Por: Gregorio Lucio
Introduziremos, neste novo post, o tema Processos Mentais e o Transe Mediunista, como um conteúdo referencial e iniciador de uma sequência de estudos que estabeleceremos posteriormente, tratando do Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda.
Na elaboração deste material, acabamos por desenvolver um texto bastante amplo, dessa forma dividiremo-lo em 3 partes com o mesmo título, sendo essa a sua primeira parte, na qual contemplaremos os estágios iniciais estruturantes do transe, além de estabelecer uma idéia sucinta em torno deste. Suas partes complementares serão publicadas em data futura.
Devemos encarar a questão em torno dos Processos Mentais envolvidos na construção do Transe Mediunista, observados na prática do intercâmbio com a realidade transcendente, como importante e necessário ponto de estudos, merecedor de maior desenvolvimento, capaz de produzir um Saber suficientemente estruturado, a respeito de como tais processos relacionam-se e se integram para a culminância do Transe.
Nossa intenção é a de contribuir, humildemente, com a colocação de alguns pontos extraídos de nossos estudos, reflexões e observações em torno de nossos próprios estados de transe, na expectativa de sermos úteis ou motivadores de mais aprofundadas perquirições a respeito.
Desejamos, conforme o já dissemos, estabelecer algumas relações referentes aos processos mentais que estão presentes, segundo nosso parecer, na construção do estado de transe, os quais verificam-se sendo processados em ambas as instâncias psíquicas do ser, quais sejam o consciente e o inconsciente.
Seguindo nossas reflexões, depreendemos que a prática mediunista obedece a um mecanismo de construção dinâmica dos processos mentais que elaborarão outros, os quais deverão sucedê-los no contato com a dimensão psíquica do indivíduo, de maneira que este transitará por diversos estágios de processamento de sensações e estímulos de variada ordem, emoções, pensamentos e imagens psíquicas, até o momento no qual efetuar-se-á a conjugação de um estado psíquico e mental totalizador, por cujo seu continuum ocorrerá o transe (entendido por nós como o ponto integrador de uma rede complexa de processamento mental, de cunho psicofisiológico) e seu consequente intercâmbio com a dimensão espiritual (interna e transcendente ao indivíduo).
Os processos mentais são elementos constitutivos da consciência, sendo suas estruturas funcionais, e atuam como atividades instrumentais no homem, incluindo em si um caráter de nível social, realizados coletivamente. Assim, tais processos mentais definem o funcionamento da mente humana de uma maneira ampla. Estão englobados como processos mentais: funções sensório-motoras, emoção, pensamento, linguagem, memória, imaginação, percepção, atenção, concentração, vontade, intuição, criatividade, transe, entre outros.
Observamos serem estes os processos mentais presentes e configurados como a estrutura de base criativo-construtiva da experiência espiritual tida como Transe Mediunista.
Na base desta composição estruturante, identificamos o par Memória-Emoção como processos mentais propulsionadores (primeiro estágio) das demais ocorrências psíquicas. Primeiramente, devemos compreender a memória como uma função situada tanto no psíquico quanto no somático, emotivo-cognitiva -vinculada a uma ampla rede de associações de caráter sensório e emocional -, sugerindo o "retorno da experiência (e do sujeito, enquanto formado pela experiência) ao passado, até o desligamento completo do real" permeado pela reelaboração da experiência vivida, no entanto, acrescida de novos elementos vivenciais atuais do indivíduo, implicando em uma "[...] idéia de atualização do vivido pelo presente [...]". (Leonardelli, 2008). Assim, memória implica na transposição contínua para o presente das vivências contidas no complexo psíquico do ser, avançando sobre as barreiras do tempo e do espaço.
Os arquivos registrados pela Individualidade Espiritual ao longo de sua jornada pelo ciclo das reencarnações, experiências anteriores e a própria reminiscência de sua origem primordial estão contidas nos processos mnemônicos, sedimentados nas profundezas do inconsciente.
Nossos registros mnemônicos ligam-se ao nosso psiquismo por intermédio da experiência afetiva vivenciada na interação com o meio. Benntto de Lima (1997), ao referir-se as experiências de ordem espiritual (ou mística) e sua relação com a emoção, diz-nos que "o que caracteriza esse processo mental [...] é precisamente a emoção concentrada nos conceitos de: próximo, grupo e espécie. A variação da intensidade emocional das vivências determina os diferentes tipos de experiência", e ainda que "[...] estas [experiências místicas ou espirituais] se inserem, por conseguinte, num processo histórico ao mesmo tempo individual e social. E não apenas no processo histórico social de determinada época, mas ao longo da existência da espécie. Depois de passar por uma experiência psíquica radical, quase sempre também mística, o indivíduo busca sua identidade na realização com o grupo, no encontro com o próximo".
A emoção surge, então, como o elemento capaz de gerar a vinculação do ser ao seu próprio mundo psíquico e ao mundo de relação, cuja experiência com o outro (no início com a mãe e depois, em diversos níveis, com o meio social), sedimenta seu enraizamento na realidade experimentada em-si e ao mesmo tempo fora-de-si, dimensão afeta à alteridade, ao outro, as chamadas relações interindividuais (Camargo, 1999).
A integração da paridade memória-emoção revelar-se-á a consciência por intermédio de um segundo par estruturante (segundo estágio), seu sucessor: Pensamento - Imagem (Imaginação).
Em continuidade ao ato mnemônico-emotivo (de processamento inconsciente) evidenciam-se à consciência, pelo fluxo do pensamento, a conjunção de imagens (portadoras de elementos de memória e emoção) que preenchem os espaços da rede psíquica, formando a "tela mental" que passa a ser populada pelas ideações pertinentes a condição interior do indivíduo.
Vejamos que a sucessão de estágios entre processos mentais não anula aqueles que servem aos primeiros níveis. Ao contrário, o mecanismo visa uma manutenção energética dos conteúdos da consciência, pela soma de vários níveis de processamento psíquico, integrando-os em um processo de sinergia. Portanto, o estado mnemônico-emocional, além de servir de base para o surgimento do estágio seguinte (pensamento-imagem) também determinará a sua intensidade e configuração.
Ao ponto em que estão integrados os dois primeiros pares estruturantes (memória-emoção; pensamento-imagem), o correspondente estágio sucedâneo formará-se, ocupando a consciência com novas informações e conteúdos a serem experienciados e integrados. Este terceiro par estruturante se formará pela junção da paridade Linguagem-Funções Sensório/Motoras.
A partir daí, o psiquismo passa a comunicar-se diretamente ao corpo, por intermédio de sensações e impulsos (ou relaxamento) de ordem motora, assim como pela intrusividade de elementos dotados de significado e qualidade semântica, portanto, inteligíveis. Salientamos que a ideação, iniciada na irrupção do par pensamento-imagem, assume caráter mais amplo e intenso neste novo estágio, comunicando-se por meio de idéias inteligíveis e expressões significantes (linguagem), observadas na postura corporal, gestualidade e, até, em alterações facias (funções sensório-motoras), como personificação e presentificação do estado alterado de consciência (transe) que já se faz pronunciado.
O transe, de uma maneira geral e introdutória, pode dar-se por diferentes motivos e necessitamos conhecer as suas possíveis naturezas para que possamos entendê-lo como um processo mental amplo e quando este está ligado a experiências transcendentes (não necessariamente mediúnica ou mediunista) ou, quando deriva de outra ordem de fatores.
Entre os estados de transe originados por causas diferentes das experiências místicas ou espirituais, podemos identificar aqueles ocasionados por substâncias químicas ou farmacológicas; por bebidas alcoólicas; drogas diversas (como a cocaína, a maconha, LCD, etc); ausência de oxigênio no sangue (anóxia); doses oscilantes de glicose no sangue (como no caso de diabéticos); distúrbios metabólicos; hipnose; epilepsia; etc.
De igual maneira, o transe de ordem espiritual também pode processar-se como sendo de caráter perturbador (no caso de uma obsessão espiritual) ou, pelo menos, como um mecanismo desordenado que assoma à realidade do indivíduo seu portador, carecendo de aprendizado e comando de seus mecanismos para que possa lograr um estado de normalidade e adaptação a esta nova experiência psíquica, propiciando inclusive possibilidades maiores no campo da conquista e plenificação interior. Ressaltamos que até este terceiro estágio, as ocorrências psíquicas podem dar-se (como efetivamente ocorre, sendo mais comum do que se imagina) passando por um processamento totalmente inconsciente no indivíduo, culminando num transe, e por isso mesmo até este nível, não há uma distinção entre a experiência saudável do estado alterado de consciência (mediúnica ou não) e a de caráter perturbador.
Assim, "a passagem à consciência é o início de uma etapa superior ao desenvolvimento psíquico. O reflexo consciente, diferentemente do reflexo psíquico próprio do animal, é o reflexo da realidade concreta [...] que distingue as propriedades objetivas estáveis da realidade". (Leontiev, 1978).
Embora A.N. Leontiev fundamente seu pensamento com base no paradigma do realismo materialista, entendemos ser a sua assertiva de valor inestimável para chegarmos a um entendimento de que somente a partir do momento em que os conteúdos psíquicos passam a ser percebidos de maneira consciente pelo ser humano, é que poderão ocorrer os próximos níveis de desenvolvimento do psiquismo humano. Tratando especificamente dos processos mentais e o transe, podemos dizer que somente a partir do instante em que o ser coloca sob o seu comando seus processos mentais é que poderá lograr atingir níveis mais profundos de suas experiências espirituais, conservando sua integridade psíquica e, inclusive, utilizando-se de tais experiências como recursos para o seu amadurecimento como ser humano e Espirito que É.
Portanto, a partir do terceiro estágio, deverão estabelecer-se uma nova ordem de processos mentais estruturantes do transe, uma vez que estamos referindo-nos àquele que se caracteriza como constituído de higidez psicofisiológica, ou seja, possuidor de características saudáveis, não-patológicas.
O transe, que passará a ocorrer sob o domínio de seu experimentador, deverá, além dos 3 pares estruturantes já citados, lastrear-se em 3 próximos níveis de construção (Quarto, Quinto e Sexto estágios estruturantes), sobre os quais falaremos nos dois próximos artigos, quais sejam:
4º Estágio: Percepção - Atenção;
5º Estágio: Concentração - Vontade;
6º Estágio: Intuição - Criatividade;
Finalizaremos falando do próprio Transe Mediunista: 7º e último estágio, ponte para a Consciência Mediúnica.
Saravá a todos!
Continua em: Processos Mentais e o Transe Mediunista (Parte II)
Bibliografia Consultada:
Camargo, Denise (1999). Emoção, Primeira forma de comunicação (artigo científico)
Leonardelli, Patricia (2008). A Memória como recriação do vivido (tese de doutorado)
Lima, Benntto de (1997). Malungo - Decodificação da Umbanda
Leontiev, A. N. (1978). O desenvolvimento do psiquismo