terça-feira, 16 de agosto de 2011

O Atabaque


Por: Gregorio Lucio

A expressividade do uso rítmico é a comunicação, e o atabaque constitui-se como o veiculador da linguagem ritual nas giras de Umbanda.

Embora o propósito deste blog seja discutir os principais aspectos da Umbanda sob uma conotação que saia, pelo menos um pouco, do "senso comum", faz-se inevitável iniciarmos este artigo tratando de aspectos básicos a respeito do Atabaque, suas características físicas e sua relação de origem com a cultura Afro-Brasileira.

Esq a dir: Rum, Rumpi e Lé
A cultura negra é a proprietária da utilização dos atabaques, e as religiões afro-brasileiras (notadamente os Candomblés) foram as guardiãs desta memória cultural ao longo da história.

A palavra Atabaque, tal como a conhecemos, vem do árabe "attabl". Na África o atabaque possui denominação própria, como os conhecidos pelos povos africanos que chegaram ao Brasil, cujos nomes são rum, rumpi e lé (Bina, 2006).

Esta tríade de Atabaques, forma a composição básica presente nos diversos terreiros de Candomblé e Umbanda no Brasil. Nos Candomblés mais especificamente, o conjunto instrumental básico é composto dos atabaques (rum, rumpi e lé) somados ao agogô.

Segundo a função de cada um destes, basicamente o Rumpi e o Lé estão destinados a manter o ritmo, a fazer o toque de base, enquanto cabe ao Rum a execução de repiques e técnicas percussivas específicas para caracterizar os toques. Sendo assim, fica evidente que o Rumpi e o Lé estão ligados àqueles tocadores com menor vivência dentro do rito e também menor experiência no domínio do instrumento, enquanto o Rum é destinado a ser tocado pelo Ogã com maior tempo de casa e consequente maior habilidade sobre o instrumento (o Alabê, no caso do Candomblé e de algumas casas umbandistas).

Na iniciação ao aprendizado do Atabaque nos templos de Candomblé e Umbanda de uma maneira geral, o neófito começa tocando o Lé, passando ao Rumpi e depois de completo o aprendizado, não só da técnica para tocar o instrumento, mas também depois de aprender todo o conjunto ritual e simbólico daquela tradição, é que passará a ser o tocador do Rum, encarregando-se de zelar pela Curimba, pelo andamento dos trabalhos no que tange à execução musical, entre outras atribuições dentro da casa.

No Brasil damos o nome de Atabaque aos tambores trazidos pelos povos negros, de uma maneira geral, no entanto estes instrumentos possuem um sistema de fabricação atual que também foi desenvolvido no Brasil e, portanto, é diferente do método de fabricação nos países africanos.

Atabaque, no Brasil tornou-se, portanto, um termo genérico.

Em outras regiões do continente americano, o atabaque também recebe o nome de Engoma ou Ngoma (palavras originadas de línguas bantu).


Tratando agora de maneira um pouco mais específica deste instrumento, em relação a sua característica física e sonora, temos primeiramente que o Atabaque é um instrumento de Percussão.

Percussão é o nome coletivo para designar os instrumentos cujas vibrações são produzidas através de choque (Bina, 2006).

Dentro das categorias dos instrumentos de percussão, os quais podem ser membranofones ou autófonos, o Atabaque está entre os primeiros (membranofones), pois possui uma membrana ou pele, própria para a percussão. Já os autófonos não possuem membranas ou peles, sendo sua sonoridade extraída do toque direto em seu próprio corpo (madeira ou metal, como é o caso do ganzá, do reco-reco, do adufe, etc).

Especificamente, o Atabaque seria um instrumento unimembranofônico, pois que possui somente uma pele para percussão, conquanto podem existir outros, como os Ilús, em Recife, que possuem duas peles, distribuídas nas extremidades do tambor.

Segundo Cardoso (2006): As formas de tensão do couro dos atabaques são várias: cunhas de madeira que tensionam os aros, por meio de cordas presas no alto e no meio da caixa acústica, chamados de "atabaques de cunha"; o couro esticado por pinos de madeira, presos à caixa de percussão, segundo Lody, chamados de "Sô" (Lody, 1989, p. 23); ou tensão do couro "[...] feita por parafusos presos à borda do instrumento"(Barros, p. 2000, 48).

Após estas considerações preliminares a respeito do Atabaque, entramos no significado de sua utilização na rito-liturgia umbandista.

Como dissemos na primeira frase deste post, o uso rítmico (expresso pelo atabaque) na prática umbandista, destina-se a um processo de comunicação e não somente de produção musical.

A comunicação é expressa por códigos, ou seja, "[...] um grupo de símbolos capaz de ser estruturado de maneira a ter significado para alguém" (Berlo, apud Cardoso 2006).

O Atabaque é o instrumento que sustenta a linguagem ritual, pois que por meio desta entoamos cânticos responsoriais (de "pergunta e resposta"), formando coros para momentos específicos dos Pontos, ou em resposta àquele que executa o solo (o "ogã" responsável pela Curimba ou o próprio Babalorixá/Yalorixá).

Isso caracteriza um aprendizado e um consequente conhecimento do Ritual por parte dos frequentadores do terreiro, e mais especificamente dos médiuns da casa. Tal conhecimento é obtido por meio da vivência e da frequencia destes às giras.

O toque dos atabaques dá-se também de maneira característica em momentos diversos ao longo do rito, identificando fases diferentes da liturgia (abertura, encerramento, chegada de uma Entidade ou pessoa importante, etc).

Assim é que, tanto no que se refere a aprendizagem dos cânticos quanto dos toques, a observação, tradição oral e incorporação comportamental funcionam como importantes mecanismos de aprendizagem (Cardoso, 2006) na prática religiosa umbandista.

A percussão se toca com a mente e não com o corpo (Bina, 2006).

Pela frase exposta acima, podemos refletir a respeito do ato de tocar o Atabaque dentro do rito.

É evidente que não podemos excluir os fatores extra-musicais (o corpo) da execução musical, pois muito de seu significado só pode existir na medida em que é executado por um gesto musical, a percussão do instrumento. Para que a mente possa manifestar-se neste sentido, esta necessita do movimento corporal (gesto) e, obviamente, do corpo.

O cuidado para tocar o Atabaque exige perícia e consciência ritualística por parte de seu tocador, pois que este é um instrumento musical, sob o qual lançam-se técnicas específicas para que seja percutido adequadamente, produzindo música. E neste caso, de maneira ainda mais específica, musica sagrada, como são as nossas curimbas.

O toque deve, enfim, ser harmônico e constante em sua sonoridade, para que possa produzir um padrão estético e para que a sua mensagem possa ser transmitida e entendida pelo grupo presente ao Rito.

"O princípio de que o tambor 'fala' baseia-se no fato de o iorubá [também as linguas bantu] ser uma lingua tonal, em que o significado de uma palavra depende em parte do tom utilizado. As linhas tímbricas produzidas pelo tambor que fala, seguem com grande finalidade os esquemas tonais e rítmicos da fala" (Murray apud Bina, 2006).

Como somos herdeiros da cultura musical africana, cuja expressão de sua religiosidade e sua relação social é caracterizada pelo canto, pela dança e pela execução de instrumentos musicais específicos, assimilamos o princípio ancestral de que o Atabaque possui a capacidade de comunicação entre os indivíduos (coletivamente) e também entre o mundo físico e o mundo espiritual.

Na Umbanda, a Divindade torna-se presente de maneira objetiva, representada pelos Guias e Protetores manifestados pelo transe mediunista em seu "cavalo" ou, de maneira subjetiva, quando da ausência do fenômeno. No entanto, a música sempre permitirá o direcionamento de nossos louvores, rogativas e agradecimentos para os planos celestes, efetuando um processo de comunicação e diálogo entre os homens e os Orixás.

O Atabaque possui, então, a função transcendente de auxiliar na aproximação do mundo espiritual com o mundo físico, ou seja, promover a fusão, a unicidade destes "dois mundos", sacralizando o ambiente terreno (o terreiro) e envolvendo a todos num momento de felicidade, de prece, e de contato com o Sagrado.

Segundo Grof (2000) "...a respiração, a música e outras formas de tecnologia sonora têm sido usadas por milênios como poderosas ferramentas em práticas espirituais e rituais. Desde tempos imemoriais, o monótono som de tambores, cânticos e outras técnicas de produção de som têm sido as principais ferramentas de xamãs em diferentes partes do mundo. Muitas culturas pré-industriais desenvolveram, de maneira bastante independente, ritmos de tambores que em experimentos laboratoriais têm notáveis efeitos sobre a atividade elétrica do cérebro".(Morini, 2007).

Fique claro. Não é o Atabaque que produz o fenômeno do transe, no entanto, dentro do contexto ritual, ele possui o papel de influenciar os estados cerebrais para o acesso a diferentes níveis de consciência.

Adicionalmente, é comum na "linguagem de terreiro" dizer-se que são os atabaques que vão "buscar e levar embora" as entidades espirituais que presentificam-se nas giras. Evidente que isso é uma linguagem simbólica, pois que os espíritos encontram-se no templo religioso muito tempo antes dos próprios médiuns chegarem para os trabalhos. Os Guias preparam e sustentam o ambiente espiritual muitas horas antes do início das giras.

É justamente pela função simbólica da comunicação com o mundo espiritual e pela sua influência nos estados cerebrais, propiciando a experiência do transe, que o atabaque ganha essa conotação mística no imaginário umbandista de poder chamar e mandar embora os entes espirituais.

Esperamos ter deixado claro, embora ainda passível de aprofundamentos, o significado da utilização dos Atabaques, seu valor simbólico dentro da linguagem ritual e sua função espiritual dentro da prática umbandista.

Oportunamente publicaremos novo artigo, tratando da Dança Ritualística, finalizando a série Música e Movimento na Umbanda.

Saravá a todos!

Bibligrafia Consultada:
Sena, Severino (2010). ABC do Ogã - O valor da curimba na Umbanda
Cardoso, Ângelo Nonato Natale (2006). A Linguagem dos Tambores (tese de doutorado).
Bina, Gabriel Gonzaga (2006). A contribuição do Atabaque para uma liturgia mais inculturada em meios afro-brasileiros (tese de mestrado)
Morini, Carlos Augusto Trinca (2007). Ritual de Umbanda: As influências dos estímulos somato-sensoriais na indução do transe mediúnico (tese de mestrado)
Freitas, Emília Maria Chamone (2008). O gesto musical nos métodos de percussão afro-brasileira (tese de mestrado)
Carvalho, José Jorge de (1998). A tradição mística afro-brasileira (artigo Revista Religião e Sociedade).

Um comentário:

  1. Muito bom este texto! Bem, mas há terreiros que utiizam tambores (muito comum no Rio de Janeiro), casas com influência mais ameríndia, eu creio. Mas acho que a função é idêntica, tanto em um, como em outro caso. Gosto muito do seu blog e dos estudos que vc posta aqui, parabéns!

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