quinta-feira, 8 de março de 2012

Processos Mentais e o Transe Mediunista (Parte III)



Por: Gregorio Lucio


Finalizaremos, neste post, a tríade de artigos componentes do tema "Processos Mentais e o Transe Mediunista", abordando o último estágio estruturante e a culminância do Transe Mediunista (7º nível de atividade mental).

Quando o exercício do mediunismo na Umbanda solidifica-se por meio da utilização consciente dos recursos psíquicos e mentais que o médium possui a sua disposição (Concentração e Vontade), de maneira a conduzir os processos fenomenológicos da dinâmica psíquica, conjugadas no processo de captação (ideação mnemônico-emocional) e manifestação do estado mediúnico, torna-se sua decorrência a composição de um Campo Intuitivo, no qual são depositados, por assim dizer, os seus registros anímicos - ocasionados pelas experiências de contato com a dimensão espiritual (motivadoras da atividade criativa) -, assim como aqueles derivados da ligação telepática do medianeiro com os Espíritos que passam a comungar de seu campo psíquico, na condição de Guias e Orientadores Espirituais, propiciando as intuições de caráter mediúnico.

Sendo assim, entendemos que há nas instâncias superiores do inconsciente, uma formação sensível de conteúdos que surgem pela condição captativa da sensibilidade medianímica do Ser, cujos seus registros encontram-se em estado de latência e passíveis de serem acessados pela consciência, servindo de elementos estruturais para as novos contextos existenciais que o ser poderá vivenciar, devido a grande intensidade energética-emocional do qual são dotados. Esse, portanto, o Campo Intuitivo. A passagem dos conteúdos anímicos latentes no Campo Intuitivo implicam em dois direcionamentos psíquicos possíveis que se afigurarão como a ocorrência de intuições acentuadas ou de impulsos criativos.

O 6º estágio, portanto, encontra-se relacionado à Construção do Saber Espiritual, de caráter interior, via de acesso às experiências numinosas do Transe, cujas suas instâncias encontram-se situadas no par Intuição-Criatividade.

"[...] Certos conteúdos provêm de uma psique mais ampla do que a consciência. Com frequência, eles encerram uma análise, uma compreensão ou um saber de grau superior que a consciência do indivíduo seria capaz de produzir. O termo mais apropriado para designar tais acontecimentos é: intuição" (Jung, 1974).

A Intuição, embora surja não como decorrência do processo intelectivo, mas como fenômeno mental espontâneo, necessita da integração dos processos citados anteriormente (ver:  Processos Mentais e o Transe Mediunista) para que sua apercepção possa traduzir-se de maneira precisa ao consciente e ser compreendida pelo ego.

Os registros mediúnicos não fixam-se, em sua totalidade, na consciência do médium. Devido ao intenso tráfego de pensamentos e percepções que passam pelo seu campo psíquico - na conjugação com o psiquismo da Entidade Espiritual -, o organismo psíquico, a semelhança do cérebro, realiza uma filtragem daquilo que chegará a percepção consciente.

No entanto, nessa "troca" desenvolvida no relacionamento mental entre médium-Guia Espiritual, deposita-se, no Campo Intuitivo, uma carga muito maior de registros do que aqueles que chegam-lhe à consciência. Esses, que permanecem em estado latente no arquivo anímico, serão colhidos pela consciência por conta do ato voluntário do médium quando este buscará, no momentos de oração e de profundo recolhimento interior, a inspiração ou o entendimento necessários a um dado acontecimento, seja de ordem pessoal ou na busca de beneficiar aquele que lhe busca.

"A intuição decorre de um processo inconsciente, dado que seu resultado é uma idéia súbita, a irrupção de um conteúdo inconsciente na consciência. A intuição é, portanto, um processo de percepção, mas, ao contrário da atividade consciente dos sentidos e da introspecção , é uma percepção inconsciente" (Jung, 1970).  A "[...] intuição é um processo de percepção das possibilidades inerentes a uma dada situação". (Jung, 1978).

A elaboração daquilo que constituirá-se como intuição, provirá das instâncias superiores do inconsciente, porquanto seus conteúdos formadores serão aqueles conquistados por consequencia do ato da vontade concentrada em torno de determinada realização ou conhecimento. O médium, voltando-se sobre Si-mesmo, reelabora os conteúdos adquiridos (racionais e não-racionais), reordenando-os de forma totalmente inovadora, surgidos do Campo Intuitivo, no qual poderão ser abarcadas as dimensões mais profundas e abrangentes da Consciência.

Tais intuições poderão ocorrer em estados de pré ou pós-transe, bem como noutros momentos, sob forma de memórias/imagens espontâneas em estado anterior ou posterior ao sono e insights ocorridos em momentos de prece e oração.

O resultado emocional da influência do Campo Intuitivo sobre o médium carateriza-se por um estado de relaxamento, de sensação de paz e segurança intima, acompanhadas da fluência espontânea de pensamentos e imagens de caráter benéfico e direcionadores da conduta que deverá observar ou das palavras que deverá enunciar em favor de si ou do próximo.

Originária do Campo Intuitivo, a Criatividade assume a função de reorganizadora dos conteúdos latentes no arquivo psíquico, os quais conservam-se em estado potencial, por cujo seu devir, sua atualização, irrompem a consciência os novos contextos existenciais elaborados no ato criativo. 

"Criatividade é a expressão de um potencial humano de realização, que se manifesta através das atividades humanas e gera produtos na ocorrência de seu processo" (Sakamoto, 1999).

"Na criatividade, o novo se refere ou a um novo significado ou a novos contextos para se estudar o novo significado (Goswami, 1996 e 1999) [...] chamo-la de criatividade situacional. [...] Por outro lado [existe] a criatividade fundamental, pois envolve a descoberta de um novo contexto de pensamento ou invenções subsequentes" (Goswami, 2001).

No mediunismo, o campo criativo servirá como repositório de energias psíquicas que funcionarão como catalisadoras das construções mentais, emocionais e comportamentais do médium, pois quanto mais se proponha a agir de maneira voluntária, colocando-se como sujeito útil e produtivo, também galgará os degraus de sua própria construção mediúnica, aumentando suas possibilidades captativas e de apreensão da realidade espiritual.

Alçar metas enseja a realização saudável de conquista para a existência e a expressão do Ser criativo, o qual não estaciona na fixação dos condicionamentos sociais ou nas travas do desapontamento e do receio diante do desconhecido, ao contrário, passa e vai além, atingindo novas situações de vida que se lhe fazem de extrema compensação e completude interior.

Poder olhar a vida sob novos significados, o que não quer dizer uma fuga da realidade - antes sendo uma mudança de ótica sobre um dado acontecimento existencial -, propicia um enquadramento das estruturas psíquicas do Ser em novos contornos do seu existir, aumentando-lhe a resiliência diante das ocorrências que não pode mudar e angariando em seu íntimo aquelas ideações que lhe servirão de amparo para a contínua busca de seu significado existencial.

A Criatividade serve como recurso para compor o quadro subjetivo da Vida, daquele que atinge o processo psíquico criativo, pois é daí que retirará a inspiração para novas realizações, para a resolução de desafios os mais variados, além de garantir a si a experiência do prazer de produzir algo útil a sua e a vida de outrem.

Acrescentamos, no que diz respeito a Criatividade, que a elaboração de conteúdos correspondentes à ordem positiva e salutar para a vida emocional do Ser deverá estar pautada na atitude de Bem Querer e Bem Dizer a vida, pois não se pode esperar uma mente criadora de novos contextos existenciais, se esta não se desgarrar das impressões tormentosas a que nos prendemos e dos maus hábitos que adquirimos, por nossa limitação no discernimento das Leis da Vida.

Criar é voltar o olhar para dentro si e ser capaz de encontrar, no caos aparente do arquivo psíquico, os elementos capazes de pintar com novas cores a tela mental  que permeia nossas impressões e serve como pano de fundo para a experimentação de tudo quanto percebemos dentro e fora de nós.

Assim é que o filtro mediúnico, para que seja capaz de transmitir de maneira fidedigna as mensagens do mundo espiritual, necessita de boa dose criativa, conforme o conceito que ora apresentamos, uma vez que as construções da mente só atingem significados e possibilidades inovadoras quando são profundamente significantes para alguém.

A Criatividade e a expressão criativa cingem o ato de viver e elevam-no aos páramos do Ser e do Sentir, entregando-se ao labor do amadurecimento pelo produzir, sujeito ativo e integrado intimamente, para tornarem-se, mediante a injunção da morte (desencarnação), a força propulsora no Superconsciente que proporcionará a nossa "passagem" lúcida pelos portões de além-túmulo, bem como nossas possibilidades de escolha para novos contextos de vida, em nossa próxima encarnação.

Ocorrendo a quebra das fronteiras entre os aspectos racionais e não-racionais da experiência, por meio da Criatividade, formar-se-á uma visão integralizadora do conhecimento de Si e da Vida. Neste estágio incorrem os pródromos da Experiência Mística de caráter inefável e arrebatador, momento no qual desaparecerão as contradições intelectivas e a aparente separação entre eu e não-eu. O Ser que se É, integrará-se a um Todo, de onde retornará conservando uma forte e determinante impressão da transcendentalidade da Vida, diluindo-se os paradoxos e modificando o sentido de seu existir.

"Criar é o verbo por excelência do existir humano, já que Criar é para o ser humano, o mesmo que existir e o mesmo que evoluir. É sempre construir e expressar para os seres humanos e, o mesmo que ampliar a consciência do ser, do sentir e do agir. É penetrar o universo das infinitas possibilidades e a partir desta experiência, modelar parcelas de realidade, trazendo à luz da consciência, verdades humanas" (Sakamoto, 1999).

Saber criar é condição imperiosa para saber morrer e renascer. 

O potencial criativo humano, dentro da prática umbandista, consolida-se na ocorrência do Transe Mediunista (7º estágio de Processos Mentais), criatividade em expressão máxima, quando seu resultado é de completude interior naquele que o vivencia como o ápice da construção subjetiva da experiência religiosa.

"O sensitivo durante o transe se despoja, como já dissemos, de sua lógica cotidiana, de sua razão e dos comandos racionais sobre seu corpo. O cavalo rejeita a personalidade definida por seu condicionamento histórico e permite a manifestação de uma personalidade-símbolo que represente um elo com a totalidade de personalidades" (Lima, 1997).

O Transe Mediunista constitui-se, então, de uma rede complexa de processos mentais, que deverão estar sob comando do medianeiro, caso este esteja sob o interesse de fazer com que suas vivências mediúnicas e religiosas sejam caraterizadas pelas possibilidades de enriquecimento de seu patrimônio interior.

"Temos de reconhecer, dessa forma, duas maneiras diferentes de participar de uma religião. Uma delas diz respeito aos que a cumprem ou seguem apenas socialmente, dela se utilizando como degrau de ascensão no grupo. A outra maneira de perceber a religião implica viver os processos simbólicos do inconsciente, isto é, através da experiência mística. Por um lado, a religião apresenta-se meramente ética e formal, exterior, consuetudinária, atuante ao nível social, sem maior significado psicológico. Por outro, apresenta-se essencial e interior, com origens na psique e atuante como técnica de transformação da alma. Quando assumida por força de vocação, a religião age como comunicação com o universo psíquico. Ao falarmos das relações do homem com seu inconsciente que, para a mentalidade natural, a realidade de um objeto só se prova por sua similitude com um modelo sagrado. Este carateriza uma hierofania, na medida em que designa um caso particular de manifestação da energia cósmica capaz de exprimir o real. Não uma falsa noção do real desprovida de emotividade, mas o real qualitativamente reconhecido pela experiência e captado pela emoção" (Lima, 1997).

Sabemos que o intercâmbio entre mundos (físico e espiritual) sempre existiu em todas as épocas da humanidade, constituindo-se episódio inerente a condição humana na Terra (como coletividade de espíritos encarnados). No entanto, as práticas do intercâmbio carecem de ampliação de conhecimentos em torno de sua realidade e dos seus campos de atuação, de maneira que os seus experimentadores (médiuns) possam também ampliar o seu saber, fazendo-se mais úteis e conscientes de seu papel e responsabilidades.

Conforme já tratamos em artigos anteriores, quando falamos do fenômeno de Incorporação, entendemos que dentro do Transe, construído e sustentado positivamente após a integração dos estágios estruturantes já mencionados, existe uma seriação de eventos possíveis, sendo a comunicação espiritual uma dentre estas várias possibilidades.

Também dissemos que o ponto mais importante deste processo, conforme nosso parecer, é o da Comunhão Espiritual, na qual o indivíduo-médium troca, em seu campo psíquico, conteúdos de ordem energética com seu Guia Espiritual, desenvolvendo seu Campo Mediúnico que posteriormente irá facultar-lhe a comunicação. No entanto, primordialmente, sua função é a de ampliar-lhe o Campo Intuitivo, fornecendo elementos para desenvolver sua condição captativa, integrando-a em sua expressão criativa, canalizando-a, a princípio, na elaboração das imagens psíquicas que servirão como formadoras da experiência simbólica das Entidades, as quais passará a manifestar ao longo de sua vivência religiosa, nas giras de Umbanda.

Dessa forma, o Transe Mediunista concorre para a construção psíquica de nível superior para seu experimentador, contribuindo para o desenvolvimento de funções psicológicas de caráter integrador, possibilitando-lhe vivenciar suas experiências, dentro e fora da vida religiosa, de forma a reter em seu mundo interior vivencias que sejam relevantes para si, dotando-as de sentido existencial e dilatando-se a esperança diante da Vida e a confiança na sobrevivência ao fenômeno da desencarnação.

Mais do que "poder mágico", a experiência do Transe Mediunista é a busca pela realização numinosa, a Criatividade do Espírito, em direção do encontro com a Realidade Última que intui estar ínsita e totalmente presente em-si: Deus.

Saravá a todos!

Para o entendimento integral do tema Processos Mentais e o Transe Mediunista, leia:

Bibliografia Consultada:
Sakamoto, C.K. (1999). A Criatividade sob a luz da experiência (tese de doutorado)
Lima, Bennto de (1997). Malungo Decodificação da Umbanda
Jung, C.G. (1974). Psicologia e Religião
                 (1970). A Natureza da Psique
Goswami, Amit (2001). A Física da Alma




2 comentários:

  1. alem da mediunidade mental do individuo é necessário cultivar a actividade para o seu dominio. fazendo que a manifestação seja feita nos momentos exactos,evitando que se manifeste a qualquer altura e em qualquer sitio desnecessário.

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  2. motunba,saravá.irmãos do bem saber seguidores de NEGU VÉIO.que os orixás e guias tragam para nós a sabedoria elevada de tudo quanto é a vida espiritual da kianda,kimbanda y umbanda.(kianda é o nome que se dá a sereia,rainha do mar das prais de luanda,a quando das kalemas.faz-se o ritual das. festas do mar.)a espiritualidade é a secuência do dom de mediun com que nascemos, uma vez que,a escolha dos nossos ansestrais dos seguidores.na passagem do testemunho ,dos filhos,netos,subrinhos ou até um familiar mais proximo.e ente-querido.axé

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