Por: Gregorio Lucio
Mediunismo e Mediunidade.
Palavras que evocam princípios em comum, embora denominem práticas e vivências diversas.
O leitor mais assíduo e atento às obras umbandistas irá notar a utilização do termo mediunismo em uma frequencia muito maior do que o termo mediunidade por parte de seus autores.
O leitor mais assíduo e atento às obras umbandistas irá notar a utilização do termo mediunismo em uma frequencia muito maior do que o termo mediunidade por parte de seus autores.
Isso tem uma razão de ser. E para bem explicá-lo, iremos recorrer aos escritos de Allan Kardec, especificamente à obra O Livro dos Médiuns.
Salientamos que não somos "kardecista", no entanto, como veremos, ambos os conceitos (mediunidade/mediunismo) surgiram a partir da conceituação kardequiana conforme segue em importantes referências contidas na obra supracitada:
(O Livro dos Médiuns - Cap XXXII "Vocabulário Espírita").
Médium - (Do latim - medium, meio, intermediário.) - Pessoa que pode servir de intermediária entre os Espíritos e os homens.
Medianimidade - Faculdade dos médiuns. Sinônimo de mediunidade. Estas duas palavras são, com freqüência, empregadas indiferentemente. A se querer fazer uma distinção, poder-se-á dizer que mediunidade tem um sentido mais geral e medianimidade um sentido mais restrito. -Ele possui o dom de mediunidade. - A medianimidade mecânica.
(O Livro dos Médiuns - Cap XIV, item159). Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem; não constitui, portanto, um privilégio exclusivo. Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos. Pode, pois, dizer-se que todos são, mais ou menos, médiuns. Todavia, usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma organização mais ou menos sensitiva. É de notar-se, além disso, que essa faculdade não se revela, da mesma maneira, em todos. Geralmente, os médiuns têm uma aptidão especial para os fenômenos desta, ou daquela ordem, donde resulta que formam tantas variedades, quantas são as espécies de manifestações. As principais são: a dos médiuns de efeitos físicos; a dos médiuns sensitivos, ou impressionáveis; a dos audientes; a dos videntes; a dos sonambúlicos; a dos curadores; a dos pneumatógrafos; a dos escreventes, ou psicógrafos.
No contexto da Umbanda, a faculdade mediúnica mais presente é a dos médiuns sonambúlicos, ou mais conhecidos como de incorporação (para nos valermos do termo popular). Também é comum encontrarmos a mediunidade de vidência, audiência e de cura entre os médiuns umbandistas.
De acordo com as referências citadas acima, depreendemos então que mediunidade expressa um conceito geral, referindo-se à capacidade que todo o ser humano tem (potencialmente) de relacionar-se com o mundo espiritual, ou seja, a de colocar-se em comunicação com os Espíritos.
Evidente que isso deve-se ao fato de que, como cremos, somos Espíritos encarnados, e portanto, embora dimensionalmente afastados, nosso contato é direto com o mundo espiritual, mesmo que muitas vezes estejamos inconscientes disso.
A partir disso compreendemos que se o termo Mediunidade reporta-se à capacidade inata de todos os seres humanos colocarem-se em relação com o mundo espiritual (do qual procedemos), a terminologia Mediunismo implica na prática, na vivência da faculdade mediúnica, em toda a sua extensão e forma de manifestação nos mais diversos contextos religiosos ou místicos.
Detalhando um pouco mais, podemos fazer a diferenciação entre mediunidade e mediunismo, como sendo a primeira, em termos de prática, dada ao Espiritismo de maneira particular, enquanto o segundo às práticas mediúnicas que extrapolam o contexto espiritista ou "kardecista".
Explico. A idéia da mediunidade é central na concepção kardequiana a respeito do mundo espiritual, pois dois de seus pontos de credo basilares, são justamente a crença na imortalidade e na comunicação dos espíritos, sendo que a primeira seria fundamentalmente comprovada mediante a ocorrência da segunda, para isso servindo-se do fenômeno mediúnico (lembremos de Chico Xavier e suas cartas consoladoras).
Em outras palavras, na conceituação prática, segundo entendimento de nossos confrades kardecistas, a mediunidade seria a vivência com o mundo espiritual com a finalidade de comprovar a existência dos espíritos e a possibilidade de sua comunicação com os "vivos" (encarnados). Dessa forma, suas comunicações deveriam ser pautadas na possibilidade de identificação do espírito que se comunica, citando, por exemplo, o nome que teve em sua última existência corpórea, referências pessoais, etc.
Já na prática mediunista, presente na Umbanda (e em outras denominações religiosas que crêem no mundo espiritual), não existe uma preocupação focada em comprovar a existência dos espíritos ou do mundo espiritual.
Assim é que a manifestação do mundo espiritual na Umbanda revela-se por meio de espíritos que "deixam de lado" sua individualidade referente à sua última encarnação, comparecendo às giras utilizando-se de nomes simbólicos, de fundamento, com o objetivo premente de trazer a "luz do Orixá" para seus filhos de fé, assim como estender as suas bençãos a todos os necessitados ou crentes em seu amparo e no seu poder.
A prática mediunista foca a experiência do Sagrado, cujo contato com o mundo espiritual ocorre por meio de uma experiência subjetiva, do transe de possessão (que não tem nada a ver com possessão pelo demônio, como querem alguns), na qual o adepto vivencia o contato com seu Orixá, identifica-se com seus Guias e Mentores e significa a sua vida espiritual mediante a vivência no rito. Essa experiência se dá num contexto coletivo, a subjetividade é vivida e ao mesmo tempo compartilhada em um "elo" com o outro (irmão de santo ou de corrente), uma vez que as entidades manifestam-se nos médiuns em "falanges", diferentemente da prática mais "individualista" presente nas sessões espiritistas.
Com o passar do tempo, algumas entidades de nossa Umbanda chegam a revelar quem foram em sua última encarnação, dando dados e possibilitando confirmações a respeito de sua existência como encarnados. No entanto, isso é sempre de caráter secundário.
Diferentemente do que alguns amigos espiritistas crêem, o mediunismo umbandista não é uma forma "inferior" de contato com o mundo espiritual, marcada por fetichismos ou práticas primitivas.
O mediunismo de umbanda é vivência dentro do rito, em um contexto simbólico rico e polissêmico (por conta de suas diversas práticas mágicas, danças, rezas, benzimentos, etc), de contato interior com o mundo espiritual, apontando para um caminho de luz, de plenificação e de expansão da consciência do indivíduo, respeitados o seu contexto religioso e sua subjetividade.
Saravá a todos!
Bibliografia Consultada:
Matta e Silva, W.W da (2009). Umbanda de Todos Nós
(2009). Umbanda e o Poder da Mediunidade
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda a Proto-Síntese Cósmica
Kardec, Allan (1996/62º edição). O Livro dos Médiuns
Jung, C.G (19780). Psicologia e Religião
Durkheim, Émile (1968). As formas elementares da Vida Religiosa
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