Por: Gregorio Lucio
Seguindo nosso conjunto de escritos
a respeito do estudo do transe de Incorporação como um recurso
fundamental para a vivência espiritual do adepto umbandista, teceremos algumas
considerações a respeito de como esta prática faculta o desabrochar da consciência
do médium, aprimorando suas relações intrapsíquicas e seu consequente
comportamento perante o Outro, corroborando sua transformação espiritual como
Individualidade Transcendente (Espírito).

Partindo das experiências do indivíduo ainda em EducaçãoMediúnica, entendemos que a conjunção de pensamentos e sensações parecerão
assomar-se de maneira confusa, causando insegurança e dúvidas várias. Um
sentido de “perturbação” poderá ser experimentado, inclusive incidindo, de
maneira mais ou menos incômoda, em sintomas físicos e psíquicos, conforme já
tratado em artigos anteriores (ver: Sensações Mediúnicas Parte I...). Tal
ocorrência verifica-se por conta da abertura do canal de sensibilidade próprio
ao médium, o qual encontra-se ainda em “estado bruto”, transitando da
inconsciência à consciência. Aliás, adimos que a grande maioria dos seres humanos transitam em estados mediúnicos mais ou menos acentuados, entretanto,
por conta destes ainda estarem situados numa vivência inconsciente, embora o sujeito
ressinta-se de seus efeitos, seu comportamento apontar-se-á como algo doentio e inquietante em determinados aspectos, influenciando sua saúde física e emocional.
Lembramos, novamente, não ser a Mediunidade a causa dos
processos de perturbação vividos pelo médium, no entanto, esta funcionará como
elemento amplificador destes estados.
À medida em que o indivíduo/médium apercebe-se e toma conhecimento de seus "estados mediúnicos", buscando dar-lhe significado proveitoso, ao mesmo tempo em que acerca-se de sua realidade, suas elaborações poderão tornar-se, aos poucos, integradas à sua consciência, facultando o amadurecimento de sua condição psicológica e o aprimoramento de sua Individualidade Espiritual.
A apreensão dos registros e experiências que podem
integrar-se na consciência do médium, ao longo de sua vivência mediúnica, é de
caráter profundamente particular e não pode ser explicada em sua totalidade
utilizando-nos da racionalidade e intelectualidade. Não pode ser transmitida e
abarcada por conceitos, conforme nos diz Otto (2005), ao referir-se às
experiências religiosas profundas:
“Em boa verdade não se transmite no sentido próprio da palavra: não pode
ensinar-se, apenas se pode fazer despertar no espírito. Por vezes diz-se a
mesma coisa da religião em geral e no seu conjunto. Mas é um erro. Muitos
elementos que contém podem ensinar-se,
isto é, transmitir-se por meio de conceitos, traduzir-se numa forma didática,
exceto precisamente o sentimento que lhe serve de fundo e de infra-estrutura.
Só pode ser provocado, excitado, despertado”.
Ainda segundo Otto, a transição dos conteúdos próprios do fenômeno espiritual colocam-se numa relação entre elementos racionais e irracionais. O equilibrio entre ambos os elementos mantém a possibilidade latente das vivências religiosas profundas (irracionais), significando-as de maneira a não perderem-se na irracionalidade total, mergulhando-as no fanatismo.

Toda essa gama de conteúdos que acessam à consciência do indíviduo, manifestando-se por meio de símbolos (nos sonhos e nos estados de transe, por exemplo), contém em si registros de todas as experiências que a Individualidade realizou no seu périplo de desenvolvimento como Espírito, os quais afiguram-se-lhe como sendo as chaves que abrirão as portas interiores do Si para o desvendar de suas necessidades de (re)ajuste perante a Vida, bem como de suas infinitas possibilidades de realização e felicidade.
Salientamos que a experiência do transe de Incorporação, conforme trata a proposta do presente texto, envolve a integralidade da percepção psíquica e mental, bem como dos sentidos físicos (corpo).
No processo de iniciação (desde a educação mediúnica até a coroação) o “corpo” como sujeito da experiência objetiva do transe, modifica sua forma e significação.
É um processo natural que passará a desenvolver-se na vida cotidiana do adepto, o qual iniciará uma nova condição perceptiva de sua realidade espiritual. A relação com o corpo é a primeira etapa, a qual estará presente e participará de todas as demais, passíveis de desenvolverem-se no futuro (vivências psíquicas e mentais de caráter profundo). Sempre as sensações corporais acompanharão a vida mediúnica do indivíduo.
Será por meio do corpo que o indivíduo perceberá as influências recebidas do mundo espiritual, num primeiro momento. Sensações variadas e ao mesmo tempo envolventes permitem que este identifique seus estados mediúnicos, fomentando sua frequência ao templo religioso, com a finalidade de praticar e educar-se na vivência do transe.
Adiante neste processo de Ascensão da Consciência, realiza-se a construção da Identidade do adepto, a qual situa-se em diferentes contextos (individual, espiritual, social e ritual). Ou seja, ao longo da vida como médium nas lides de Umbanda, o indivíduo constituirá uma relação de identidade própria. Identidade essa que permanecerá vinculada a sua percepção do corpo, pois é direcionada para o sentido de sacralização deste. Nos ritos iniciáticos, o médium vê que seu corpo, aos poucos, é convergido para a relação com o mundo espiritual, devido a vinculação de "partes simbólicas" fundamentais na vivência subjetiva do indivíduo, com as entidades espirituais que lhe servem de Guias e Protetores. O "dono da cabeça", o "dono das mãos", etc., são termos que surgem da experiência simbólica, psiquica e espiritual vividas pelo médium ao longo do seu processo de iniciação. Tal processo tem como caráter a expansão da consciência mediúnica na relação com o mundo espiritual e a sua consequente sensopercepção por meio das estruturas orgânicas, pelas quais manifesta-se o espírito encarnado (médium).
Primeiramente, por reconhecer-se como Espírito em relações diversas com o mundo espiritual. De igual forma, o médium também definirá sua pertença ritual, onde terá "assentados" (firmados) os seus Orixás, Guias e Protetores, com nomes, pontos e firmezas estabelecidos, bem como verificar-se-á a sua identificação social, como sujeito participante de uma coletividade específica (do templo religioso, o terreiro), com cujos demais membros este comungará e trocará irradiações (em sua coroa mediúnica) colhendo em campo íntimo todo o Bem a que se proponha doar de Si.
Conforme sua jornada mediúnica junto aos Guias e Protetores da Corrente Astral de Umbanda, o médium irá assenhoreando-se de um grau de percepção maior a respeito de sua condição espiritual, na qual o Orixá (e seu preposto, o chamado guia-de-frente) traduz-se, pela mística de Umbanda, como sendo a realidade última do próprio espírito/médium. Ou seja, o médium adquirirá consciência de que ele é o próprio Orixá e que sua essencialidade divina encontra-se no seu interior, por cujos influxos destes conteúdos de caráter numinoso este poderá ascender às esferas maiores do mundo espiritual.

A relação com o Outro, o qual apresenta-se como Individualidade Espiritual e Transcendente, portanto, à parte do psiquismo do médium, encaminha a possibilidade de entendermos a Divindade não como um Ente desvinculado do que somos, mas, ao contrário, como estando também em nós a essencialidade divina, a qual propicia-nos galgar os degraus desta "escada de Jacó" cuja escalada nos alçará aos níveis mais amplos e plenos de entendimento da Vida e de nossa realidade existencial como Espíritos Imortais, constituindo parte do Divino.
Saravá a todos!
Bárbara, Rosamaria (2002). A Dança das Aiabás (tese de
doutorado)
Rotta, Raquel Redondo (2010). Espíritos da mata: sentido e alcance psicológico do uso ritual de cabolcos na Umbanda (tese de mestrado)
Leme, Fabio Ricardo (2006). O uso do imaginário nos estudos afro-brasileiros e no culto umbandista (tese de mestrado)
Otto, Rudolf (2005). O Sagrado
James, William (1995). As variedades da experiência religiosa
Jung, C.G (1993). O Homem e seus Símbolos
Rotta, Raquel Redondo (2010). Espíritos da mata: sentido e alcance psicológico do uso ritual de cabolcos na Umbanda (tese de mestrado)
Leme, Fabio Ricardo (2006). O uso do imaginário nos estudos afro-brasileiros e no culto umbandista (tese de mestrado)
Otto, Rudolf (2005). O Sagrado
James, William (1995). As variedades da experiência religiosa
Jung, C.G (1993). O Homem e seus Símbolos
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