segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A Mística Mistérica da Umbanda - Parte I



Por: Gregorio Lucio

Concebemos este humilde texto inspirados nos escritos do eminente Prof. José Jorge de Carvalho, grande estudioso da Religiosidade Afro-Brasileira.

A Mística Mistérica Grega traduz-se por um Discurso Sagrado (Hierós Lógos Cultual), acompanhado de práticas rituais (erga) que conduzem a um conhecimento (gnosis), obtidos numa contemplação (théa), tendo como objeto o divino ou Deus (theion, théos).

Expusemos acima a conceituação da Mística Mistérica Grega, para relacioná-la com as práticas umbandistas, nas quais percebemos e identificamos a sua própria Mística Mistérica cujo seu desenvolvimento e alcance trataremos neste momento, embora sem a pretensão de esgotar o assunto.

Utilizando-nos de uma expressão cunhada pela tradição da Umbanda Esotérica, diremos que a Umbanda é a "Senhora da Luz Velada".


Essa definição a respeito da Umbanda, segundo nosso entendimento, traduz com profundidade uma verdade marcante a respeito dessa rica forma de religiosidade, constituída de  múltiplas simbologias amalgamadas de culturas diversas (africana, indígena, catolicismo popular e kardecismo), as quais guardam em si uma grandiosidade espiritual e alta sabedoria em sua forma de interpretar e relacionar-se com o mundo espiritual.


Mística refere-se ao estudo e compreensão das coisas espirituais e divinas, sendo expressa na cultura religiosa umbandista pelas práticas rituais e pelos fenômenos espirituais, os quais viabilizam o acesso do adepto a dimensões da Vida, indo além do que o simbolismo, a gestualidade, a palavra "falada" ou "cantada" podem expressar num primeiro momento, sendo estes, antes de tudo, veiculadores dos processos rituais para a obtenção final da contemplação e conhecimento do Sagrado.

Há uma complexidade inerente ao estudo e entendimento da mística umbandista, pois suas concepções de mundo, seu relacionamento e interpretação da realidade espiritual, bem como a vivência da religiosidade dentro da religião de Umbanda, constituem-se muitas vezes de produções anônimas, de caráter coletivo, e transmitidas in loco aos indivíduos ligados a cada templo durante os ritos, bem como suas elaborações ou reelaborações também são dinamicamente produzidas pelo estado alterado (ou superior) de consciência, pelo qual uma entidade espiritual transmite através de seu médium à coletividade uma série de práticas rituais, pontos cantados ou riscados, "modos de fazer" ou "normas de conduta", as quais irão se integrar ao contexto religioso da Umbanda.

Dessa forma, a Mística Mistérica Umbandista irá transpor suas diversas práticas e alcances de natureza teológica e filosófica para o espaço e o veículo de manifestação da religiosidade peculiar a esta, como sejam o terreiro de Umbanda e o corpo/psiquismo de seu adepto (médium). Ou seja, é no templo religioso que o adepto vivência em si mesmo a sua experiência mística, consumada no contato com o seu Orixá e o mundo espiritual, representados pelos seus Guias e Protetores.

A Divindade, segundo a Mística de Umbanda, está presente e totalmente interligada ao mundo fenomenológico, e a dialética entre imanência e transcendência (ver: Simbolismo, Magia e Subjet...) pode ser referenciada pela própria concepção original dos Orixás (Orisha), o quais são "gerados", segundo o imaginário cultural dos povos iorubás, de elementos da Terra (identificando-se com as pedreiras, cachoeiras, matas, mares, rios, etc), não sendo provindos de um espaço fora do campo de vida e vivência do homem.

Os Orixás identificam-se na Terra, em seus espaços sagrados, estando estes localizados inclusive no próprio corpo e no psiquismo do homem, portanto manifestam no mundo imanente a sua transcendência.

O contato com a coroa (o Ori, nos cultos africanos, simbolizando o centro da consciência física e espiritual no homem) realizado em todas as tradições umbandistas, é a prática mística na qual o indivíduo une o universo imanente (manifesto no corpo) com a sua própria transcendência, a qual será finalizada no entrelaçamento de sua própria energia com a de seu Orixá, representado pelo seu "guia-de-frente".

O adepto deve, portanto, preparar sua mente, através das práticas ritualísticas e espirituais vividas e aprendidas no terreiro, para que possa estreitar sua ligação com o princípio espiritual irradiado pelo seu Orixá, o qual permeará a entrada e a integração no psiquismo do adepto/médium de todas as outras irradiações divinas dos demais Orixás.


Fazendo uma transposição para a Mística Mistérica de Umbanda, diríamos que o Discurso Sagrado (a concepção de Divindade, dos Orixás e do mundo espiritual dentro das tradição de cada templo), é acompanhado de práticas rituais (danças, roupas, gestos, pontos cantados, riscados, calendários litúrgicos de festividades, ritos de preparação, de coroação, orações, rezas, oferendas, etc), as quais conduzem a um conhecimento (compreensão dos mecanismos e das relações próprias ao mundo espiritual, das Leis da Magia, das Leis Divinas, do desenvolvimento Ético e Moral, etc), obtido numa contemplação (experiência de contato com a dimensão espiritual, por meio do transe de caráter mediúnico ou não), tendo como objeto o Divino (o entendimento e o aprofundamento da ligação do adepto com seus Orixás).


A fim de contribuirmos com mais alguns exemplos a respeito  da questão da Mística Mistérica dentro das tradições umbandistas, nos valeremos de uma referência cultual própria e ainda seguida por alguns poucos templos das tradições da Umbanda Branca ou Umbanda Cristã, as quais receberam grande influência do Catolicismo Popular e do Kardecismo dentro de suas práticas, interpretação do universo espiritual e simbologias rituais. Citaremos, assim, a presença dos Simirombas e sua forma de culto particular realizada dentro do rito.


Simiromba é a palavra pela qual passou-se a designar aqueles espíritos que apresentavam-se como Padres, Freiras, Irmão de Caridade, etc, dentro das práticas místicas e espirituais, seja nas sessões de Umbanda, seja no Catimbó. Essa palavra foi "aberta" ao ritual de Umbanda e sua origem muito provavelmente deu-se pelo Catimbó nordestino, o qual é muito mais antigo que a própria Umbanda, embora hoje tenha sofrido grande processo de "umbandização" em suas práticas.


A etimologia da palavra Simiromba deriva do Sânscrito (língua-mãe do latim, do grego, de vários idiomas hindús, tibetanos, do lituano, entre outras línguas) e significa "Labor Espiritual", "Trabalho Espiritual" ou "Sustentação Espiritual". Há também uma segunda tradução para essa palavra, a qual seria designada como "homem puro". Traduz a realidade do trabalho destes Espíritos Sublimes ao longo dos ritos, a qual é a de justamente sustentar o ambiente espiritual do templo valendo-se das práticas próprias do catolicismo popular.

Em outras palavras, Simiromba é ao mesmo tempo o termo pelo qual identifica-se uma ou mais entidades espirituais ("homem puro"), as quais formam uma Irmandade no plano espiritual, e a simbologia que resguarda a prática do culto da oração e das rezas, utilizadas por esses mesmos espíritos, como instrumentos da contemplação do Sagrado e auxílio ao próximo, segundo suas propostas de evangelização enquanto encarnados na Terra ("sustentação espiritual").

Francisco de Assis é o grande ícone desta corrente espiritual (dos Simirombas), com a qual as tradições citadas (Umbanda Branca/Umbanda Cristã) relacionam-se de maneira profunda, estando ainda presentes sob sua "irradiação" outros grandes Simirombas, como sejam: Santo Agostinho, Santa Teresa D'Avila, São João da Cruz, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, etc.

Essas Entidades Espirituais, no entanto, segundo a mística presente nos templos que estabelecem cultos a esta corrente, não manifestam-se diretamente pela "incorporação", pois estes trabalham junto a corrente mediúnica do templo somente pela via da irradiação intuitiva, sendo estabelecida a ligação mental com estas mesmas entidades, dentro da prática espiritual, por meio dos Terços, Trezenas, bem como do Rosário, os quais ocorrem no início dos trabalhos ou ainda em dias específicos para a realização destas práticas ou como formas de culto particulares, recomendadas inclusive aos médiuns destes mesmos templos e aos seus consulentes, aos quais aconselha-se realizarem-nas dentro de seus lares, como hábito da vida cotidiana.

Efetuando então uma transição entre o simbolismo manifesto (o nome Simiromba para designar Francisco de Assis, por exemplo) e a mística que vela a realidade espiritual contida nesta palavra, entenderemos que é por meio do rosário, das trezenas e dos terços que os adeptos destas tradições umbandistas poderão identificar-se com essas correntes espirituais, servindo-se destas práticas do catolicismo popular para alcançar o estado contemplativo e atingir a sintonia com a faixa espiritual a que estes espíritos estão vinculados, os quais tornaram-se grandes conhecedores da Vida e do uso das orações e das rezas como elos mágicos para criarem as irradiações que serão destinadas ao auxílio de espíritos encarnados e desencarnados.

Servindo-nos de mais dois simples exemplos, podemos citar as palavras Jurema, as Águas e suas respectivas místicas.

Tratando do Catimbó, Jurema é uma árvore (tida como Sagrada neste culto de origem nordestina), assim como é também a bebida feita utilizando-se partes desta mesma árvore de Jurema. Jurema, ao mesmo tempo, designa a própria cerimônia religiosa do Catimbó.

Jurema pode ainda identificar uma Entidade Espiritual, a qual manifesta-se no transe dos adeptos das tradições umbandistas (e também das demais religiões afro-brasileiras de maneira geral). Também pode ser toda uma Falange de espíritos que manifestam-se carregando consigo este nome simbólico, bem como toda uma Linha de caboclas de Oxossi (por exemplo). Ao mesmo tempo em que é Uma, também torna-se várias entidades.

Jurema também pode designar o local de culto e oração, como a mesa de jurema do Catimbó ou mesmo o Congá da Umbanda.

Jurema também representa o mundo espiritual ou plano espiritual, de onde provêm e para onde retornam os espíritos de luz manifestados como Caboclos e Caboclas. Jurema também representa as próprias matas.

Aliás, Jurema não restringe-se a uma identificação feminina, pois existem espíritos de índios e caboclos que são Juremeiros.

Existe ainda a interpretação simbólica desta mística, a qual identifica a Jurema como sendo relacionada tanto às matas (como já dito) quanto às Águas.


Na Umbanda, os espíritos que manifestam-se pelo transe mediúnico estão ligados a elementos da natureza, de maneira geral ou específica, de acordo com suas ordens e filiações de ordem espiritual. Desta forma, temos o "Povo das Águas", no qual incluem-se Espírítos de Caboclas, Marinheiros, Mestres, entre outros.


Durante o transe e a "gira" destas entidades, a simbologia das Águas é utilizada de diversas maneiras, partindo dos pontos cantados, os quais trazem no texto musical a referência a esse elemento natural, até mesmo à utilização da própria Água durante os trabalhos espirituais (copos ou garrafas com água dispostos no Congá, a utilização de banhos e chás de ervas).

As Águas também guardam ligação com os aspectos emocionais do ser humano, assim identificam aqueles adeptos filiados aos Orixás identificados com este elemento (Oxum, Iemanjá, etc) como sendo pessoas emotivas, de flutuações de humor acentuadas, etc. Da mesma forma, também seriam as Águas os princípios de ordem espiritual que simbolizariam a pureza e a força arrebatadora do espírito iluminado, o qual "limpa" e "descarrega" as trevas nas zonas espirituais de sofrimento, etc.

Concluímos esta relação mística-simbólica dentro da pratica cultual umbandista para, lembrando-nos do conceito citado no início, compreendermos a "Senhora da Luz Velada" - a Umbanda e sua Mística Mistérica - em sua grande riqueza simbólica que permeia e resguarda significados culturais, psicológicos e espirituais de grande profundidade, os quais abrem-se ao seu adepto ao longo do tempo de sua vivência e frequência aos ritos, bem como de seu contato contínuo com os Guias e Protetores, facultando aprofundar-se na tradição de seu templo, ampliando sua consciência espiritual a respeito da realidade da prática rito-litúrgica, enxergando além da simbologia exterior expressa nos "dias de trabalho" e identificando aspectos de maior alcance espiritual, os quais são trazidos pelos Guias e fixados no tempo e no espaço, pela prática ritualística, por meio do simbolismo.

Saravá a todos!


Bibliografia Consultada:

Carvalho, José Jorge de (1998). A Tradição Mística Afro-Brasileira (artigo científico)
Graminha, Maria Rachel; Bairrão, J.F.M.H. (2009). Torrentes de Sentidos: o simbolismo das águas no contexto umbandista (artigo científico)
Junior, Alberto (2007). Jurema Catimbó: Magia e Conhecimento
Assunção, Luiz (2010). O Reino dos Mestres -  A tradição da Jurema na Umbanda Nordestina
Juruá, Pai (2011). O Ritual do Rosário das Santas Almas Benditas

3 comentários:

  1. Boa noite amigo,
    gostaria de obter mais informações sobre a simiromba...
    meus rituais de umbanda estao sendo feitos nesta linha, e como ela é muito antiga, nem meu proprio cacique tem mais informações.
    mariombueno@hotmail.com
    se puder ajudar agradeço

    Mario

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    1. boa noite Mario, gostaria de saber de qual estado você e sua cidade...
      essa linha da umbanda esta em extinção pois são poucos terreiros que trabalhão com essa linha pois seus rituais são demorados e verdedadeiro estudo é muito vasto são sete graus que a nossa linha tem mas poucos se aprontam Um abraço fraternal Fabiano- familiafontella@yahoo.com.br

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  2. Olá Mario,

    Primeiramente gostaria de agradecer por acompanhar nosso blog.

    A respeito de seu questionamento, recomendo a leitura do livro " O Ritual do Rosário das Santas Almas Benditas", de Pai Juruá. Você poderá baixá-lo gratuitamente no site do templo de Umbanda proprietário dos direitos autorais (Templo da Estrela Azul).

    Esta obra, apesar de não falar especificamente do rito de Simiromba, trata da presença desta linha dentro da cultura umbandista.

    A origem dessa linha provavelmente remonta-se a meados do século XVII, originalmente no culto da Jurema, a qual foi a primeira ou uma das primeiras formas de sincretismo religioso no Brasil, passando posteriormente a integrar os ritos de fundamento de determinadas tradições umbandistas.

    O que posso dizer-lhe é que nesta raiz estão contidos ritos que contemplam a realização de práticas originárias do catolicismo popular, como os terços para a abertura dos trabalhos, as trezenas como firmezas das correntes dos médiuns, as procissões, etc.

    O processo de coroação de um médium geralmente é maior do que o tempo "comum" que se verifica nas demais casas de umbanda, demorando em torno de 25 a 30 anos de prática e ritos de iniciação para a consagração como sacerdote.

    As firmezas dos guias dirigentes do templo (e daqueles médiuns coroados no rito) são postas em caixas que contemplam suas ferramentas, pontos, etc, conforme você já o sabe.

    Bem, isso é o que posso dizer por agora, uma vez que estou limitado, pelas leis da iniciação.

    Espero ter contribuido, ao menos um pouco, com o esclarecimento de sua questão, embora não possa aprofundar-me mais no assunto (referente à raiz e ao rito)devido ao respeito aos processos de conhecimento e iniciação do templo que frequento.

    Saravá!

    Gregorio

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