Por: Gregorio Lucio
Nós tomamos lições da Vida e evoluímos interiormente “pelo amor ou pela dor”.
“Pelo Amor ou pela Dor”.
Esse termo é muitíssimo falado e conhecido no meio espiritualista, notadamente, tendo sua origem na cultura espírita-cristã aqui no Brasil.
Refletindo a respeito do assunto, gostaria de tecer alguns comentários a respeito dessa máxima e, também, propôr aos amigos alguns momentos de meditação a respeito, servindo-nos de um referencial um pouco mais psicológico do tema em questão.
Digo isso porque muitas vezes interpretamos esse ensinamento derivando nosso olhar para o fato de que muitas vezes nos recusamos, diante das mais variadas provações da vida, a aprendermos a lidar com elas nos utilizando das melhores “virtudes” de que podemos dispôr. Isso sempre nos leva a uma interpretação exclusivamente Moral da nossa maneira de agir ou re-agir a uma dada dificuldade (interna ou externa) e nos faz pensar em questões de “certo” ou “errado”.
Contudo, em se tratando de uma abordagem humanística, a qual desejo compartilhar com os amigos, essa não é a maneira mais eficiente de se pensar a questão. O aspecto moral, muitas vezes, nos castra e nos conduz a um sentimento de culpa e de auto-punição por não sabermos lidar com aquilo que ainda não nos sentimos capazes ou do que ainda desconhecemos em nós. A interpretação puramente moral (muito comum nos ambientes religiosos, embora a sua validade), sempre nos limita a compreensão mais ampla acerca daquilo que envolva a realidade humana.
Entendemos, com isso, que lidar com as dificuldades servindo-nos da paciência, da tolerância, da compreensão, da disciplina, da fé e da oração, trabalhando ativamente e esperando com serenidade a resolução dos problemas, é passar pela experiência da provação e adquirir o aprendizado espiritual (amadurecimento) “pelo amor”. De outra forma, lidar com os obstáculos existenciais (sejam dificuldades externas a nós, ou nossas limitações interiores) por meio da revolta, da inconformação, da ansiedade descontrolada, do pessimismo, da agressividade, ou apelando para mecanismos doentios e externos para a fuga da realidade (cigarro, bebida, alimentação em excesso, gastos compulsivos, etc.) nos liga ao processo da “dor”, a qual advirá, sempre, mas também com a finalidade de nos trazer aprendizados, embora de maneira muito mais demorada e, invariavelmente, nos exigindo que refaçamos as lições e passemos pela prova por uma segunda vez (ou mais, até que consigamos passar por elas).
Enquanto nos demoramos, ignorando ou resistindo às necessidades de mudança na nossa maneira de olhar a nós mesmos e, consequentemente, a vida que nos cerca, colhemos os frutos, muitas vezes amargos, como pagamento da condição em que nos encontramos. Enfermidades variadas, crises financeiras, desemprego, dificuldades afetivas. Partes de sua causa (quando não, sua totalidade) estão enraizadas no desajuste e na inconsciência que detemos acerca de nossas próprias necessidades e potenciais íntimos, os quais permanecem, por longo tempo, imersos em nossa sombra psicológica.
Não quero que os amigos entendam a “sombra psicológica” como a presença do Mal, em nós. Não é isso. Embora seja verdade que todos nós, na condição de seres humanos, estamos ligados a essa dualidade existencial, carregando o Bem e o Mal em nosso íntimo. Independente se aceitamos isso ou não. Mas, a sombra psicológica não se refere a uma mera questão moral (bem ou mal). A sombra psicológica refere-se a tudo aquilo (de bom ou “não tão bom”) que permanece desconhecido ou reprimido em nós mesmos. Isso inclui conflitos, traumas, idéias ou desejos reprimidos, frustrações, lembranças desagradáveis, assim como, potenciais desconhecidos, qualidades não descobertas, faces da nossa personalidade ainda não exploradas, o nosso “vir-a-ser”.
Quando não conseguimos “jogar luz” sobre esses conteúdos que estão em nossa sombra, permanecemos ignorando-os. Entretanto, o fato de os ignorarmos não significa que eles não nos influenciam ou, até mesmo, determinam muito da nossa maneira de ser, de agir ou re-agir perante tudo aquilo que “mexe com a gente”.
Os conteúdos psicológicos perturbadores que carregamos possuem cargas emocionais de grande força para orientar as nossas reações diante das situações e das pessoas com quem lidamos e, muitas das vezes, nos impelem na direção de adotarmos as piores entre as reações possíveis (pessimismo, tristeza, agressividade, compulsão, etc.), obscurecendo nossa capacidade de escolhermos as melhores (serenidade, compreensão, esperança, etc.). Naturalmente, essas reações são mecanismos espontâneos de “defesa” e possuem a finalidade de nos proteger do contato “direto” com faces da nossa realidade psicológica interior, perante as quais ainda nos encontramos imaturos para lidar.
E, enquanto não tornarmos esses conteúdos conscientes, trazendo-os, um a um, para o centro da nossa consciência, identificando-os, refletindo a respeito de suas origens e de que forma eles estão afetando nossa vida, eles permanecerão lá, no nosso “porão” interior, mas como forças ativas que ficam “empurrando” sem parar a nossa mente, cada vez com mais intensidade (e causando mais sofrimento). Por isso, não devemos nos olhar com repreensão e punição quando não conseguimos agir da melhor forma possível. Devemos, reconhecer nossas reações e compreender as que são “legais” e as que não nos fazem bem e, aos poucos, irmos substituindo-as por outras saudáveis. É um processo de re-educação e de auto-consciência. Sempre respeitando nossos limites, embora sem nos acomodarmos com eles (os limites).
Mesmo os conteúdos positivos, enquanto permanecem na sombra, também causam estados perturbadores, pois eles estão, assim como os demais conteúdos psíquicos, impulsionando a sua liberação, o seu reconhecimento, mas como permanecem nessa zona obscura de nosso íntimo, eles geram estados de apreensão e de angústia, até que sejam, enfim, liberados pela consciência e possamos deles nos apropriar. Nesse ínterim, todos eles estão lá, chocando-se contra as “paredes” do nosso inconsciente, tentando subir à superfície, até o dia em que tomemos a decisão de os encarar, “iluminá-los” e diluí-los, para que sejam transformados em energias renovadoras para a nossa saúde emocional e espiritual.
Sinceramente, não há outro caminho. Não há religião, mediunidade, caridade, apometria, trabalho espiritual, vela, passe, benzimento, banho de mar, crucifixo, patuá, descarrego, que possa resolver. Nossas crenças e nossa religiosidade são importantes e tem o papel comprovado de aliviar as tensões interiores, mas nunca o de resolvê-las. Trocar de carro, de casa, namorado(a), esposa(o), a marca do cigarro ou a dose de bebida, também não resolve. Nada. Tudo isso, embora digno de respeito, é infrutífero, possuindo resultados apenas superficiais.
Somente quando há o esforço e a vontade de encarar a si mesmo, auto-analisar-se, e modificar o olhar sobre a sua realidade interior é que o indivíduo torna-se capaz de produzir a iluminação psicológica e espiritual. E, se sozinho não sou capaz de fazê-lo, nada mais justo que buscar apoio psicológico diretamente com um profissional, o qual pode ajudar a facilitar esse processo de auto-descoberta. Procurar um médico (do clínico geral ao psiquiatra) diante da enfermidade, sempre. Grupos de meditação (desde que sérios, como a Brahma Kumaris), de apoio terapêutico e a constelação familiar, também são válidos. Não há mal nenhum nisso. Psicólogo, analista, etc., não são “para loucos”. São, justamente, para “não ficar louco”.
O “amor ou a dor” nos levam para o amadurecimento, invariavelmente. Tudo isso porque eles são recursos que estão em nós por ação da Lei de Progresso (Lei da Evolução Espiritual), a qual se encontra “escrita” nas estruturas da nossa consciência. Não nos esqueçamos de que todas as Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. As Leis Divinas, em verdade, não estão em livros, em templos religiosos, em práticas formais da relação com Deus. Essas são expressões sociais, sempre respeitáveis, naturalmente, dessa relação que cada um deve, intimamente, estabelecer com o Sagrado, independente do local, da roupa, da situação ou de qualquer circunstância exterior em que estejamos. Por que, tudo que é externo nós podemos mascarar, driblar, “fazer parecer”. Mas, das Leis Divinas que estão insculpidas em nosso mundo interior, as quais nos ligam diretamente ao Divino, dessas nós não podemos fugir.
Não há destinação ou determinismo para continuarmos sendo sempre o que somos, com os mesmos hábitos, mesma conduta e a mesma maneira de nos colocarmos diante da vida. A vida nos impulsiona para, mesmo sem querermos, lidarmos com nossas facetas desajustadas afim de que as resolvamos e nos libertemos as algemas que criamos durante os períodos de inconsciência. Da mesma forma, enquanto fazemos esse processo de limpeza e reorganização interior, a Lei de Progresso nos possibilita identificar muitos traços positivos e saudáveis que também estão em nós (não são externos e nem fruto de nenhuma Graça Divina), mas até o momento não reconhecidos.
Jesus Cristo, quando afirma, em João 10:34 “Vós sois Deuses”, deixou gravado justamente que o nosso “vir-a-ser” está contido em nós mesmos. Não é o resultado de uma força externa, mas a conquista de um esforço interior que cada um deve empreender para o seu próprio amadurecimento e sua própria ascensão. Não temos como renunciar ou escapar a isso. Ninguém fará por nós. Em nenhum lugar, em nenhuma religião, com nada que seja externo a nós mesmos. Aliás, nem Ele o fez. Por isso estamos aqui, mais de 2.000 anos depois, ainda tentando acertarmos essa lição.
Que o Mestre Divino esteja conosco, sempre.
Fraternalmente.
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