Por: Gregorio Lucio
Iremos agora explanar, de maneira simples e resumida, a respeito das práticas rito-liturgicas no templo de Umbanda.
Adiantamos que não iremos tratar aqui de modelos de rituais, estabelecer cronogramas e procedimentos, pois isso é dado e cabe a cada templo umbandista e aos seus dirigentes, os quais certamente dispõem de amplos conhecimentos e vivência para estabelecê-los.
Nosso objetivo será o de tratar reflexivamente a questão ritualística e da liturgia na prática Umbandista, ressaltando seus objetivos, suas consequências espirituais e social-coletiva. Para isso, iremos pautar-nos nos "ditos e escritos" de proeminentes umbandistas e pesquisadores, cujas obras estão citadas ao fim deste post.
Primeiramente gostaríamos de considerar o ritual como sendo a práxis fundamental para agregar, em torno de um objetivo específico, as idéias, pensamentos e o comportamento da coletividade presente no rito. Por sua vez, a liturgia (fechando assim o binômio rito-liturgia) implica em todo o proceder por parte dos adeptos, o qual viabiliza o cumprimento e a eficácia do rito. A liturgia seria constituída por determinados gestos, palavras, rezas, roupas, aparatos e posturas corporais, e até mesmo o comportamento subjetivo (indicando concentração, mentalização, silêncio, respeito, reciprocidade, etc) realizados dentro do ritual.
Pois bem, toda a prática rito-litúrgica na Umbanda possui 3 aspectos sobre os quais esta se fundamenta, quais sejam:
1º Preparatória;
2º Atração de Forças;
3º Movimentação destas Forças segundo o objetivo visado.
Para que possamos cumprir um dado objetivo faz-se necessário cumprir uma série de práticas e um cronograma pré-estabelecido, a fim de sairmos de uma condição inicial e realizemos o que nos propomos a fazer. Em cima desta premissa é que se assentam os vários ritos presentes e verificáveis no universo Umbandista.
Dito isso, focamos a necessidade da prática rito-liturgica como fundamental para o estabelecimento e a propagação da tradição umbandista. As tradições umbandistas, dentro de sua respeitável diversidade, estão ligadas diretamente ao processo rito-liturgico. A tradição é a consequencia imediata da vivência e da prática do rito ao longo do tempo, por meio do qual são ressignificados e transmitidos os princípios velados pelas Leis de Umbanda, de geração a geração, de sacerdote/sacerdotisa ao iniciado, do mestre ao aluno.
Como afirmaria Émile Durkheim, um dos baluartes da sociologia moderna: "O culto não é simplesmente um sistema de símbolos pelos quais a fé se traduz exteriormente; é o meio pelo qual ela se cria e se recria periodicamente. Consistindo em operações materiais ou mentais, ele é sempre eficaz".
Ainda considerando a vivência do rito, no seu aspecto social/coletivo devemos considerar o indivíduo como portador de uma identidade divina, a qual não se caracterizaria por um individualismo exclusivista; mas uma identidade vivida e integrada ao contexto coletivo religioso. No rito religioso, o indivíduo assume o "divino" interior, estabelecendo um contato próximo com a Divindade. Na Umbanda, essa experiência "mística" dar-se-á pelo transe mediunista, no qual o sujeito-médium comunga com seu orixá (aspecto manifesto da Divindade) por intermédio de seu Guia, sua "entidade de frente", seu "pai-de-cabeça", o qual funciona como um mediador, manifestador e regulador dos aspectos mais profundos e pulsantes da inter-relação homem/Orixá e médium/Espírito Guia.
Chegamos agora no aspecto espiritual da vivência rito-litúrgica. A importância da consciência religiosa por parte do adepto umbandista deve comportar esse ângulo de visão e compreensão da realidade espiritual, pois somente assim este poderá ampliar e aprofundar sua vivência e sabedoria dentro das Leis de Umbanda, e obviamente colherá melhores e mais frutos abençoados ao longo de sua jornada espiritual.
Considerando que nos dias de rito, notadamente, as irradiações do Orixá começam a se estreitar e entrelaçar com as do médium de maneira mais profunda pelo menos 7 horas antes dos trabalhos, as práticas de preparação do médium antes das giras, como sejam os "banhos de defesa", a introspecção, o cultivo da oração, a abstenção de determinados hábitos e vícios, são fundamentais para que o adepto possa romper as barreiras interiores, inconscientes, de maneira a emergir a força arquetípica e espiritual de seu Orixá regente, e essa confluência de forças possa resultar em processos de saúde, de prosperidade, de maturidade emocional e vitalidade perante a vida. É assim também que o médium pode, de maneira prática e patente, aprofundar seus estados de transe e assim aos poucos eliminar a dúvida do "eu ou não-eu" durante a prática mediunista.
Adicionalmente, todos os templos umbandistas sérios e com compromissos fundamentados na relação com os Mentores e Guias Luminares da Umbanda, possui toda uma estrutura espiritual, localizada obviamente na dimensão extrafísica, a qual comporta e atinge uma esfera exterior muito maior do que os limites físicos do templo. Dentro desta dimensão estão inseridas uma série de energias polivalentes e poderosas, as quais serão movimentadas no momento do rito a benefício de todos os presentes e de tantos outros distantes, seja espacial ou dimensionalmente. A quantidade de Espíritos associados ao rito, seja na condição de orientadores e amparadores, seja na condição de doentes em tratamento supera em muito a quantidade de encarnados presentes no dia de trabalho.
Sendo assim, toda a dedicação e carinho, além do respeito e da seriedade, com os quais os médiuns possam revestir-se, serão sempre fatores fundamentais para o bom andamento e para a eficácia dos trabalhos espirituais, em benefícios de todos!
Saravá!
Bibliografia Consultada:
Almeida, Paulo Newton de (2009). Umbanda A Caminho da Luz
d'Ávila, Rogério / Omena, Maurício (2006). Umbanda e seus graus iniciáticos
Durkheim, Émile (1996). As formas elementares da Vida Religiosa.
Matta e Silva, W.W da (2009). Umbanda de Todos Nós
Oliveira, Etiene Sales de (2005). Umbanda de Pretos-Velhos: A tradição popular de uma religião.
Rivas Neto, Francisco (2002). UMBANDA A Proto-Síntese Cósmica
Saraceni, Rubens (2004). Código de Umbanda
Excelente iniciativa, Gregório. Texto muito bem escrito!
ResponderExcluirSobre a questão do "Eu ou Não-Eu", o pensamento que me agrada é "Eu e Não-Eu", pois o trabalho de incorporação é feito na cooperação do médium com seus guias. Tentar dissernir quem é o responsável pelo que no momento da incorporação é secundário ao que se propõe a fazer enquanto incorporado, que é tentar promover o bem e a caridade, e não deveria desviar o médium desse objetivo.
Tive um pouco de dificuldade de ler as letras azuis com a foto de fundo.
Grande abraço.
Olá Vicente,
ResponderExcluirObrigado pela sua análise.
A idéia do blog é justamente a de contribuir para uma reflexão crítica e incentivar uma consciência religiosa fundamentada em conceitos basilares de nossas práticas Umbandistas.
A sua colocação em torno do "Eu e Não-Eu" é perfeita. Acontece que essa percepção colocada por você, é reflexo do indivíduo que já transcendeu ao "conflito primordial" da prática do mediunismo de umbanda (deve ser seu caso, certamente), e entendeu que a relação médium/guia é justamente a confluência das duas identidades que comungam entre si a experiência mediúnica, o que não implica na negação de uma das partes.
A respeito das letras do blog, como pode ver mudei a sua aparência, espero que agora esteja mais fácil de ler e entender.
Em breve colocarei mais textos. Espero contar com sua análise e sua crítica.
Abs!
Gregorio
Oi Gregório,
ResponderExcluirVicente me mostrou o blog e já comecei a ler, gostei bastante deste texto e vou ler os outros agora, muito legal as referências também, que eu não conhecia :)
Parabéns e continue escrevendo, vamos acompanhar.
Obrigado Cris,
ResponderExcluirEspero que possa ser útil para vocês.
Att
Gregorio
Vendo essa imagem achei que fosse um reteté na assembléia de Deus. Com todo respeito aos dois ritos. Como acho interessante e nossa Gigantesca diversidade cultural e ritualistica, ao ponto de termos uma convergência de ritos cuja origem são totalmente divergêntes. Comparo aqui com o conceito de convergência evolutiva da biologia.
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