coroa do dirigente do terreiro, o qual está situado (diante das Leis de Iniciação na Umbanda) como o ponto de ligação central entre o domínio do complexo simbólico de sua tradição e as interações entre as correntes mediúnica e astral do templo.

Agir no caos, desestabilizando o sacerdote do templo, provocaria a desestruturação da egrégora (irradiação, campo estrutural, etc) pertencentes a este, permitindo a entrada violenta dos agentes de perturbação na faixa mediúnica de toda a corrente de médiuns da casa.

Entretanto, esquece-se aquele que intenta a Demanda, que é da Lei que o Mal pelo Bem seja atraído para que justamente possa ser internalizado em suas irradiações salutares e nele possa ser dissipado.

São várias as egrégoras negativas atraídas aos templos de luz ao longo da execução de suas giras, para justamente serem interiorizadas ao seu campo de ação e influência, e possam, dentro das correntes luminíferas afirmadas ao longo do rito, ser desmanchadas e dissolvidas. Incluem-se aí, aquelas tantas formadas pela inconsciência dos seres que alimentam o mal, pelo uso inadequado e vicioso que fazem das palavras, do comportamento, da própria saúde, do dinheiro, da sexualidade, etc.

Pelo que foi explicitado, entenderemos que o Bem assimila o Mal, no entanto, nunca o revida (gerando a contra-demanda), antes sim, o reelabora e devolve ao mundo astral a ordenação primordial de harmonia e equilíbrio.

"Na magia [...] tudo é imagem, cor, ritmo, sonoridade, movimento. A abstração [...] é lhe estranha" (Bouisson apud Lima, 1997).

A composição de nossos trabalhos espirituais, fundamentados em concepções do Bem e do Belo, da alegria e da fraternidade, faz com que nossas giras expressem-se em cantos, danças e orações de grande beleza, nas quais aurimos das Egrégoras de Luz,  os campos de proteção contra a carga negativa, a qual porventura tenha sido atraída ao cazuá, com vistas a ser desintegrada.

O resultado da prática umbandista, centrada em ritos que contenham em si profundas ligações com uma tradição estabelecida pelos Mentores do Bem, cujos seus simbolos possam ser projetados no plano espiritual e comunicados ao mundo psíquico/emocional daqueles que se permitam penetrar por sua irradiação, trará a cada um o equilíbrio e a sustentação adequada para que se conserve em saúde, serenidade e paz, conforme necessidade particular.

Atingimos, pelo transe, a dimensão astral, na qual estabeleceremos contato com os Guias e Protetores de nossa Aruanda Maior, de onde provém nosso sustento psíquico e espiritual.

O contato com os numes de Aruanda nos eleva o padrão mental, vindo daí a cobertura que recebemos de nossos Caboclos, Pretos-Velhos, Baianos, Crianças...colocando-nos fora do campo de influência do seres negativos, os quais também são atraídos ao templo com fins de serem levados a um estado de despertar da lucidez que os fará ligarem-se, novamente, com as Luzes Divinas dos Orixás, que norteiam o caminho dos Espíritos na dimensão extra-física.

A mensagem de Amor e Caridade que possamos espalhar àqueles que recorrem aos nossos trabalhos, torna-nos sempre divulgadores do Bem que deveremos distribuir pela Terra, fazendo-o, principalmente, incorporar-se em nossas próprias vidas e colocando-nos, conscientemente, como exemplo de tais virtudes, em busca de uma vida feliz, sem nenhuma pretensão de santidade ou messianismo.

Tendo braços estendidos com amor, responsabilidade e discernimento, faremo-nos faróis para muitos seres errantes na escuridão, contribuindo, dentro de nossas possibilidades, para a recuperação daqueles que sofrem e são utilizados como veículos do mal, pelas mentes endurecidas do mundo físico e espiritual, as quais ainda são aguardadas pela Luz que um dia as colherá, para dar-lhes alívio.

Saravá a todos!

Para saber mais:






Bibliografia Consultada:
Chiesa, Gustavo Ruiz (2011). A Magia na Umbanda (artigo científico)
Sillos, Silvanira Lima (2001). A Demanda na Umbanda (artigo científico)
Mauss, Marcel (2003). Ensaio sobre a dádiva (artigo científico)
Mauss, Marcel; Hubert, Henri (2005). Sobre o sacrifício (artigo científico)
Lima, Bentto de (1997). Malungo - Decodificação da Umbanda
Malandrino, Brígida Carla (2006). Umbanda, mudanças e permanências: uma análise simbólica
Rivas Neto, Francisco (1996). Fundamentos Herméticos de Umbanda
                                     (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Matta e Silva, W.W. da (2010). Umbanda de Todos Nós
___________________ (2009). Umbanda e o Poder da Mediunidade
___________________ (2009). Segredos da Magia de Umbanda
___________________ (2009). Doutrina Secreta de Umbanda
Levi, Eliphas (1995). Dogma e Ritual de Alta Magia
Jung, C.G (1975). Psicologia e Religião




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