Por: Gregorio Lucio
Questão amplamente discutida e imersa em diversos discursos que procuram explicar e dar-lhe uma diretriz satisfatória, o Desenvolvimento Mediúnico afigura-se como um estágio muito importante na vida religiosa do adepto de Umbanda, candidato a médium, uma vez que esta fase implicará diretamente na construção da própria identidade mediúnica do indivíduo, bem como estará vinculada ao todo de seu complexo psíquico, carecedor de atenção e cuidados, pois sua elaboração e vivência dentro do campo religioso assumirão influência direta sobre a constituição psicológica do neófito umbandista.
Iniciaremos, neste momento, a série de estudos "Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda".
Desdobraremos o tema "Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda", abordando a questão em 5 textos, a serem publicados em data futura, especificando a dinâmica e o mecanismo das funções psíquicas envolvidas no tentame da prática mediunista até o atingimento e completude da Consciência Mediúnica.
Aprofundaremos, então, nossos estudos enfocando a perspectiva psicológica sob a qual dão-se as adaptações das estruturas psíquicas do médium, de maneira a fazer surgir a experiência simbólica das entidades, por meio do transe, com o consequente atingimento da função mediúnica, salvaguardando o eixo e o centro da individualidade medianeira.
Entretanto, gostaríamos de tecer algumas considerações introdutórias a respeito da questão do Desenvolvimento Mediúnico, para podermos situar nossa ótica em torno dessa problemática e refletir sobre a necessidade de estudos a respeito da função mediúnica, entendendo como essa faculdade mental está relacionada ao contexto religioso umbandista e de quais traços ela se reveste no intercâmbio mediunista dentro do circulo religioso em questão, sob as mais diferentes gradações.
Existem muitas explicações, tratadas em livros e nos discursos presentes nos terreiros, visando o esclarecimento em torno da necessidade do desenvolvimento da capacidade mediúnica do indivíduo com vistas a promover a sua "evolução" como espírito, dando cumprimento a uma missão assumida no passado. Da mesma forma, o meio religioso umbandista procura vincular ao discurso de justificava da necessidade do trabalho mediúnico, práticas e métodos os mais diversos para que se dê tal mister. No entanto, não nos ateremos aqui a avaliar tais práticas ou a validade destes discursos que tornaram-se "senso comum" dentro da Umbanda. Nossa intenção será a de abordarmos essa questão sob uma ótica psicológica, identificando as bases psíquicas envolvidas na elaboração dessa experiência religiosa e a sua preponderante relação com o campo subjetivo do adepto umbandista.
Realizaremos uma interface com alguns aspectos pertinentes ao conceito da mediunidade e suas particularidades, entretanto, enfocaremos a perspectiva psicológica como sendo nosso interesse predominante.
Justificamos tal intenção pela convicção que temos, a respeito de alguns mecanismos que envolvem a questão do mediunismo de Umbanda, segundo a qual entendemos que toda e qualquer experiência medianímica pertencente ao mundo interior do ser humano encarnado ocorre obedecendo a um processo de construção, cuja sua elaboração dá-se por um sistema de causalidade, em que aspectos mentais e psíquicos vinculam-se e são modulados pelo aparelho cerebral, o qual manifesta no organismo e na relação com o meio a sua realidade. Assim, todo e qualquer elemento que constitui-se como resultado do intercâmbio mediunista, e até mesmo a própria formação subjetiva do indivíduo, deverá passar, condição sine qua non, pelo campo mental, psíquico e pelo aparelho cerebral para que possa ocorrer e interagir no meio em que vivemos. De tal sorte que as funções psicológicas determinarão profundamente os resultados de toda e qualquer experiência realizada pelo ser, seja no aspecto de manifestação da função mediúnica, seja nos seus resultados compensadores que servirão como recursos de engrandecimento e transformação interior.
A realização da experiência mediunista obedece a um processo de aprendizado a ser realizado pelo adepto, ao longo de sua jornada espiritual. Este deverá passar por vários momentos em seu aprendizado ritual, pelos quais estará cada vez mais integrado a vida religiosa dentro de seu terreiro. A presença frequente e interessada nos ritos da casa, nas giras, garantem ao médium o cabedal de experiências que aos poucos guardará em sua memória, aprofundando seu conhecimento e contato com os fundamentos da casa, avançando os degraus de sua iniciação e aprimorando sua sensibilidade psíquica.
O Aprendizado mediúnico funciona como elemento formador da identidade ritual do adepto, por cuja sua vivência deverá lograr o atingimento de níveis mais amplos de consciência perante si mesmo e sua vida, identificando na sua possibilidade mediúnica ensejo para a construção de estados íntimos plenificadores, saudáveis, para si e para a coletividade na qual transita e vive.
Por conta disso, o potencial medianímico deve ser entendido como constituído por grande carga energética, ligada ao campo psíquico e vital, provenientes da profundeza do Ser Espiritual que somos, emergindo à Consciência e manifestando-se por intermédio do organismo físico, passando pelas instâncias psíquica e mental (componentes do corpo perispiritual), as quais funcionam como estruturas de base e condutoras deste potencial, a ser convertido em faculdade mediúnica, sob o comando do médium, momento no qual a personalidade medianeira adquire consciência de si mesma e ruma em direção a transcendência do ego, na busca da libertação do ciclo kármico.
Disciplinar as forças medianímicas ordenando-lhe as expressões, lastreando-as em princípios Ético-Morais, compõe imperiosa necessidade para que a comunicação espiritual seja repleta em conteúdos enriquecedores e úteis para o aprimoramento pessoal e coletivo.
Educar a si mesmo é exigência para o desempenho mediúnico correto e de efeito salutar, desvinculado das relações perturbadoras, para isso aprendendo a identificar e comandar as suas próprias emoções e pensamentos, para que não se imiscuam em sua personalidade os traços inferiores que denotem maus hábitos e a má condução de conversações e atitudes que se mostram irrefletidas.
O desenvolvimento mediúnico, como experiência disciplinadora e educativa das capacidades do indivíduo, deve servir como um comunicador com seu mundo íntimo, a sua consciência, acerca da realidade premente que se encerra no aprimoramento pessoal, na libertação de hábitos arraigados, na superação de conflitos e limitações íntimas, com vistas a se lançar em um novo contexto de vida e possibilidades de amadurecimento
Lembramos, conforme já vimos escrevendo (leia Processos Mentais e o Transe Mediunista), que transes ocorrem frequentemente, constituindo experiência compartilhada por muitas pessoas, no entanto, muitas vezes desvinculados de mais estreitas ligações com aqueles recursos que indicam o comando saudável de seu experienciador. Portanto, o fenômeno por si só não é capaz de fornecer ao campo íntimo a possibilidade de elevação do médium e daqueles que o buscam. Somente quando ligada a uma concepção de vida bem elaborada, pautada em princípios capazes de produzir benefícios psicológicos para a vida é que a medianimidade poderá operar a construção de valores duradouros, internos à tradição umbandista na qual se manifeste, assim como a orientação de cunho libertador, a qual não engana, não se liga a interesses pessoais ou ao comércio espiritual, visando primordialmente a alegria de servir e a conquista de valores nobres para o engrandecimento de todos.
O médium deve enriquecer seu patrimônio intelecto-moral para que possa encontrar em si as diretrizes de sua própria existência, o significado de sua própria vida, seguindo um caminho de exemplo e dedicação, pois seu papel religioso exige postura condizente com sua função, num compromisso responsável que deve esposar conscientemente, contribuindo para a sua boa imagem, assim como de seu terreiro e da religião que optou por abraçar.
O caminho da iluminação mediúnica ocorre na inter-relação do que se vive e aprende dentro do templo religioso, na prática mediunista, convertendo seus resultados para a vida cotidiana em seus vários papéis que cumpre desempenhar, como profissional, cidadão e elemento pertencente ou responsável por uma família.
Desenvolvimento mediúnico bem estruturado implica em disciplina e educação reunidas num aprendizado, cuja sua finalidade é a iluminação da consciência, por meio da qual será possível viver a própria existência carregada de expressões felizes e de momentos gratificadores. Logo, desenvolvimento mediúnico não é um breve trecho da história religiosa do adepto de Umbanda. É aprimoramento e ampliação das possibilidades de interação com a Vida, em quaisquer planos que esta se apresente. Dessa forma, desenvolvimento mediúnico é trabalho de evolução íntima que ao médium cabe cumprir, do primeiro ao último passo de sua jornada mediúnica.
O rito de Umbanda, desde que bem fundamentado em uma tradição sólida e ética, pode fornecer recursos auxiliares e influenciadores do campo psicológico do médium, para que possa conduzir os elementos da consciência, num processo de amadurecimento psicológico, ao integrá-los ao Self - seu originador -, realizando o seu vir-a-ser, iluminando-se e iluminando a sua trilha de vida, servindo como farol àqueles que lhe observam os passos e o visam como modelo e exemplo.
Formularemos, baseados em nossos estudos e reflexões, as correlações entre o desenvolvimento mediúnico e a estruturação psicológica da experiência espiritual para que possamos compreender melhor a finalidade da prática mediunista e seus efeitos na vida de seu experimentador. Em breve, trataremos os temas que se seguem:
Saravá a todos!