Por: Gregorio Lucio
A mediunidade é uma potência humana, conquista e patrimônio de todos os homens, sem distinção, encarnados no planeta Terra. Eis que esta sublime faculdade reside no interior de cada um, necessitando ser observada, estudada e vivenciada para que seu detentor tome consciência de sua realidade e possa identificar quais os rumos deverá dar-lhe para que forneça experiências de enriquecimento pessoal, por meio do contato salutar que poderá fruir dos Guias e Protetores, com os quais estreitará relações e ampliará seu círculo de afinidades espirituais, coroando-lhe o ministério desenvolvido.
Temos lido, em obras umbandistas, a respeito das características especificas dos médiuns de Umbanda, numa tentativa de diferenciá-los, em termos de atuação com o mundo espiritual, daqueles médiuns ditos "kardecistas".
Gostaríamos, neste post, de colaborar com algumas colocações, compartilhando nosso ponto de vista a respeito deste tema, servindo-nos, para isso, de nossa experiência particular como médium e estudioso da Doutrina Espírita.
Reportando-nos ao que tratam os autores umbandistas (e outros que embora não sendo umbandistas, pretendem falar sobre), em seu enfoque destinado a qualificar e especificar a atuação do médium de Umbanda, temos que este seria destinado, desde antes de sua encarnação atual, ao compromisso com os Guias e Protetores da Corrente Astral de Umbanda, e suas atribuições seriam, pontualmente, a de atuar principal e diretamente no "combate" ao sub-mundo astral, no desmanche de magias e feitiços de caráter negativo e, ainda segundo o ponto de vista de alguns, como "enfermeiro" para resolução de problemas graves (geralmente na área da saúde física) desacreditados por outros setores da assistência humana, ou ainda na resolução de processos avançados e complicados de obsessão espiritual para os quais outros setores religiosos não lograram sucesso.
Enquanto isso, os médiuns "kardecistas" estariam destinados ao trabalho da orientação moral àqueles que buscam seus núcleos espiritistas e do esclarecimento espiritual aos espíritos menos esclarecidos, doentes e perturbadores.
Ainda segundo a visão destes autores, os médiuns de nossas correntes seriam preparados no Astral de maneira especial, com "acréscimos de energias" sobre seus corpos espirituais, de maneira que possam fornecer os elementos necessários para que os Guias e Protetores efetuem seus trabalhos e manipulem as energias do médium com vistas a cumprir os atos magísticos, os quais constituem as principais ferramentas e recursos para a prática mediunista na Umbanda.
Cremos, de nossa parte, haver uma certa tendência por parte destes escritores de valorizar e diferenciar o trabalho do médium umbandista, para isso buscando atribuir-lhe significados e funções que, embora não sejam equivocadas, não refletem uma realidade total a respeito de suas possibilidades de trabalho espiritual e campo de atuação religiosa.
Entendemos a tentativa nobre de preservar as práticas umbandistas, no entanto reconhecemos que estas especificações tendem a esvaziar o significado profundo da vivência mediúnica e subjetiva dentro das Leis de Umbanda, por parte daquele que busca integrar-se às suas fileiras com o objetivo de vivenciar sua religiosidade de uma maneira mais ampla.
Primeiramente devemos colocar que os médiuns umbandistas lidam com as mais diversas faixas e graduações de energias, bem como de inteligências do mundo espiritual, e não somente com aquelas de caráter "denso" com predominância da materialidade, etc. Sendo assim, estamos abertos, primordialmente, ao contato mediúnico com os Numes da espiritualidade, bem como lidamos com energias as mais sutís, embora muitas vezes nossas práticas não sejam entendidas, num todo, por parte daqueles pertencentes a outras vertentes religiosas.
Estamos enfocando essa questão, pois vemos a necessidade de reforçar que os médiuns umbandistas estão também a serviço da Espiritualidade Maior, assistidos por Espíritos dotados de esclarecimento e elevação. Notamos muitas vezes uma "cultura de marginalidade", pela qual ficou estigmatizado o conceito de que a Umbanda serviria-se, em suas práticas, de Espíritos de categorias "inferiores", ignorantes e primitivos, os quais, caso a orientação da casa fosse para a prática do Bem, estariam sujeitos à supervisão de outros Espíritos "superiores" e "esclarecidos".
No que pesem, logicamente, as relações de afinidades no círculo mediúnico, em que cada médium estará em contato com os Espíritos com os quais guarde similitudes de objetivos, pensamentos, sentimentos e conduta moral, compreendemos o valor da Umbanda e de seus Guias e Protetores como estando no mesmo nível de quaisquer outras denominações religiosas.
Se existem médiuns, dentro de nossos círculos, que estreitam relações mediúnicas com Espíritos cujas características são negativas ou perturbadoras, isso é uma questão de particularidade de conduta, e não uma regra geral, na qual possa incluir-se todo aquele praticante de nossa religião.
Bem, voltando à caracterização dos médiuns umbandistas, entendemos que estes têm suas atribuições voltadas ao trabalho espiritual refletidas no contexto cultural-religioso, no qual encontram-se. Desta forma, o praticante da Umbanda prima por louvar a Divindade dando culto aos Orixás, numa experiência de encontro com o seu universo interior, com a sua religiosidade, por meio da qual este se servirá do fenômeno mediunista para acessar a realidade espiritual e comungar desta experiência com os Guias e Protetores.
Na vivência desta experiência religiosa, este poderá, ou não, atuar em casos de "desmanche", de "desobsessões complexas", de "curas", de "demandas", etc, o que é natural, uma vez que a práxis umbandista dota-o de conhecimentos e elementos que o capacitam a isso, mas não que estas sejam o objetivo final de suas práticas.
Entendemos então, particularmente, que o objetivo do adepto umbandista é o de cultuar o Sagrado e utilizar-se do transe para comungar sua experiência interior com os Espíritos habitantes dos planos de Luz do mundo espiritual, cujo contato torna-se de plenificação, de enriquecimento e fortalecimento interiores para o entendimento da Vida e seu aprimoramento Moral e Ético.
Numa relação com os médiuns "kardecistas", não obstante toda a comparação entre duas culturas religiosas distintas seja sempre difícil e muitas vezes equivocada, a consagração de sua experiência religiosa está na comprovação da realidade "post mortem", sendo estes capacitados a colocarem suas mediunidades a serviço dos espíritos sofredores, de maneira que possam ser esclarecidos ou "doutrinados" (por intermédio da incorporação/psicofonia) a respeito de sua condição espiritual momentânea, pois muitos dos que aqui encontram-se encarnados atravessam os umbrais do mundo espiritual sem darem-se conta, muitas vezes padecendo de terríveis sofrimentos e angústias, acabando por vagar, inconscientes, nas regiões espirituais.
Em suas práticas, a mediunidade "kardecista" também destina-se a trazer mensagens consoladoras, por intermédio da psicografia, para aqueles que "perderam" seus entes queridos de formas as mais diversas. Outrossim, a mediunidade espiritista também é colocada a disposição de Guias e Protetores afins a essa denominação religiosa, os quais trazem suas mensagens de orientação e esclarecimento àqueles que lhes são simpáticos às idéias. Fora isso, o socorro por intermédio do passe reconfortante e curativo, também constitui prática corrente dentro do círculo kardequiano.
Outra questão importante ainda a ser tratada diz respeito a preparação espiritual destinada ao médium umbandista, a qual seria diferente daqueles médiuns das correntes kardecistas.
Não cremos, em absoluto, seja isso real, pois que nunca sentimos a menor diferença entre a prática da mediunidade de incorporação, tanto nos trabalhos umbandistas quanto nos kardecistas, sendo seu estado "pós-transe" sempre plenificador e gratificante, embora obviamente a destinação de cada trabalho fosse diversa.
Compreendemos, conforme fomos ampliando nossos estudos, ser a mediunidade uma capacidade de colocar-nos em ligação com o mundo espiritual, manifestando-o por meio de nosso psiquismo e organismo.
Assim, não há uma preparação especial ou condição específica que destine um médium a ser trabalhador exclusivamente da Umbanda ou do Espiritismo, a não ser aquelas de ordem psicológica (sua herança familiar, seu contexto cultural, sua dinâmica emocional, seu patrimônio espiritual trazido de outras vidas, etc), as quais influirão na escolha do indivíduo a respeito de qual denominação religiosa este irá seguir.
Ambos não constituem correntes de trabalhos estáticas perante o mundo espiritual, uma vez que a faculdade mediúnica é uma só, segundo cremos, e sua destinação estará vinculada ao rumo que seu detentor lhe entregue, considerados os fatores citados acima.
Óbvio que não pretendemos esgotar todo o assunto aqui, neste breve texto, no entanto, entendemos ser necessário tal esclarecimento para que possamos compreender que tanto os médiuns umbandistas quanto os "kardecistas" são trabalhadores de uma Causa Maior, conquanto estejam em caminhos diversos da experiência religiosa.
Não existe, portanto, um sistema hierárquico que coloque tanto uma quanto outra denominação como estando acima, sendo mais importante ou mais nobre.
Finalizando nossa reflexão de hoje, voltando ao médium umbandista, gostaríamos de reforçar a respeito da conduta interior, a qual deverá espelhar um comportamento (atitude exterior) que reflita serenidade, ética, responsabilidade e compromisso.
Os Guias e Protetores não esperam que ascendamos, como Anjos aos Céus, para que possamos estar em condições de auxiliá-los no mister mediúnico ou para que possamos travar contato com eles. No entanto, a contínua reflexão em torno de nossa conduta, a abstenção de vícios e comportamentos inconsequentes servem-nos para disciplinarmos nossos pensamentos, libertando-nos das "distrações" que tanto nos atam às atitudes infelizes, favorecendo que fortaleçamos a nossa Vontade, pois somente por este mecanismo psíquico é que podemos ampliar nossa condição de Espírito e possamos cada vez mais identificarmo-nos com as Esferas de Luz dos Mensageiros de Aruanda, sendo melhores médiuns e melhores Homens.
Que o Homem, nosso Cristo-Oxalá, neste momento, abraçe-nos a todos, traduzindo nossos votos de Paz, Amor e Felicidade!
Saravá a todos!
Bibliografia Consultada:
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda a A Proto-Sintese Cósmica
Matta e Silva, W.W. da (2010). Umbanda de Todos Nós
___________________ (2010). Umbanda e o Poder da Mediunidade
___________________ (2010). Lições de Umbanda (e quimbanda) na palavra de um preto-velho
Saraceni, Rubens (2006). O Código de Umbanda
Rotta, Raquel Redondo (2010). Mulheres Médiuns, Caboclas Espirituais (artigo científico).