Por: Gregorio Lucio
A base para a conquista do comando da função mediúnica é a estabilidade psicológica. O medianeiro - "cavalo-de-santo" - deve estar em condições de experienciar, de maneira saudável, o transe medianímico, passando por todo o seu processo de estruturação (vide Processos Mentais e o Transe Mediunista) até o seu encerramento, sem guardar em si perturbações emocionais ou fisiológicas.
Saber "entrar e sair" do transe, de maneira calma e tranquila, evitando estertores e obedecendo aos comandos de "chegada" ou "subida", determinados pela curimba, ou pelo pai (mãe)-de-santo é o ponto ótimo de comando da função mediúnica, ao nível da manifestação produzida ao longo da gira no terreiro de Umbanda.
Por outro lado, reflexionando sob o ponto de vista emocional, o comando da função mediúnica deve ser a consequência e, ao mesmo tempo, a função psíquica alimentadora de uma potencial individuação por parte de seu experimentador, fazendo com que este estruture e desenvolva-se sob um Sentido único de Si-Mesmo.
Estar consciente de suas questões emocionais (positivas ou negativas) de forma madura, meditando nelas e agindo para que suas qualidades sejam ampliadas, bem como as deficiências sejam, por sua vez, sanadas aos poucos, fará com que o medianeiro produza uma forte percepção de sua individualidade, ampliando sua capacidade de identificar e interferir em seus estados emocionais, sem com isso, deixar-se derrapar para as crenças inconscientes, de que é vítima de demandas, espíritos obsessores, etc, tombando em estados perturbadores e aflitivos.
Perceber-se como um partícipe da Vida Maior, veículo para a manifestação do Sagrado, filho e filha do Orixá, que por intermédio de seu organismo psíquico-biológico efetiva a união espaço-temporal do Divino com o humano, é aprofundar-se na compreensão da finalidade última, subjetiva, do transe mediunista de Umbanda, por meio do qual abrimos verdadeiras janelas para entendermos nossa relação com os intrincados mecanismos das Leis do Universo, sintonizando-nos com o Cosmos Dei.
Temos que as Personas manifestas a partir da estrutura do Self, organizador essencial do organismo psíquico, são fundamentais para a construção dos elos que irão unir a estrutura psicológica, cognitivo-emocional do médium, com aquelas próprias da entidade comunicante (Espírito Guia ou Protetor). É necessário que haja a edificação da forma, da máscara de cera sobre a qual a inteligência extra-física irá imprimir sua essencialidade, seus conteúdos, dando vazão ao seu potencial energético, para ação sobre o organismo do médium durante o trabalho espiritual e suas consequentes necessidades de expressão pelo psiquismo de intermediação.
Entretanto, para que haja a consolidação do Comando da Função Mediúnica, importa que reconheçamos e compreendamos que o tônus movimentador desta relação intermúndio advém de um Estado Mental propiciador. Mediunidade, dessa forma, refere-se a uma faculdade que encontra-se ao nível mental nos seres humanos, e para que seja vivenciada de maneira consciente, com o comando dessa função, devemos aprender a acessar e fixarmos nosso ambiente interior neste nível mais profundo de nossa subjetividade.
Reconhecendo a Mente como o pólo originador das ocorrências mediúnicas, pois que é o recurso principal do Espírito, vamos compreendê-la como sendo uma instância mais ampla, em cujo domínio, encontram-se os organismos psíquico e biológico do ser humano, bem como seu mundo de relação.
Quando o indivíduo, médium, não compreende essa questão, suas comunicações e seus estados de transe ocorrem da mesma forma, entretanto, como não há o Comando da Função Mediúnica, este fica à mercê do que os seus Guias e Protetores - ou entidades outras, caso esteja em estado de perturbação espiritual - poderão realizar pelo seu intermédio, apesar de sua ignorância.
Assim, quando há o Comando da Função Mediúnica, abre-se o caminho para que o fluxo da energia mediúnica percorra trajeto natural, passando da Mente para o Psiquismo, pelo Superconsciente (falaremos dessa instância psíquica em mais detalhes, posteriormente), de maneira que ocorra a presentificação patente das Entidades Espirituais, num sentimento inconfundível, para o seu experimentador, de que está sendo "possuído" por uma outra inteligência, com a qual comunga dessa experiência espiritual.
Toda manifestação espiritual, no contexto umbandista, retrata uma Experiência Simbólica do Transe, por meio da qual são representados os estados subjetivos experimentados pelo médium, denunciados,em sua postura corporal, expressão facial e gestual. A Experiência Simbólica é a tradução psíquica da comunhão mental com os Espíritos Guias, os quais trazem consigo a essência do Orixá e que preenchem o médium com a sua vitalidade e transcendência.
Dessa Vitalização Interior é que o médium pode identificar as sensações prazerosas e de enlevo que experimenta ao final das giras. Como se as tensões interiores diluíssem e as contradições dissolvessem.
O Estado de Completude que ressuma dessa condição de tranquilidade e vitalidade interior resulta da liberação das energias emocionais represadas nas estruturas próximas da funcionalidade psíquicas ordinárias e que necessitam, então, serem escoadas por um mecanismo que seja suficientemente detentor de uma força propulsora capaz de alavancá-las, uma vez que pulsam sob as camadas estratificadas no psiquismo do medianeiro. Somente que essa completude deve ser atingida pelo processo consciente de construção da Experiência Simbólica, pois que, ao contrário disso, o que vemos é somente o extravasamento catártico de tensões emocionais.
Por fim, podemos dizer que, além do sentir a Vitalidade Interior e um Estado de Completude, o Comando da Faculdade Mediúnica, deve produzir um sentido de utilidade prática para a vida do seu experienciador. E, o que podemos esperar do "retorno" dessa viagem interior, ao longo das práticas nos trabalhos espirituais de Umbanda, é a Experiência saudável com o Real.
O médium capaz de comandar sua faculdade mental, possui os recursos dos quais se utiliza para viver o cotidiano de maneira saudável. Meditando em torno de suas condições interiores e conservando sempre um comportamento positivo e maduro para com as necessidades diárias. Sabe instrumentalizar-se para cumprir com seus deveres de cidadão, familiar e profissional, sem negligenciar quaisquer das partes que lhe digam respeito em sua vida íntima e social, conservando um comportamento de exemplo e respeito a si-mesmo e ao próximo, onde quer que se encontre e, principalmente, fazendo com que sua vida espelhe todo o Bem que colhe da Umbanda, demonstrando, pelos seus atos, o quão enriquecedor e libertador pode ser o caminho de um filho-de-fé dentro das Leis de Umbanda
Saravá a todos!
Bibliografia Consultada:
Lima, Bennto de (1997). Malungo Decodificação da Umbanda
Zangari, W. (2009). Psicologia da Mediunidade: do Intrapsíquico ao Psicosocial (artigo científico)
Jung, C.G. (1970). A Natureza da Psique
Byington, C.A.B (2008). Psicologia Simbólica Junguiana