Por: Gregorio Lucio
Na Umbanda, entendemos a Divindade e a experiência do Sagrado como estando indissociáveis do mundo no qual vivemos e nos movimentamos, não havendo uma cisão entre a realidade espiritual e a realidade dita como material. A isso relacionamos o conceito de imanência. Portanto, a realidade espiritual e divina está no mundo "material", no qual manifesta-se por diversas formas.
No entanto, essa mesma imanência não se contrapõe à transcendência, pois ao mesmo tempo em que os planos espiritual/divino permeiam a materialidade do mundo, estes compõem uma Realidade reguladora e mantenedora deste mesmo mundo "físico", cuja sua existência dá-se somente por ser a contraparte manifesta destas realidades mais profundas.
Desta forma, a utilização da magia dentro da religião, conforme faz-se notar na Umbanda, constitui o recurso pelo qual buscamos integrar, na realidade existencial do mundo "material", o transcendente ao imanente, viabilizando que estes aspectos sejam assimilados e experienciados pela consciência de seu adepto, implicando no conhecimento gradativo da dimensão espiritual, por conta do contato com seus conteúdos psíquicos inconscientes que emergem a consciência, facultando serem reelaborados, bem como pela relação com mentes extra-físicas (desencarnadas) que irá experienciar, proporcionando-lhe possibilidades de ampliar suas perspectivas e compreensões a respeito das questões existenciais, próprias ao homem religioso.
As práticas mágicas na Umbanda revelam-se de diversas maneiras, como por exemplo, pela utilização de bebidas, de tabaco, da defumação, do banho de ervas, do ponto riscado, das danças rituais, de elementos litúrgicos vários e, de maneira mais conhecida "exteriormente", pelas oferendas que são entregues ao congá ou em determinados locais do ambiente social (praias, matas, cachoeiras, cemitérios, entre outros).
A magia, dentro da religião de Umbanda, irá caracterizar-se por dois vértices que lhe dão razão de ser, ao mesmo tempo em que estão relacionados diretamente com aspectos interligados, embora aparentemente distintos, da realidade existencial, como sejam, o antropocêntrico e o cosmológico.
Seu vértice antropocêntrico vincula-se ao cuidado de questões da necessidade humana cotidiana, geralmente as mais básicas e fundamentais, as quais exigem um tratamento e resolução dentro do momento presente, do aqui e agora.
Seu vértice cosmológico é o de relacionar o indivíduo com a Divindade, problematizando a relação homem-Deus e expressando-se por ato reflexivo e interiorizado do indivíduo, o qual projeta a simbologia própria e constituinte do imaginário de nossa tradição religiosa, exercendo uma rememoração de como concebemos nossa relação com o Sagrado e como este está manifesto na realidade material.
Pelos princípios da Alta Magia de Umbanda, concebemos que há, para tudo o que existe no mundo fenomenológico (mundo material), uma contraparte etérica situada no Astral, a qual pode ser influenciada e transformada com o objetivo de promovermos a aproximação e a interligação do transcendente ao imanente (energias espirituais movimentam-se e fundem-se com elementos corpóreos), integrando-os no campo de nossa consciência, proporcionando que tenhamos experiências de contemplação do Sagrado, da realidade Espiritual.
Segundo a concepção de que existe uma essencialidade extra-física para tudo o que há no mundo corpóreo, temos que a matéria apresenta-se no mundo sob estados característicos, os quais são manifestações de suas contrapartes localizadas nas dimensões etérica/astral. Vejamos:
Estados da Matéria: Sólido - Líquido - Gasoso
Estados Etéricos da Matéria: Éter Químico - Éter Refletor - Éter Luminoso - Éter Vital
Embora nossos sentidos físicos captem somente os primeiros 3 estados da matéria, suas contrapartes etéricas coexistem como estruturas sutis destes.
Quanto maior a frequência vibratória, mais sutis estas estruturas irão se tornar, passando a relacionar-se com outras dimensões extra-físicas, como sejam: dimensão etérica, astral, espiritual, divina.
Conforme explicado em artigo anterior (ver: Simbolismo, Magia e Subjetividade...), a mente humana é quem promoverá a coordenação da movimentação de forças que irão ser desencadeadas no processo do trabalho mágico-espiritual, sendo, portanto, por esta assimilados os resultados de seu ato petitório.
Essa explicação cabe sempre ser reforçada, pois devemos compreender que a mente está situada na dimensão superior e mais sutil, a qual subordinará as demais estruturas presentes nos elementos corpóreos e etéricos, vinculando a estes as irradiações provindas de seus pensamentos e emoções, implicando na movimentação de suas estruturas, as quais ocasionarão impactos sobre as dimensões astral/etérica, cujas energias desencadeadas serão projetadas sobre o objetivo visado.
Esquematicamente temos:
Mente (emite Pensamentos e Emoções) / (que se projetam em) => Elementos materiais (que potencializados, dinamizam) => Éteres (os quais impactam no plano astral, desencadeando energias) => Ação Astro/Etérica => Objetivo Visado.
Em decorrência deste mecanismo, cabe esclarecer também a respeito às Leis de Sintonia, as quais determinarão o encadeamento das partes supracitadas, bem como o alcance sobre o objetivo visado. Assim, todas as partes desta cadeia deverão estar correlacionadas, identificadas, para que haja sintonia entre ambas, e as evocatórias transitem entre esta corrente.
Portanto, ao efetuar um ato magístico visando o bem-estar de uma pessoa necessitada, caso não saibamos coordenar esse processo, ou mesmo, caso a pessoa a quem se pretende auxiliar não estiver sintonizada (por meio de seu comportamento interior e desejo sincero de melhora, por exemplo), não se irá efetivar o processo de Sintonia, tornando os resultados aquém do esperado.
Ainda dentro das Leis de Sintonia, consideraremos uma de suas faces, a Lei de Afinidade, segundo a qual cada intenção enunciada pelos pensamentos emitidos por cada um de nós, situa-nos na condição espiritual em que transitamos, consciencialmente, como Espíritos (pelo menos momentâneamente). Essa condição é que define-nos em nosso estágio de "evolução espiritual" em relação às demais mentes (encarnadas ou desencarnadas) com as quais estabelecemos relações.
Dessa forma, a intenção desencadeadora do processo magístico, colocará aquele que opera o ato em sintonia com entidades espirituais, cujas suas graduações e alcance espiritual estarão em razão da afinidade que guardarão com o que se pede. Desta forma, que ninguém espere contar com um Nume Celestial quando seu desejo e aspiração ao realizar um trabalho mágico/espiritual é o de atrair o mal sobre o próximo, angariar condições financeiras ou sociais para as quais não se possua méritos, etc.
Somente os bons pensamentos e a conduta reta diante da Vida pode proporcionar-nos o contato e a simpatia com as Entidades Espirituais em condições de nos auxiliarem e esclarecerem-nos para o Bem.
Por último, concluiremos tratando do processo de Reverberação, como decorrência da atuação magística.
Todas as práticas espirituais realizadas na Umbanda, essencialmente mágicas, propiciam o contato do adepto com seus conteúdos inconscientes, como se tornassem abertos os portões para esta dimensão subjetiva do ser humano, para a qual "mergulhamos" no ato do transe e das realizações de ordem ritualística.
Dessa forma, entendemos que há no íntimo de cada um de nós, assim como em tudo que nos cerca, uma realidade supra-racional, a qual define-se como estando além da razão finita de cada ser, no entanto plena de vida e ordenadora do que vivenciamos como sendo este mundo de relação, no qual estagiamos temporariamente.
Sendo assim, as práticas mágicas imitam, em escala menor, o processo da Cosmogênese, a qual cremos ter sido gerada pela ação do(s) Orixá(s) sobre a matéria, manifestando-a e concentrando-a em um ponto único, desencadeando o Big-Bang, do qual resultou nosso universo, suas galáxias e nosso planeta. Vemos então, a ação da Mente como instrumento da Consciência Cósmica (Orixá) na escala Universal, acionando os processos que transmutam e dinamizam os elementos materiais e sutis, repercutindo no tempo e no espaço, os quais surgem a partir daí, ocasionando a concepção do(s) universo(s) existente(s).
Como dito, em escala menor, a prática mágica irá seguir essa mesma ordenação, na qual a mente humana (encarnada ou desencarnada) desencadeará o entrelaçamento das energias nos diversos planos citados (material, etérico, astral, mental), reverberando no Cosmo.
Isso mesmo, os atos mágicos transcendem os limites do espaço, reverberando-se no Cosmo, enquanto dure a sustentação dada pela(s) mente(s) que auto-influenciam-se e projetam-se sobre os elementos corpóreos utilizados na consecução do trabalho mágico (seja uma guia, uma pemba, um ponto riscado, um patuá, uma fita, uma oferenda ritual, uma imagem, etc).
Da mesma forma que nós, ainda na condição de Espíritos desencarnados, mesmo que de maneira inconsciente, engendramos os corpos físicos dos quais nos servimos na atual encarnação, cujas estruturas mantêm-se pelos "mapas" morfológicos pré-estruturais que trouxemos conosco, gravados em nossos corpos espirituais, sustentamos tudo ao nosso redor pela ação de nossa mente.
Percebamos que na prática mágica as barreiras entre o concreto e o imaterial rompem-se, restando na base do fenômeno as condições mentais que irão se colocar em ação para influenciarmos e sermos influenciados pelas forças sutis e inteligências variadas que permeiam e povoam os planos extra-físicos. Tal efeito liga-nos a mecanismos profundos de compensação e equilíbrio de forças, tornando-nos doadores e receptores de energias de diversas gradações, as quais irão influenciar nossa saúde emocional, física e mental.
Portanto, a opção pelo Bem é sempre a que irá nos proporcionar integrar em nosso patrimônio íntimo, tudo o quanto haja de pleno, felicitador e gratificante, assim como também para aqueles que comungam de nosso trabalho espiritual (como consulentes, filhos-de-santo, irmãos de corrente); conquanto a investida no Mal irá acarretar, invariavelmente, consequencias desastrosas nas vidas comprometidas em tal ato, seja daquele que pede o Mal, daquele que executa-o, daquele que lhe sirva de "médium", tanto quanto para aqueles que compartilham do ambiente (filhos-de-santo, irmãos de corrente), no qual tais práticas se fazem predominar.
Saibamos então de nosso compromisso perante a Vida, sob a tutela de nossos Guias e Protetores, os quais influenciam-nos, voltando-nos para o Bem e para a Luz do esclarecimento e da ação enobrecida pelo ideal de sermos melhores a cada dia e para todo o sempre.
Saravá a todos!
Bibliografia Consultada:
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Silva, Vagner Gonçalves da (2005). Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira
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