segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Médium de Umbanda


Por: Gregorio Lucio

A mediunidade é uma potência humana, conquista e patrimônio de todos os homens, sem distinção, encarnados no planeta Terra. Eis que esta sublime faculdade reside no interior de cada um, necessitando ser observada, estudada e vivenciada para que seu detentor tome consciência de sua realidade e possa identificar quais os rumos deverá dar-lhe para que forneça experiências de enriquecimento pessoal, por meio do contato salutar que poderá fruir dos Guias e Protetores, com os quais estreitará relações e ampliará seu círculo de afinidades espirituais, coroando-lhe o ministério desenvolvido.

Temos lido, em obras umbandistas, a respeito das características especificas dos médiuns de Umbanda, numa tentativa de diferenciá-los, em termos de atuação com o mundo espiritual, daqueles médiuns ditos "kardecistas".

Gostaríamos, neste post, de colaborar com algumas colocações, compartilhando nosso ponto de vista a respeito deste tema, servindo-nos, para isso, de nossa experiência particular como médium e estudioso da Doutrina Espírita.

Reportando-nos ao que tratam os autores umbandistas (e outros que embora não sendo umbandistas, pretendem falar sobre), em seu enfoque destinado a qualificar e especificar a atuação do médium de Umbanda, temos que este seria destinado, desde antes de sua encarnação atual, ao compromisso com os Guias e Protetores da Corrente Astral de Umbanda, e suas atribuições seriam, pontualmente, a de atuar principal e diretamente no "combate" ao sub-mundo astral, no desmanche de magias e feitiços de caráter negativo e, ainda segundo o ponto de vista de alguns, como "enfermeiro" para resolução de problemas graves (geralmente na área da saúde física) desacreditados por outros setores da assistência humana, ou ainda na resolução de processos avançados e complicados de obsessão espiritual para os quais outros setores religiosos não lograram sucesso.


Enquanto isso, os médiuns "kardecistas" estariam destinados ao trabalho da orientação moral àqueles que buscam seus núcleos espiritistas e do esclarecimento espiritual aos espíritos menos esclarecidos, doentes e perturbadores. 

Ainda segundo a visão destes autores, os médiuns de nossas correntes seriam preparados no Astral de maneira especial, com "acréscimos de energias" sobre seus corpos espirituais, de maneira que possam fornecer os elementos necessários para que os Guias e Protetores efetuem seus trabalhos e manipulem as energias do médium com vistas a cumprir os atos magísticos, os quais constituem as principais ferramentas e recursos para a prática mediunista na Umbanda.

Cremos, de nossa parte, haver uma certa tendência por parte destes escritores de valorizar e diferenciar o trabalho do médium umbandista, para isso buscando atribuir-lhe significados e funções que, embora não sejam equivocadas, não refletem uma realidade total a respeito de suas possibilidades de trabalho espiritual e campo de atuação religiosa.

Entendemos a tentativa nobre de preservar as práticas umbandistas, no entanto reconhecemos que estas especificações tendem a esvaziar o significado profundo da vivência mediúnica e subjetiva dentro das Leis de Umbanda, por parte daquele que busca integrar-se às suas fileiras com o objetivo de vivenciar sua religiosidade de uma maneira mais ampla. 

Primeiramente devemos colocar que os médiuns umbandistas lidam com as mais diversas faixas e graduações de energias, bem como de inteligências do mundo espiritual, e não somente com aquelas de caráter "denso" com predominância da materialidade, etc. Sendo assim, estamos abertos, primordialmente, ao contato mediúnico com os Numes da espiritualidade, bem como lidamos com energias as mais sutís, embora muitas vezes nossas práticas não sejam entendidas, num todo, por parte daqueles pertencentes a outras vertentes religiosas.

Estamos enfocando essa questão, pois vemos a necessidade de reforçar que os médiuns umbandistas estão também a serviço da Espiritualidade Maior, assistidos por Espíritos dotados de esclarecimento e elevação. Notamos muitas vezes uma "cultura de marginalidade", pela qual ficou estigmatizado o conceito de que a Umbanda serviria-se, em suas práticas, de Espíritos de categorias "inferiores", ignorantes e primitivos, os quais, caso a orientação da casa fosse para a prática do Bem, estariam sujeitos à supervisão de outros Espíritos "superiores" e "esclarecidos".

No que pesem, logicamente, as relações de afinidades no círculo mediúnico, em que cada médium estará em contato com os Espíritos com os quais guarde similitudes de objetivos, pensamentos, sentimentos e conduta moral, compreendemos o valor da Umbanda e de seus Guias e Protetores como estando no mesmo nível de quaisquer outras denominações religiosas.

Se existem médiuns, dentro de nossos círculos, que estreitam relações mediúnicas com Espíritos cujas características são negativas ou perturbadoras, isso é uma questão de particularidade de conduta, e não uma regra geral, na qual possa incluir-se todo aquele praticante de nossa religião. 

Bem, voltando à caracterização dos médiuns umbandistas, entendemos que estes têm suas atribuições voltadas ao trabalho espiritual refletidas no contexto cultural-religioso, no qual encontram-se. Desta forma, o praticante da Umbanda prima por louvar a Divindade dando culto aos Orixás, numa experiência de encontro com o seu universo interior, com a sua religiosidade, por meio da qual este se servirá do fenômeno mediunista para acessar a realidade espiritual e comungar desta experiência com os Guias e Protetores.

Na vivência desta experiência religiosa, este poderá, ou não, atuar em casos de "desmanche", de "desobsessões complexas", de "curas", de "demandas", etc, o que é natural, uma vez que a práxis umbandista dota-o de conhecimentos e elementos que o capacitam a isso, mas não que estas sejam o objetivo final de suas práticas.

Entendemos então, particularmente, que o objetivo do adepto umbandista é o de cultuar o Sagrado e utilizar-se do transe para comungar sua experiência interior com os Espíritos habitantes dos planos de Luz do mundo espiritual, cujo contato torna-se de plenificação, de enriquecimento e fortalecimento interiores para o entendimento da Vida e seu aprimoramento Moral e Ético.

Numa relação com os médiuns "kardecistas", não obstante toda a comparação entre duas culturas religiosas distintas seja sempre difícil e muitas vezes equivocada, a consagração de sua experiência religiosa está na comprovação da realidade "post mortem", sendo estes capacitados a colocarem suas mediunidades a serviço dos espíritos sofredores, de maneira que possam ser esclarecidos ou "doutrinados" (por intermédio da incorporação/psicofonia) a respeito de sua condição espiritual momentânea, pois muitos dos que aqui encontram-se encarnados atravessam os umbrais do mundo espiritual sem darem-se conta, muitas vezes padecendo de terríveis sofrimentos e angústias, acabando por vagar, inconscientes, nas regiões espirituais.


Em suas práticas, a mediunidade "kardecista" também destina-se a trazer mensagens consoladoras, por intermédio da psicografia, para aqueles que "perderam" seus entes queridos de formas as mais diversas. Outrossim, a mediunidade espiritista também é colocada a disposição de Guias e Protetores afins a essa denominação religiosa, os quais trazem suas mensagens de orientação e esclarecimento àqueles que lhes são simpáticos às idéias. Fora isso, o socorro por intermédio do passe reconfortante e curativo, também constitui prática corrente dentro do círculo kardequiano.

Outra questão importante ainda a ser tratada diz respeito a preparação espiritual destinada ao médium umbandista, a qual seria diferente daqueles médiuns das correntes kardecistas.

Não cremos, em absoluto, seja isso real, pois que nunca sentimos a menor diferença entre a prática da mediunidade de incorporação, tanto nos trabalhos umbandistas quanto nos kardecistas, sendo seu estado "pós-transe" sempre plenificador e gratificante, embora obviamente a destinação de cada trabalho fosse diversa.

Compreendemos, conforme fomos ampliando nossos estudos, ser a mediunidade uma capacidade de colocar-nos em ligação com o mundo espiritual, manifestando-o por meio de nosso psiquismo e organismo.

Assim, não há uma preparação especial ou condição específica que destine um médium a ser trabalhador exclusivamente da Umbanda ou do Espiritismo, a não ser aquelas de ordem psicológica (sua herança familiar, seu contexto cultural, sua dinâmica emocional, seu patrimônio espiritual trazido de outras vidas, etc), as quais influirão na escolha do indivíduo a respeito de qual denominação religiosa este irá seguir.

Ambos não constituem correntes de trabalhos estáticas perante o mundo espiritual, uma vez que a faculdade mediúnica é uma só, segundo cremos, e sua destinação estará vinculada ao rumo que seu detentor lhe entregue, considerados os fatores citados acima.

Óbvio que não pretendemos esgotar todo o assunto aqui, neste breve texto, no entanto, entendemos ser necessário tal esclarecimento para que possamos compreender que tanto os médiuns umbandistas quanto os "kardecistas" são trabalhadores de uma Causa Maior, conquanto estejam em caminhos diversos da experiência religiosa.

Não existe, portanto, um sistema hierárquico que coloque tanto uma quanto outra denominação como estando acima, sendo mais importante ou mais nobre.


Finalizando nossa reflexão de hoje, voltando ao médium umbandista, gostaríamos de reforçar a respeito da conduta interior, a qual deverá espelhar um comportamento (atitude exterior) que reflita serenidade, ética, responsabilidade e compromisso.

Os Guias e Protetores não esperam que ascendamos, como Anjos aos Céus, para que possamos estar em condições de auxiliá-los no mister mediúnico ou para que possamos travar contato com eles. No entanto, a contínua reflexão em torno de nossa conduta, a abstenção de vícios e comportamentos inconsequentes servem-nos para disciplinarmos nossos pensamentos, libertando-nos das "distrações" que tanto nos atam às atitudes infelizes, favorecendo que fortaleçamos a nossa Vontade, pois somente por este mecanismo psíquico é que podemos ampliar nossa condição de Espírito e possamos cada vez mais identificarmo-nos com as Esferas de Luz dos Mensageiros de Aruanda, sendo melhores médiuns e melhores Homens.

Que o Homem,  nosso Cristo-Oxalá, neste momento, abraçe-nos a todos, traduzindo nossos votos de Paz, Amor e Felicidade!


Saravá a todos!

Bibliografia Consultada:
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda a A Proto-Sintese Cósmica
Matta e Silva, W.W. da (2010). Umbanda de Todos Nós
___________________ (2010). Umbanda e o Poder da Mediunidade
___________________ (2010). Lições de Umbanda (e quimbanda) na palavra de um preto-velho
Saraceni, Rubens (2006). O Código de Umbanda
Rotta, Raquel Redondo (2010). Mulheres Médiuns, Caboclas Espirituais (artigo científico).

sábado, 27 de agosto de 2011

As votividades e oferendas na Umbanda


Por: Gregorio Lucio

A Umbanda é uma religião essencialmente mágica, pois em suas práticas lida não somente com as potencialidades e faculdades humanas (sensorias e extra-sensoriais), mas também com energias de diversos tipos vinculadas a sistemas de forças fora da esfera humana, os quais encontram-se situados na natureza, seja em sua dimensão material ou astral.

"A oferenda possui, portanto, dois propósitos claros que não podem ser entendidos separadamente. O primeiro consiste no próprio ato de dar, de "oferendar" algo que deve necessariamente fazer parte do seu cotidiano, ou seja, o orixá deve ser presenteado por alguma coisa que faça parte da vida daquele que oferece o "presente", como se fosse ele mesmo quem tivesse se doando através da oferenda. Trata-se de um ato de entrega onde apresentar alguma coisa a alguém é apresentar algo de si mesmo (MAUSS, 2003: 183-314).

A contrapartida ou o segundo propósito, já descrito acima, é a transmutação de energia em benefício daquele que oferta. A transmutação aparece aqui como expressão de um "equivalente imaterial" da prática material que lhe confere poder (MILLER, 2005)".(apud Chiesa, 2011)
 

As práticas votivas e ofertórias visam, segundo cremos, propiciar que o adepto atinja a experiência do numinoso.

O termo numinoso foi criado pelo teólogo protestante Rudolf Otto, e posteriormente adotado pelo insigne Carl Gustav Jung, como um dos termos de sua Psicologia Analítica. Segundo estes, o numinoso seria um efeito dinâmico que apodera-se da consciência do indivíduo, não causado por um ato arbitrário, sendo assim independente de sua vontade. No entanto, ainda segundo estes, a religião mostra que existem causas externas ao indivíduo para que tal ocorrência se dê. Essas causas externas poderiam ser propriedades de um determinado objeto visível (elementos litúrgicos, totens, ou oferendas rituais, como é o caso em questão), ou pela ação de uma "presença invisível" (divindades, espíritos, anjos, etc), ambos produzindo uma modificação na consciência.

A consequência das experiências numinosas implicaria numa modificação positiva e ao mesmo tempo arrebatadora na conduta do indivíduo, produzindo verdadeiros marcos na história de vida de quem as tenha vivenciado.


As práticas rituais religiosas são, portanto, tentativas de provocar o efeito do numinoso na experiência do adepto. E isso pode ocorrer, pois no ato de ofertar já está implícita a condição do Sagrado, manifestado pelos elementos constitutivos da oferenda, abrindo campo para a possibilidade de contato com o divino no momento em que o adepto abre-se ao acesso a diferentes níveis de consciência.

Ao ofertar e ao cumprir votos, o adepto atua com práticas que visam sua vinculação com seu Orixá e com seus Guias e Protetores. Essa vinculação dar-se-á pela movimentação de energias sutis (irradiações) que serão atraídas e integradas no indivíduo, sempre por intermédio de elementos corpóreos e pelo próprio corpo do médium (entenda-se aqui a condição em que este realiza o trabalho de feitura da oferenda, ritualiza seus atos, cumpre resguardos, etc).

Essa prática deverá contemplar uma relação de harmonia entre a postura interior e exterior daquele que oferenda.

Mauss & Hubert (2005: 34-35), "trata-se de efetuar um ato religioso com um pensamento religioso: a atitude interna deve corresponder à atitude externa. (...) o sacrifício exige o credo, o ato implica a fé". A junção desses três elementos produzirá a magia (Chiesa, 2011).

No ato votivo ou no trabalho ofertório, vislumbramos a possibilidade de ampliar nossa ligação com aspectos transcendentes de nossas vidas, embora muitas vezes este ato também seja realizado com vistas a consecução de favores por parte das Entidades Espirituais, as quais, na Umbanda, funcionam como intermediárias das graças e bençãos dos Orixás.


A adoração na Umbanda, portanto, efetiva-se especialmente com a elaboração de oferendas, cujos seus símbolos são detentores de significados profundos, mesmo passando despercebidos ou entendidos como adereços.

Os elementos que compõem, de maneira geral, uma oferenda, são flores, frutos, legumes, velas, água, bebidas específicas, fitas, panos, imagens, tabaco, alguidares ou gamelas, entre outros.

Isso deve-se ao fato de que, tanto os negros quanto os indígenas brasileiros, eram pertencentes à culturas notadamente agrícolas e realizavam suas ofertas às suas divindades e aos seus ancestrais desencarnados, dando-lhes o resultado de seu trabalho, de suas colheitas, com a intenção de gozar do auxílio dos Deuses e dos espíritos familiares, trazendo-lhes prosperidade e saúde.

Remontando-nos ao fato de que estes personagens representam simbolicamente duas, das três principais correntes que constituem a base do corpo de trabalhadores espirituais da Umbanda, compreendemos o porquê da utilização de tais "ingredientes". Uma vez que estes Espíritos trouxeram seus signos e significados culturais para a execução de seus trabalhos, eles só poderiam operar sobre aquilo que lhes fosse pertencente ao patrimônio de experiência próprio assim como daqueles que se tornariam seus médiuns e adeptos de uma maneira geral.

Em outras palavras, os Guias e Protetores irão utilizar-se de elementos que estejam vinculados à cultura e ao inconsciente da coletividade que tutelam para poderem estabelecer seus trabalhos no campo da fé e da orientação espiritual.


Conforme havíamos dito no início deste post, a Umbanda é uma religião mágica, pois que trata não somente dos fenômenos e significados pertinentes à subjetividade humana, mas também lida diretamente com elementos da natureza que veiculam a manifestação de forças sutis diferentes daquelas próprias aos seres humanos.

Isso não quer dizer que estas energias sejam inferiores, ou "densas", como querem alguns de nossos amigos de outras correntes espiritualistas. Dentre as forças naturais, estão aquelas que caracterizam-se pelo fato de serem extremamente sutís e, num grau de comparação, embora impróprio, com as energias do espírito humano, muitas encontram-se inclusive acima destas.

Para a compreensão efetiva das práticas votivas e ofertórias dentro dos templos de Umbanda, bem como de maneira particular, realizada por seus adeptos, buscaremos desmembrar três mecanismos principais que envolvem o "início e o fim" de tais práticas, consolidando o ato de adoração e de estreitamento do humano com o plano divino.

Nesta relação, temos o encadeamento das imagens simbólicas que chegam à nossa consciência, provocando o sentimento religioso e despertando a necessidade de contato com o divino, no ato de recolhimento pela prece, reflexão e adoração.

Pela prece asserenamos nossos pensamentos, liberando-nos da agitação e do excesso de estímulos sensoriais para sintonizarmos com nosso mundo interior e projetando-nos para o mundo espiritual.

Pela reflexão adentramos as portas do mundo interior, revisando sentimentos e comportamentos, auto-avaliando-nos e estabelecendo novas condições para o nosso proceder diante de nós mesmos e do outro.

Pela adoração consumamos o nosso contato com a Divindade, encaminhando, pela projeção simbólica, os pensamentos de harmonia, agradecimentos, pedidos e louvores, efetuando a entrega à natureza, seja num ponto de força do Orixá, seja no congá do terreiro ou particular, daquilo que retiramos de nós com o objetivo de dar-nos em homenagem à Vida, possibilitando-nos desafogar os sentimentos, abrir a percepção da mente para vislumbrar novas oportunidades que se abrem e, harmonizando-nos com o nosso eixo interior, centrando-nos.

Finalizamos dizendo que o ato de ofertar e cumprir votos é a maneira pela qual o adepto reforça e dá dinâmica à sua tradição, seguida dentro das Leis de Umbanda.


Quando repetimos atos ritualísticos aprendidos no ambiente do terreiro, estamos sintonizando-nos com as correntes abertas e movimentadas nos trabalhos espirituais próprios da casa, e nossos atos de ofertas particulares serão assimilados por essa corrente de energias superiores que já estão em movimento, agregando-se àquela irradiação e, portanto, sendo encaminhados aos planos celestes e retornando-nos, de acordo com nossas necessidades.


Estejamos certos de que tudo na Umbanda tem fundamento, a ser aberto e entendido por cada um de acordo com suas condições próprias, e que não estamos à margem da vida em momento algum, pois que estamos rodeados de forças as mais diversas que nos sustentam, nos guiam e nos amparam sempre.

Que as Iabás e seu Povo das Águas irradiem sua Luz a cada um neste instante, cobrindo-nos de Paz, de Amor e Felicidades!

Saravá a todos!

Referências:

Prandi, Reginaldo (2005). Segredos Guardados: Orixás na alma brasileira
Chiesa, Gustavo Ruiz (2011). A magia na Umbanda (artigo científico)
d'Ávila, Rogério; Omena, Maurício (2006). Umbanda e seus graus iniciáticos
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Levi, Eliphas (1995). Dogma e Ritual da Alta Magia
Lévi-Straus, Claude (1997). O Pensamento Selvagem
Mauss, Marcel (2003). Ensaio sobre a dádiva (artigo científico)
Mauss, Marcel; Hubert, Henri (2005). Sobre o sacrifício (artigo científico)
Miller, Daniel. (2005). Materiality: an introduction
Jung, C.G (1975). Psicologia e Religião


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A prática oracular na Umbanda


Por: Gregorio Lucio

Oráculo define a prática divinatória (de adivinhação) concebida por vários povos ao longo do tempo, como meio de comunicação com  a Divindade. Pelo Oráculo podia-se compreender a vontade dos deuses, predizer as alegrias e tristezas reservadas a uma pessoa, bem como fatos importantes para todo um povo. Nas culturas egípcia, persa, judaica, chinesa, grega, nórdica, iorubá, etc, encontramos sistemas oraculares com a finalidade de consolidar essa ligação do homem com o divino.

Assim, oráculo passou a ser o termo que designa:

a) A pessoa capaz de fazer predições;
b) O local onde tais predições ocorrem (um templo religioso, por exemplo);
c) Os métodos utilizados para a obtenção da predição (jogos e sistemas divinatórios).

No meio umbandista iremos encontrar determinadas formas de práticas oraculares. Embora estas não sejam de propriedade da Umbanda, uma vez que não as criou, tais práticas encontram-se inseridas em vários templos umbandistas e acabaram por incorporar-se aos sistemas de crença de seus adeptos.

Jogo de Búzios
Cremos que os sistemas oraculares mais comuns à Umbanda são:  Jogo dos Búzios, Jogo de Otás, Opelê Ifá, Cartomancia, Vidência na Água (Copo de Vidência) e as consultas espirituais com os Guias e Protetores. 

Não iremos aqui entrar em detalhes a respeito de como processam-se os ritos e a esquematização destas práticas, tão pouco por quais signos representativos dão-se as interpretações e suas consequentes predições.

Nossa intenção é a de refletir a respeito dos sentidos psicológicos e espirituais que envolvem estes sistemas oraculares e como estes compõem recursos de auxílio para o entendimento da subjetividade humana e suas perspectivas diante de questões existenciais fundamentais, como sejam as relações dialéticas entre Livre-Arbítrio e  Destino.
  
Até que ponto os caminhos da vida de uma pessoa estão sujeitas a estas duas Leis Espirituais, tão intrigantes e tão debatidas ao longo dos séculos pelas mais diversas filosofias e religiões?

Será que os rumos da vida do homem encontram-se totalmente estabelecidos antes de seu nascimento e vinculados à Suprema Vontade Divina?

Ou, ao contrário, seria a capacidade de discernir e optar (Livre-Arbítrio), próprias a cada ser humano, os atributos preponderantes para que cada homem, a seu turno, atinja sua condição de felicidade ou desdita?

Jogo Opelê Ifá

Bem, primeiramente, para que possamos adentrar à questão de como os sistemas oraculares relacionam-se com pontos de crença aparentemente divergentes, precisamos entender como a prática divinatória contempla, em seus métodos diversos, uma visão profunda e abrangente a respeito.

Em decorrência da influência cultural africana - neste caso, a iorubá - o imaginário umbandista preencheu-se, embora tenha adaptado e resignificado seus elementos, da cosmovisão destes povos a respeito da realidade espiritual e como esta estrutura-se perante à Divindade.

Assim, temos a figura de Orunmilá, tido na cultura iorubá como sendo o representante da mais alta sabedoria e o depositário de todo o conhecimento da humanidade e dos próprios Orixás. Fora isso, também eram atribuídos a Orunmilá a sustentação do ciclo da vida, a fertilidade das terras e da juventude do planeta.

Outra característica fundamental a respeito deste Orixá refere-se à sua abrangência tempo-espacial. Uma vez que as divindades naturais iorubás estavam totalmente vinculadas ao espaço territorial de seu povo, estas não transitavam junto a seus "filhos" no caso de um processo de migração. Aliás, este foi um dos grandes dilemas dos Iorubás quando chegaram, cativos, ao Brasil, pois viram-se distantes das suas terras e, consequentemente, distantes de suas divindades. No entanto, com Orunmilá essa regra não perpetuava-se, porquanto um de seus atributos é justamente o de transitar pelos quatro cantos do mundo e entre a terra e o céu.

Jogo OponIfá
Orunmilá tem  justamente neste fundamento, portanto, a explicação do porquê ele sabe e conhece a respeito da vida de todos os homens, bem como quais são ou deverão ser seus atos perante à vontade Divina.

Na cultura iorubá, estão sob a regência de Orunmilá as várias práticas oraculares destes povos. Orunmilá também é conhecido como Ifá, sistema de jogo divinatório empregado por esse mesmo Orixá, segundo contam suas lendas.

Entendemos que o homem é o ser deste planeta que possui a capacidade de raciocinar a respeito de sua própria existência e estabelecer consciência de si-mesmo. Desta condição própria ao ser humano, advém o fato de que temos contato com nosso passado, presente e futuro. O homem sabe que irá envelhecer. O homem sabe que irá morrer e pode até contemplar aspectos dessa realidade.

Por conta disso, o homem possui a necessidade de tomar resoluções e efetuar escolhas vislumbrando o seu futuro. Seus empreendimentos de ordem material (econômico, financeiro, social), afetivos (relacionamentos, casamentos, pater/maternidade), espirituais (a prática religiosa, a busca por significados existenciais, etc) carecem de ser contemplados com o sucesso, de maneira que possa fruir de saúde, prosperidade e felicidade.

Otás
À incapacidade circunstancial que o homem tem de compreender as forças e os fatores existenciais que influenciam diretamente a sua vida, tornando-se motivos de dúvidas e receios, criou-se a concepção do Destino.

Muitas vezes, essa incompreensível dinâmica da vida, atuante sobre o homem, faz com que a vida de muitos tomem rumos os mais diversos e inusitados, causando verdadeira perplexidade e espanto. 

Acreditamos, como homens religiosos, na realidade da vida como sendo regulada e diretamente influenciada por forças de natureza espiritual, as quais se sobrepõem à capacidade de apreensão humana, no seu atual estágio consciencial. Em decorrência disso, criamos métodos e estabelecemos práticas para termos acesso a determinados níveis da Realidade Universal, cujos mecanismos afetam diretamente nossas vidas.

Baralho Cigano
Dessa forma, os sistemas oraculares irão trazer à tona determinados fatores preponderantes na vida daquele que os consulte. Serão abertos e colocados em questão ângulos que dirão respeito do passado, do presente e de seu futuro, estabelecendo quais seus vínculos kármicos (anteriores ao nascimento), predisposições psicológicas, situações momentâneas de vida, e finalmente, quais suas vocações para a concretização de seu futuro.

Lembramos que somos possuidores de estruturas sutis que estabelecem a nossa Individualidade como seres humanos (encarnados) e como Espíritos. Nestas estruturas, estão impressas as marcas e os registros acumulados ao longo de nossa jornada como seres imortais.

No que pese não sermos senhores, neste atual estágio, da totalidade de nossa realidade espiritual, estamos vinculados e dirigidos por Consciências Superiores (os Orixás), as quais direcionam nossos Destinos, no ciclo reencarnatório.

Copo de Vidência
No entanto, essa condução impulsiva por parte destas forças invisíveis que imanam por meio de nosso vasto inconsciente, vai aos poucos transformando-se na medida em que o homem, por intermédio de sua capacidade de intuir, logicar e escolher, apropria-se da sua condição como Espírito, assenhoreando-se de suas possibilidades de engrandecimento e plenificação.

O oráculo irá auxiliar o indivíduo a considerar os fatos e circunstâncias de sua própria vida, identificando quais os fatores que correspondem ao seu destino (fatores kármicos) e como este, pela execução de seu livre- arbítrio, poderá conciliar-se com as Leis da Vida, promovendo harmonia.

Justifica-se, portanto, a busca e a validade destes métodos de orientação espiritual, os quais processam-se desde a consulta ao jogo de búzios até a conversa direta com os Guias e Protetores, costumes tão presentes nas nossas práticas.
  
Consulta com Guia Espiritual
Nestas consultas, irão ser contempladas atitudes e comportamentos passíveis de serem adotadas pelo indivíduo, portanto a partir de seu livre-arbítrio, as quais irão conciliá-lo com as forças reguladoras do destino, amenizando impactos danosos e às vezes até desastrosos na falta de tal orientação.

De igual forma, as novas posturas e idéias aconselhadas pelos Guias Espirituais, no momento da consulta, ou pelo jogo divinatório, proporcionarão uma ampliação das possibilidades de amadurecimento psicológico e desenvolvimento ético do indivíduo, sintonizando-o com seu Orixá interior (Deus Interno), dinamizando suas forças próprias e estabelecendo contato com as faixas de luz dos Planos de Aruanda, por onde ampliará a sua consciência diante da Vida e da Realidade, sentindo-se pleno e interiormente gratificado.

Saravá a todos!


Bibliografia Consultada:

Beniste, José (2008). Órun Áiyé - O encontro de dois mundos
Onidajó, Omiran (2007). A leitura da Sorte na Umbanda e no Candomblé
Caroso, Carlos; Bacelar Jeferson (organizadores - 2006). Faces da Tradição Afro-Brasileira
Filho, Fernandez Portugal (2010). Ifá - O Senhor do Destino
Matta e Silva, W.W. da  (2010). Umbanda de Todos Nós
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Frias, Rodrigo Ribeiro (2008). Corpus Literário de Ifá: Leituras e Perspectivas (artigo científico)
Ribeiro, Ronilda Iyakemi (coordenadora - 2008). Destino e Liberdade: O oráculo de Ifá 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

As Velas


Por: Gregorio Lucio


"[..]a vela acesa, por exemplo, é tanto um “sinal sensível”, como um importante “transmutador energético” visto que nela estão contidas as quatro forças sutis (cera: telúrica; cera derretida: hídrica; chama: ígnea; fumaça: eólica). Nota-se que nessa explicação a vela não representa as forças sutis, ela é as forças sutis, logo ela é um veículo condensador de energias dos sete raios sagrados no plano material. A vela, nesse sentido, é um símbolo do sagrado ao mesmo tempo em que é o sagrado. Não só a vela, mas todos os objetos presentes no congá (altar) ou utilizados numa oferenda ou num banho – pedras, ervas, alimentos etc. – apresentam esse duplo caráter, metafórico e metonímico, de “representar” e “presentificar” o sagrado" (Chiesa, 2010).

As velas também são conhecidas dentro de algumas casas umbandistas e candomblecistas como murilas.

Lembraremos sempre que a utilização de símbolos, os mais diversos, na prática umbandista, são atos concretos carregados de sentido espiritual, presentificando as forças espirituais provenientes do mundo imanente, invisível.

Assim como o uso das Fitas, tratado em artigo anterior, herdamos também das práticas do Catolicismo Popular a utilização das velas como meios de inter-relação entre o sagrado e o humano. A vela é um dos símbolos religiosos mais tradicionais, e por meio destas é que o homem tentou estabelecer um primeiro contato com o divino.

O princípio foi o fogo, quando os homens primitivos dançavam em volta da fogueira, após terem aprendido a manipulá-lo (uma vez que representava grande ameaça ao homem daquela época),  como uma forma de se relacionarem com uma força dominante e arrebatadora, identificada como a própria divindade.

Nas culturas da Antiguidade Clássica, encontraremos o significado da velas como representantes da sabedoria e da iluminação, bem como da luz da alma imortal. Assim, são utilizadas por diversas religiões, e a relação da Divindade simbolizada pela idéia da chama viva que nunca apaga, consta, por exemplo, na oração não-canônica do Senhor, citada nas Homílias de Orígenes, conforme lemos em Jung (1978): "Ait autem ipsi Salvator: qui iuxta me est, iuxta ignem est, qui longe est a me, longe est a regno" (Quem está perto de mim, está perto do fogo; quem está longe de mim, está longe do reino).


No inconsciente coletivo ficou, portanto, enraizada a simbologia do rito executado em torno da chama, pelo qual o homem buscava harmonizar-se com as forças da natureza, que até então o subjugavam e amedrontavam.

Nas práticas rito-litúrgicas da Umbanda, a utilização da vela efetiva iluminar determinado espaço, fazendo a ligação do aspecto mágico ao religioso, invocando certas vibrações do plano astral para aquele ambiente, naquele instante. Por isso, é comum os congás, os cruzeiros, as ofertas, etc, serem acompanhados de velas acesas, as quais iluminam aqueles elementos, sustentando os pedidos, louvores e agradecimentos.

Quando dispostas no congá, obedecendo à distribuição das cores referentes a cada Orixá, as velas remetem ao significado do Setenário Divino, ou as Sete Linhas de Umbanda e sua mística direcionada a representação dos aspectos manifestos da Divindade Una, o Deus Criador.

Segundo algumas tradições umbandistas, a quantidade numérica de velas a serem utilizadas criam o campo propício para pedidos de ordem espiritual ou material. Sendo assim, sequencias de velas acesas em número par, criam campo propiciatório para tratamento de questões de ordem material (doença física, problemas na justiça, dificuldades financeiras, desemprego, etc); enquanto velas acesas em número ímpar criam campos propiciatórios para tratamento de questões espirituais (sentimentos conturbados, influências espirituais negativas, falta de clareza e sentido na vida, sensação de angústia, etc).


¨Num ritual de Umbanda podemos encontrar estímulos visuais (cores, símbolos, imagens, velas), auditivos (cânticos, toques de atabaque), proprioceptivos (danças), olfativos (defumações, água-de-cheiro, ervas, tabaco) e gustativos (alimentos, bebidas). Não encontramos, apenas, os estímulos táteis no ritual, excetuando-se, talvez, as palmas" (Morini, 2007).

No rito umbandista, encontramos uma série de simbologias que, por meio de um sentido estético, desencadeiam estímulos a serem assimilidados psicologicamente e organicamente pelos presentes. Evidentemente, as velas estão entre aqueles símbolos de natureza visual.

O contato com a imagem simbolizada na vela remete-nos a significações específicas de suas partes, como o seu corpo, com sua coloração específica simbolizando determinado Orixá, e o pavio, sustentando a chama ao longo da queima, simbolizando a energia espiritual, presentificando no espaço a presença da Divindade, em uma corrente de luz que se expande em direção aos céus, como se retornasse, após ter sido evocada, levando consigo as mentalizações que foram geradas no momento do rito.


Portanto, quando acendemos uma vela com determinada intenção, estejamos certos de que neste instante abre-se um portal para o plano astral, por onde ocorrerá, enquanto perdurarem a queima de seus elementos e a sustentação dada pelo pensamento de quem ora ou pede, a passagem de irradiações que irão impactar, mesmo que de maneira limitada, sobre o ambiente e também sobre nós mesmos, promovendo o entrelaçamento do indivíduo com tais irradiações. Por isso, o profundo respeito e a sinceridade de intenção são posturas interiores imprescindíveis para aquele que pretende fazer luzir uma vela, em benefício de alguém ou de si próprio.

Saravá a todos!

Referências:

Morini, Carlos Augusto Trinca (2007). Ritual de Umbanda: A influência dos estímulos somato-sensoriais na indução do transe mediúnico (tese de mestrado)
Chiesa, Gustavo Ruiz (2010). A Umbanda e as coisas: cosmologia e materialidade na experiência religiosa (artigo científico)
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Matta e Silva, W.W da (2010). Lições de Umbanda (e quimbanda) na palavra de um Preto-Velho
Jung, C.G. (1978). Psicologia e Religião


As Guias


Por: Gregorio Lucio
Orixá - homem - guia.

Esse o fluxo místico das forças sutis que serão impregnadas neste elemento ritual de tanta valia e significado dentro da práxis umbandista. O Orixá estende e deposita sua irradiação sobre o colar ritualístico (guia) por intermédio do ser humano (médium), portador do divino e da corporeidade, o qual é a ponte vinculadora para a passagem da força espiritual dos planos invisíveis para o mundo corpóreo.

Vimos reforçando que os símbolos, dentro do rito religioso, têm a função precípua de ligar aspectos de uma Realidade total, para dar ao homem a visão e o contato do mundo invisível pelo mundo visível, pois somente por meio do símbolo é que podemos entender e experienciar o mundo espiritual, o qual é constituído de aspectos de realidade que não podem ser abarcados integralmente pela nossa capacidade intelectiva e pelos nossos sentidos corporais.

As guias, especificamente, encerram em si mesmas a transição contínua do mundo invisível (espiritual) para o mundo visível (material), pois que nelas encontra-se a elaboração das forças espirituais conjugadas com o trabalho artesanal do humano, infundindo o princípio da fluência de dois aspectos da realidade humana (espírito e matéria) num ponto em comum.

Cada guia destina-se a envolver o médium na vibração de seu Orixá ou de seus Guias e Protetores, portanto, esta deve ser concebida pelo próprio indivíduo seu portador, ou pelo dirigente da casa a que esteja vinculado. Obviamente, a confecção da guia obedecerá às ordens das Entidades Espirituais, as quais trarão ao médium as instruções de como deverão ser feitas, bem como os seus elementos constitutivos.


Além disso, deverá passar por um processo de preparação para ser utilizada (ser cruzada, por exemplo), bem como o médium deve ser autorizado pelo dirigente da casa para que possa valer-se deste elemento.

A guia fornece a identidade ritual do adepto, vinculando-o a um Orixá e a um Guia espiritual, responsáveis por sua guarda e orientação.

Ao colocar a guia no pescoço, o indivíduo adentra o espaço místico e sagrado que envolve neste instante o seu complexo físico e espiritual, ligando-o às correntes espirituais sustentadoras de seu templo. Entendemos que no espaço que se forma dentro da guia, circular, vinculam-se irradiações que estarão destinadas a projetarem-se para fora do campo de forças do médium, influenciando o ambiente (físico e etérico) a sua volta, para trazer-lhe de volta a somatória das energias afins geradas ao longo do trabalho espiritual.

Da mesma forma, as guias também servirão para criar um movimento inverso, dinamizando suas forças (e as do médium) para tornarem-se escudo e pontos de descarga de vibrações negativas, oriundas do plano astral inferior, e de formas-pensamento (idéias plasmadas no plano astral) de teor perturbador desencadeadas pelos maus sentimentos e pensamentos daqueles presentes aos trabalhos (encarnados ou desencarnados) em condição de desequilíbrio.

A guia, dentro da linguagem ritual, possui aspectos identificadores, os quais variam em sentido de acordo com cada templo umbandista, no entanto, de maneira geral podemos considerá-las:

a) quanto às cores: as cores representam os Orixás. A combinação de cores pode representar o tipo ou qualidade do Orixá, assim como também podem indicar a qual Orixá determinado Guia Espiritual está subordinado; uma cor específica, a depender da orientação da casa, também pode simbolizar o grau de determinado médium dentro da hierarquia da casa. Ou seja, se ele é iniciante, se já é médium formado, se é babalorixá/yalorixá, etc.

b) quanto ao número de fios: geralmente, as guias traçadas com mais de 1 fio, podem representar o nível de aprofundamento que o médium obteve dentro da tradição. Ou seja, se ele possui 1 ou mais preparações (obrigações);

c) quanto a sua utilização: existem guias que não irão representar um Orixá ou Guia Espiritual ligados àquele médium. Podem, entretanto, ser de utilidade ritual ou espiritual. Em outras palavras, essas guias podem ser destinadas a representar aquele templo de maneira específica, ou servir de proteção ou defesa para um adepto, num caso específico, a depender de sua situação e necessidade naquele momento.

Está estabelecido que a guia só possui valor e significado se estiver vinculada à pessoa/médium, destinada a ser sua proprietária. Não há, portanto, sentido na utilização de guias adquiridas já prontas, penduradas nas lojas de artigos religiosos. Tão pouco deve-se emprestar a outrem ou tomar-lhe emprestado a guia, por qualquer motivo que seja.

Lembramos, novamente, de um ensino contido num post publicado anteriormente: a força do Guia reside na mente do médium.

É pela mente enobrecida e séria que vincularemos as energias transcendentes que serão irradiadas de nós, e atraídas a nós, ao longo do anos de contato espiritual. O médium disciplinado e habituado à prática do transe, bem como à reflexão em torno de si mesmo, faz de sua mente um lago de águas calmas, que pode refletir a beleza do luar. Luar este que representa a irradiação positiva dos Guias e Protetores de Aruanda. Assim é que poderão fluir de si e chegarem onde forem necessárias as forças espirituais emanadas dos planos etéreos para o campo material, beneficiando a todos que necessitem, pelo esclarecimento, pela palavra orientadora e consoladora, ou pela oração silenciosa em favor da Humanidade.

Queremos com isso colocar que não é pela quantidade e nem pela beleza das guias que possamos ter em nossos pescoços que iremos ter maiores ou melhores retornos e gratificações em nossa vida espiritual, especificamente no mediunismo umbandista.

O número de guias também representará a experiência do médium ao longo de sua vivência mediúnica. A utilização da guia é sinal de responsabilidade e dever de consciência por parte daquele que a possua.

E, quanto mais delas carregarmos ao pescoço, maiores as nossas atribuições e responsabilidades perante a Corrente Astral de Umbanda, para a qual prestaremos contas dos bens que nos foram dados para que fizéssemos luz àqueles necessitados e aflitos.

Saravá a todos!

Referências:
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Matta e Silva, W.W da (2010). Umbanda de Todos Nós
__________________ (2009). Doutrina Secreta de Umbanda
Saraceni, Rubens (2010). Formulário de Consagrações Umbandista
______________ (2006). O Código de Umbanda
Chiesa, Gustavo Ruiz (2010). A Umbanda e as Coisas: cosmologia e materialidade na experiência religiosa (artigo científico)
Oliveira, Etiene Sales de (2005). Umbanda de Pretos-Velhos: Tradição Popular de uma Religião (tese de mestrado)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

As Roupas Litúrgicas e as Fitas


Por: Gregorio Lucio

A questão dos aparatos litúrgicos na Umbanda é sempre notada por parte daqueles que frequentam ou tomam o primeiro contato com nossa religião. Em meio a essa rica estrutura semiótica presente nos ritos umbandistas, encontramos os elementos que servirão como pontos de atribuição de significados de nossa cosmovisão, quais sejam os elementos rituais.

Neste post, traremos considerações a respeito de dois elementos rituais específicos: As Roupas Litúrgicas e as Fitas.

Antes disso, devemos lembrar que em posts anteriores, havíamos já situado a interação Espírito-corpo, sob cujos mecanismos a corporeidade é fundamental para o entendimento de sua ação sobre a espiritualidade. O corpo, por caracterizar-se como manifestação do Espírito, é também espírito, situado na dimensão material. Os elementos córporeos (ditos materiais) também possuem estruturas sutis e irradiações espirituais que os compõem.

O trabalho com o corpo e o corpóreo torna-se o vínculo principal para influenciarmos a realidade espiritual, pois é pela experiência do contato com a realidade física (material) que o Espírito agrega os valores imprescindíveis para o seu aprimoramento e evolução.

Assim, a composição de sentidos estéticos para as práticas espirituais não são fetichismos, mas são atos de reconhecimento do espiritual naquilo que em sua essência já o é. A matéria-prima utilizada na confecção de todo o aparato litúrgico, contém essencialmente a força espiritual por provir da Natureza, na qual estão impressas, de forma latente, as irradiações dos Orixás.

No "corpo físico" estão situados os elos de várias dimensões do Ser e da Vida. No corpo, encontramos a ligação entre o indivíduo e o coletivo, a cultura e a natureza, o sagrado e o humano (Silva, 2008).

O corpo do adepto deve ser preparado para receber os Guias, manifestadores dos Orixás, e para isso deve estar interiormente e exteriormente adequado para tal ato, havendo um entrelaçamento dos planos sagrado e humano, permeados por um sentido estético.

Cultura e natureza, assim como sagrado e humano, são aspectos interpretados dentro da cultura Umbandista, assim como nas demais religiões afro-brasileiras, como sendo não-opostos. Antes, são aspectos que fluem para um mesmo princípio e fim.

As roupas litúrgicas - roupas de santo, como são conhecidas -, obedecem a uma composição básica e homogênea, de maneira que todos os integrantes do cazuá estejam apresentando-se uniformemente. Nessa prática, entendemos que no momento do rito, quando o médium veste sua roupa de santo, ele deixa de lado a sua individualidade - seus atributos sociais, seu status econômico, seu grau de intelecto, etc -, para inserir-se em um contexto religioso que o conduzirá a uma vivência na qual a persona individual deve ser deixada de lado para que haja a passagem para a persona social, o sujeito integrante de um sistema maior, no qual ele compõe um elo. Um dos vários elos da corrente mediúnica.

Assim, nossas circunstâncias particulares devem ser deixadas, momentaneamente, de lado para que possamos integrar-nos aos trabalhos espirituais, porquanto neste trânsito entre persona individual - persona social, anularemos os aspectos centrais de nossa consciência para abrirmos campo a persona-espiritual que irá acessar a persona-divina, a depender de cada um, habitante do interior de cada ser humano.


A roupa litúrgica, por caracterizar um aparato específico e importante para o médium, deve ser tratada como tal. Recomenda-se, portanto, que esta seja lavada em separado das demais roupas de uso do médium, assim como seja guardada em local específico e, de preferência, em separado das demais roupas.

Nunca é demais lembrar que a utilização das roupas de santo deve limitar-se aos dias de rito, bem como só devem ser vestidas dentro do templo religioso, salvo exceções preditas pelo dirigente da casa.

Outra característica das roupas de santo refere-se à sua aparência. É bem sabido de todos os umbandistas que as vestimentas têm a cor branca como fundamental. Os modelos das roupas litúrgicas são estabelecidos pela casa e devem ser utilizados por todos os seus médiuns, não permitindo-se variações. Isso por que é óbvio que, no aspecto coletivo, a roupa de santo visa dar uniformidade ao grupo frequentador do templo.

A utilização de roupas brancas, como símbolo religioso, é milenar e podemos encontrá-las ao longo da história dentro das culturas egípcia, tibetana, hindú, chinesa e árabe. No Brasil, o costume da utilização da cor branca dentro dos ritos nas religiões afro-brasileiras, deu-se por influência dos negros malês. O termo malê originou-se da palavra em iorubá imalê, sob a qual identifica-se os negros mulçumanos.

Estes, trazidos também como escravos ao Brasil, eram islamizados e trouxeram o hábito da utilização da roupa branca, bem como do turbante (também conhecido como torço), entre outros elementos próprios de sua cultura já sincretizada entre a cultura iorubá e o islamismo.

Com isso dizemos que, ao contrário do que muitos pensam, o uso da roupa branca na Umbanda não advém de uma influência kardecista, pois como já deixamos claro em um texto anterior (ver: Kardecismo e Umbanda são iguais?), o Kardecismo não prevê nenhuma espécie de roupa característica, tão pouco a utilização de qualquer objeto ritual ou simbólico.

Continuaremos agora dando enfoque para a utilização das Fitas na prática umbandista.

Para refletirmos a respeito da utilização de um objeto tão singelo e aparentemente de menor importância, um adereço, na prática ritual, precisamos compreender a natureza e a finalidade do símbolo dentro da vida humana e, especialmente, das práticas religiosas.

Segundo Heinz-Mohr:

"Todos, quer tenham ou não consciência, servem-se de símbolos, de dia e de noite, na linguagem, nas ações e nos sonhos. O símbolo escapa, porém, à definição exata. Forma parte de seu ser não se deixar reduzir a quadro fixo, uma vez que une extremos, o incomponível, concretude e abstração, servindo à finalidade de aludir, com sinal perceptível ao sentidos, a algo que não é perceptível aos sentidos".

O termo símbolo, vem do grego symbolon, cujo significado é "lançar com, pôr junto com, juntar".

Compreendemos ser a função do símbolo a de juntar aspectos de uma mesma realidade, os quais encontram-se aparentemente dissociados, devido à nossa limitação perceptiva em relação a essa mesma realidade. Logo, o símbolo servirá como instrumento que intui ou restitui, mesmo que de maneira momentânea, a união entre dois ou mais planos e sentidos diferentes de uma totalidade que nos está inacessível à razão discursiva e aos sentidos externos (Malandrino, 2006).

As Fitas, então, irão simbolizar aspectos transcendentes das forças espirituais, mais especificamente das faixas vibratórias sob regência dos Orixás, servindo-se para isso de seu formato característico e suas cores, intuindo os planos de energias espirituais bem como sua irradiação específica, simbolizada na coloração própria a cada Orixá.


Os símbolos, na prática religiosa, exprimem vivências espirituais e psicológicas de uma individualidade ou coletividade, advindos das profundezas do inconsciente, e por isso devem ser objetos de uma experiência mais profunda do que a do simples conhecimento (Malandrino, 2006).


A Umbanda, por ter constituído-se de uma formação sincrética entre as culturas indígena, africana e européia, herdou em seu imaginário, integrando ao seu universo espiritual, o simbolismo das práticas características de cada uma destas, reelaborando-as e dando-lhes significados próprios.

Notadamente em relação ao uso das Fitas, herdamo-las do Catolicismo Popular, difundido pelos portugueses, o qual era repleto de práticas mágicas, visando o benefício e a cobertura espiritual para os seus fiéis. Conforme lemos em Silva:

"Assim, fitas cortadas pelos padres na altura das imagens dos santos e amarradas na cintura eram usadas para removerem dores, doenças e realizarem o pedido de seus portadores" (Silva, 2000).

Na prática umbandista, as Fitas destinam-se então a propiciar um campo de proteção e descarga de energias em relação ao corpo do médium, desde que utilizadas sobre os ombros ou envoltas na cintura. Colocadas sobre uma oferta ou atadas a algum elemento ritual, têm a finalidade de manifestar, espacialmente, a vibração de determinado Orixá.

Finalmente, é interessante notar que as práticas umbandistas surgem de um mecanismo de significação de práticas populares e tradicionais das culturas formadoras de nossa sociedade, conciliando-as com a dimensão espiritual, traduzindo os aspectos ocultos de uma Realidade transcendente (sagrada) que evidencia-se no mundo córporeo por meio da cultura, da natureza e do humano.

Essa a sabedoria dos nossos Guias e Mentores e dos nossos ancestrais, babalorixás e yalorixás, que a despeito de não possuírem formação intelectual dos bancos universitários, e por isso foram muitas vezes vistos como ignorantes e primitivos, possuíam e possuem ainda, pois que são Espíritos eternos, grande poder de sensibilidade espiritual e intuição a respeito dos altiplanos da Vida.

Que os Orixás os guardem nos planos de luz de nossa Aruanda!

Que os Orixás cubram a todos nós com suas bençãos!

Saravá a todos.

Referências:

Silva, Vagner Gonçalves da (2008). Arte Religiosa Afro-Brasileira: As múltiplas estéticas da devoção Brasileira (artigo científico).
______________________ (2005). Candomblé e Umbanda: Caminhos da Devoção Brasileira
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Malandrino, Brígida Carla (2006). Umbanda, mudanças e permanências.

domingo, 21 de agosto de 2011

A Pemba, a Lei de Pemba e o Ponto Riscado



Por: Gregorio Lucio
A Pemba

A Pemba é um elemento ritual muito característico e presente nos terreiros de Umbanda.

Pemba
Como mostra a figura ao lado, trata-se de um giz rústico, constituído de calcário.

Esse elemento é amplamente utilizado nos rituais africanos, e obviamente, herdamos desta cultura religiosa tal prática.

A Pemba geralmente é utilizada de duas formas específicas nos ritos: em pó ou em forma de pedra.

A origem do nome, Pemba, vem da lenda africana referente ao monte Kabanda e as águas do rio Usil (tidos como sagrados pelas tribos Bacongo e Congo). A lenda conta a história da donzela M.Pemba, virgem filha do poderoso líder de sua tribo, Soba Li-u-Thab. M.Pemba seria conservada virgem para que fosse oferecida às divindades cultuadas por aquela tribo, no entanto, a jovem conhece um estrangeiro, e ambos entregam-se a uma aventura amorosa, tomados pela paixão.

O pai de M.Pemba, quando toma conhecimento de tal aventura amorosa, manda degolar o rapaz para que em seguida fosse lançado ao rio USIL, de maneira que fosse devorado pelos crocodilos. M.Pemba, consternada com tal tragédia e desilusão amorosa, para atestar sua dor e pesar, cobria todo o seu corpo com o pó branco retirado do monte Kabanda e à noite, para que seu pai não soubesse desse ato de dor perante a morte de seu amor, lavava-se nas margens do rio. 

Um dia, pessoas da tribo que observavam M.Pemba banhar-se, viram que a jovem elevava-se aos céus, deixando em seu lugar um monte de massa branca às margens do rio. Ao informarem o pai, Soba, enfurecido, mandou que também degolassem aos membros da tribo. No entanto, como estes haviam passado em seu corpo aquela massa branca deixada pela jovem "divinizada", perceberam que o tirano líder acalmava-se e tornava-se bom, desculpando os seus servos.

A partir daí, a Pemba vem sendo utilizada dentro dos ritos africanos.

A Lei de Pemba.

O termo refere-se ao domínio da mística simbólica, realizada e transmitida pelos guias de Umbanda, cujos seus maiores conhecedores e guardiões de seu segredo são os nossos Pretos-Velhos.

A Lei de Pemba é expressa pela utilização de símbolos cabalísticos de origem universal, presentes em todas as culturas ao longo da história da Humanidade, os quais ganham re-significação própria dentro da rito-liturgia umbandista.

A Lei de Pemba contém em si aspectos fundamentais do conhecimento transcendente a respeito das Leis Espirituais que regem os movimentos das consciências viventes no planeta Terra, bem como as vinculações de ordem kármica entre estas e os mecanismos pelos quais a vontade humana pode subordinar forças sutis e naturais, movimentando-as, com a intenção de produzir efeitos que impactem nas dimensões material e espiritual.

Sendo assim, a Lei de Pemba manifesta as chaves para o conhecimento dos atributos e vinculações das Entidades Espirituais dentro das Leis de Umbanda, assim como guarda para si aspectos mais profundos que não podem ser acessados diretamente por pessoas (encarnadas) e mesmo entidades espirituais que ainda não possuam níveis de conhecimento e de consciência próprios para tal.


Como dissemos, as Entidades Espirituais ligadas à Corrente Umbandista, trazem os conhecimentos, em maior ou menor grau, referentes à Lei de Pemba e para que possam grafá-los, "abrindo-os" para a dimensão material, utilizam-se de símbolos próprios da cultura humana, os quais encontram-se gravados no inconsciente do médium e em si próprios. Para isso, dentro da cultura umbandista, damos significados próprios a tais simbologias, contextualizando-os de acordo com nosso universo simbólico-espiritual.

De acordo com Evans-Pritchard (2004), conforme consta em Etiene Sales (2005), o símbolo religioso é uma representação analógica do mundo invisível, sendo a cultura a matriz geradora das formas simbólicas que trazem à existência (mundo imanente) forças do mundo espiritual.

Pelo exposto acima, vemos que a Espiritualidade irá utilizar-se daqueles símbolos subjacentes no inconsciente do indivíduo, portanto dotados de grande força emocional e transcendente, para imprimir as "ordens" e "movimentos" que facultarão a obtenção de determinados efeitos sobre o ambiente, sobre a coletividade presente ao rito, sobre o médium ou o consulente, sobre um espírito desencarnado ou um doente necessitado de ajuda, etc...

Depreendemos então que a Lei de Pemba, num nível mais fundamental, é utilizada para a criação de concentrações de forças que serão postas em movimento para beneficiar os presentes ao rito.

Assim, a Lei de Pemba consubstancia-se, dentro da prática rito-litúrgica umbandista, por meio do Ponto Riscado.

Ponto Riscado

Segundo as Hierarquias Espirituais regentes das Leis de Umbanda, os espíritos ligados à Corrente Astral afim à nossa faixa espiritual religiosa, estão agrupados em 3 categorias distintas, quais sejam:
Orixás, Guias e Protetores (trataremos em artigos futuros de maneira mais detalhada a respeito das Hierarquias Espirituais da Umbanda).

Ponto Riscado na tradição esotérica da Umbanda
Essa categorização evidencia uma qualificação em termos de evolução espiritual para os espíritos trabalhadores da Umbanda.

Pela Lei de Afinidade, estes espíritos irão utilizar-se de médiuns compatíveis com seus propósitos e alcances de trabalho. De maneira geral, os espíritos identificados com o trabalho mediúnico estão entre aqueles na condição de Guias e Protetores.

Conforme havíamos dito, a Lei de Pemba contém em si uma série de aspectos profundos da realidade espiritual, e por conta disso, seu acesso não é dado de maneira integral a todos os Espíritos e médiuns. O patamar de conhecimento e possibilidades de compreensão a respeito da utilização da grafia  cabalística umbandista, está diretamente relacionado ao grau de consciência manifestados pelo Espírito atuante e o seu respectivo médium.

Dessa forma é que veremos Pontos Riscados que meramente trazem informações a respeito da Entidade manifestada naquele momento, qual a sua pertença espiritual e ordens de trabalho. Ou seja, pelos símbolos contidos no Ponto Riscado, podemos identificar qual a Linha, Falange e Cruzamento (se for o caso) do Guia ou Protetor. Aliás, justamente, o que irá categorizar um espírito na condição de Guia ou Protetor é exatamente a simbologia e interpretação expressa no Ponto Riscado.

Resumindo, pelo Ponto Riscado a entidade poderá dizer quem é, qual a sua linha e, qual seu grau dentro da hierarquia espiritual. O Ponto Riscado é a assinatura da Entidade Espiritual.

Adicionalmente, o Ponto Riscado é utilizado não somente para identificação dos Espíritos como também para beneficiar determinadas pessoas (física ou espiritualmente) e para a consagração de guias, patuás, elementos rituais (pembas, instrumentos da curimba, fitas, velas, imagens, etc).

Não podemos deixar de considerar, quanto à interpretação e significado dos símbolos usados nos Pontos Riscados, ser imprescindível levar em conta o contexto cultural e tradicional do templo umbandista onde serão expressos e manifestos. Isso por que, segundo Sales (2005): "O significado de um símbolo não é intrinseco mas depende do discurso em que encontra inserido em sua própria estrutura. Fora do contexto onde foram gerados, os significados dos símbolos se alteram[...]. É preciso perceber a dinâmica própria  da cultura religiosa do local e sua influência nas simbologias e representações".

Compreendemos então que os Pontos Riscados não são símbolos universais (embora os elementos contidos neles sejam) e sua linguagem expressa um padrão dinâmico que carece ser interpretado dentro do contexto religioso de cada casa de Umbanda.

Sendo assim, esperamos ter contribuído um pouco com o esclarecimento a respeito destes aspectos tão presentes na nossa vivência umbandista.

Que Oxalá abençoe-nos!

Saravá!

Bibliografia Consultada:

Itaoman, Mestre (1990). Pemba e Grafia Sagrada dos Orixás
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda a Proto-Síntese Cósmica
Matta e Silva, .W.W da (2010). Lições de Umbanda (e quimbanda) na palavra de um preto-velho
___________________ (2009). Doutrina Secreta de Umbanda
___________________ (2010). Umbanda e o Poder da Mediunidade
___________________ (2010). Umbanda de Todos Nós.
___________________ (2009) Mistérios e Práticas na Lei de Umbanda
Saraceni, Rubens (2007). O Código da Escrita Mágica Simbólica
Jung, C.G (1950). O Simbolismo da Mandala
Chiesa, Gustavo Ruiz (2011). A Magia na Umbanda (artigo cientfíco)
__________________ (2010). A Umbanda e as Coisas: Cosmologia e Materialidade na experiência religiosa (artigo científico)
Souza, Mônica Dias (2006). Pretos-Velhos: Oráculos, crença e magia entre os cariocas (tese de doutorado).
Oliveira, Etiene Sales de (2005). Umbanda de Pretos-Velhos: Tradição Popular de uma Religião (tese de mestrado)