quinta-feira, 28 de julho de 2011

Práticas Rito-Liturgicas na Umbanda


Por: Gregorio Lucio

Iremos agora explanar, de maneira simples e resumida, a respeito das práticas rito-liturgicas no templo de Umbanda.

Adiantamos que não iremos tratar aqui de modelos de rituais, estabelecer cronogramas e procedimentos, pois isso é dado e cabe a cada templo umbandista e aos seus dirigentes, os quais certamente dispõem de amplos conhecimentos e vivência para estabelecê-los.


Nosso objetivo será o de tratar reflexivamente a questão ritualística e da liturgia na prática Umbandista, ressaltando seus objetivos, suas consequências espirituais e social-coletiva. Para isso, iremos pautar-nos nos "ditos e escritos" de proeminentes umbandistas e pesquisadores, cujas obras estão citadas ao fim deste post.


Primeiramente gostaríamos de considerar o ritual como sendo a práxis fundamental para agregar, em torno de um objetivo específico, as idéias, pensamentos e o comportamento da coletividade presente no rito. Por sua vez, a liturgia (fechando assim o binômio rito-liturgia) implica em todo o proceder por parte dos adeptos, o qual viabiliza o cumprimento e a eficácia do rito. A liturgia seria constituída por determinados gestos, palavras, rezas,  roupas, aparatos e posturas corporais, e até mesmo o comportamento subjetivo (indicando concentração, mentalização, silêncio, respeito, reciprocidade, etc) realizados dentro do ritual.

Pois bem, toda a prática rito-litúrgica na Umbanda possui 3 aspectos sobre os quais esta se fundamenta, quais sejam:

1º Preparatória;
2º Atração de Forças;
3º Movimentação destas Forças segundo o objetivo visado.

Para que possamos cumprir um dado objetivo faz-se necessário cumprir uma série de práticas e um cronograma pré-estabelecido, a fim de sairmos de uma condição inicial e realizemos o que nos propomos a fazer. Em cima desta premissa é que se assentam os vários ritos presentes e verificáveis no universo Umbandista.

Dito isso, focamos a necessidade da prática rito-liturgica como fundamental para o estabelecimento e a propagação da tradição umbandista. As tradições umbandistas, dentro de sua respeitável diversidade, estão ligadas diretamente ao processo rito-liturgico. A tradição é a consequencia imediata da vivência e da prática do rito ao longo do tempo, por meio do qual são ressignificados e transmitidos os princípios velados pelas Leis de Umbanda, de geração a geração, de sacerdote/sacerdotisa ao iniciado, do mestre ao aluno.

Como afirmaria Émile Durkheim, um dos baluartes da sociologia moderna: "O culto não é simplesmente um sistema de símbolos pelos quais a fé se traduz exteriormente; é o meio pelo qual ela se cria e se recria periodicamente. Consistindo em operações materiais ou mentais, ele é sempre eficaz".

Ainda considerando a vivência do rito, no seu aspecto social/coletivo devemos considerar o indivíduo como portador de uma identidade divina, a qual não se caracterizaria por um individualismo exclusivista; mas uma  identidade vivida e integrada ao contexto coletivo religioso. No rito religioso, o indivíduo assume o "divino" interior, estabelecendo um contato próximo com a Divindade. Na Umbanda, essa experiência "mística" dar-se-á pelo transe mediunista, no qual o sujeito-médium comunga com seu orixá (aspecto manifesto da Divindade) por intermédio de seu Guia, sua "entidade de frente", seu "pai-de-cabeça", o qual funciona como um mediador, manifestador e regulador dos aspectos mais profundos e pulsantes da inter-relação homem/Orixá e médium/Espírito Guia.

Chegamos agora no aspecto espiritual da vivência rito-litúrgica. A importância da consciência religiosa por parte do adepto umbandista deve comportar esse ângulo de visão e compreensão da realidade espiritual, pois somente assim este poderá ampliar e aprofundar sua vivência e sabedoria dentro das Leis de Umbanda, e obviamente colherá melhores e mais frutos abençoados ao longo de sua jornada espiritual.

Considerando que nos dias de rito, notadamente, as irradiações do Orixá começam a se estreitar e entrelaçar com as do médium de maneira mais profunda pelo menos 7 horas antes dos trabalhos, as práticas de preparação do médium antes das giras, como sejam os "banhos de defesa", a introspecção, o cultivo da oração, a abstenção de determinados hábitos e vícios, são fundamentais para que o adepto possa romper as barreiras interiores, inconscientes, de maneira a emergir a força arquetípica e espiritual de seu Orixá regente, e essa confluência de forças possa resultar em processos de saúde, de prosperidade, de maturidade emocional e vitalidade perante a vida. É assim também que o médium pode, de maneira prática e patente, aprofundar seus estados de transe e assim aos poucos eliminar a dúvida do "eu ou não-eu" durante a prática mediunista.

Adicionalmente, todos os templos umbandistas sérios e com compromissos fundamentados na relação com os Mentores e Guias Luminares da Umbanda, possui toda uma estrutura espiritual, localizada obviamente na dimensão extrafísica, a qual comporta e atinge uma esfera exterior muito maior do que os limites físicos do templo. Dentro desta dimensão estão inseridas uma série de energias polivalentes e poderosas, as quais serão movimentadas no momento do rito a benefício de todos os presentes e de tantos outros distantes, seja espacial ou dimensionalmente. A quantidade de Espíritos associados ao rito, seja na condição de orientadores e amparadores, seja na condição de doentes em tratamento supera em muito a quantidade de encarnados presentes no dia de trabalho.

Sendo assim, toda a dedicação e carinho, além do respeito e da seriedade, com os quais os médiuns possam revestir-se, serão sempre fatores fundamentais para o bom andamento e para a eficácia dos trabalhos espirituais, em benefícios de todos!

Saravá!

Bibliografia Consultada:
Almeida, Paulo Newton de (2009). Umbanda A Caminho da Luz
d'Ávila, Rogério / Omena, Maurício (2006). Umbanda e seus graus iniciáticos
Durkheim, Émile (1996). As formas elementares da Vida Religiosa.
Matta e Silva, W.W da (2009). Umbanda de Todos Nós
Oliveira, Etiene Sales de (2005). Umbanda de Pretos-Velhos: A tradição popular de uma religião.
Rivas Neto, Francisco (2002). UMBANDA A Proto-Síntese Cósmica
Saraceni, Rubens (2004). Código de Umbanda

5 comentários:

  1. Excelente iniciativa, Gregório. Texto muito bem escrito!

    Sobre a questão do "Eu ou Não-Eu", o pensamento que me agrada é "Eu e Não-Eu", pois o trabalho de incorporação é feito na cooperação do médium com seus guias. Tentar dissernir quem é o responsável pelo que no momento da incorporação é secundário ao que se propõe a fazer enquanto incorporado, que é tentar promover o bem e a caridade, e não deveria desviar o médium desse objetivo.

    Tive um pouco de dificuldade de ler as letras azuis com a foto de fundo.

    Grande abraço.

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  2. Olá Vicente,

    Obrigado pela sua análise.

    A idéia do blog é justamente a de contribuir para uma reflexão crítica e incentivar uma consciência religiosa fundamentada em conceitos basilares de nossas práticas Umbandistas.

    A sua colocação em torno do "Eu e Não-Eu" é perfeita. Acontece que essa percepção colocada por você, é reflexo do indivíduo que já transcendeu ao "conflito primordial" da prática do mediunismo de umbanda (deve ser seu caso, certamente), e entendeu que a relação médium/guia é justamente a confluência das duas identidades que comungam entre si a experiência mediúnica, o que não implica na negação de uma das partes.

    A respeito das letras do blog, como pode ver mudei a sua aparência, espero que agora esteja mais fácil de ler e entender.

    Em breve colocarei mais textos. Espero contar com sua análise e sua crítica.

    Abs!

    Gregorio

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  3. Oi Gregório,

    Vicente me mostrou o blog e já comecei a ler, gostei bastante deste texto e vou ler os outros agora, muito legal as referências também, que eu não conhecia :)
    Parabéns e continue escrevendo, vamos acompanhar.

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  4. Obrigado Cris,

    Espero que possa ser útil para vocês.

    Att

    Gregorio

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  5. Vendo essa imagem achei que fosse um reteté na assembléia de Deus. Com todo respeito aos dois ritos. Como acho interessante e nossa Gigantesca diversidade cultural e ritualistica, ao ponto de termos uma convergência de ritos cuja origem são totalmente divergêntes. Comparo aqui com o conceito de convergência evolutiva da biologia.

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