Por: Gregorio Lucio
Seguiremos neste novo artigo, desdobrando aspectos dos dois elementos rituais citados no anterior (ver: Musica e Movimento na Umbanda).
Traremos em posts futuros considerações acerca de: Atabaque e A Dança Ritualística na Umbanda.
Por hora, tratemos da Curimba e do Ponto Cantado.
Conforme havíamos citado anteriormente, a musicalidade umbandista é manifestada no Ponto Cantado e executada pela Curimba. Sua utilização no ritual é destinada a determinar os diversos momentos da gira. Em relação aos Pontos Cantados, podemos classificá-los como:
a) pontos de preparação;
b) pontos de abertura;
c) pontos de defumação;
d) pontos de coroa da casa (entidades e orixás regentes da casa);
e) pontos de coroa do babalorixá/yalorixá;
f) pontos de chamada das falanges espirituais;
g) pontos de subida das falanges espirituais,
h) pontos de sustentação;
i) pontos de saudação (a determinada entidade);
j) pontos de louvação.
O Ponto Cantado expressa uma linguagem específica dentro da simbologia do rito de Umbanda, a qual destina-se a comunicação de valores espirituais, próprios da religiosidade de seus adeptos (seja em seus símbolos, seja em sua comunicação de experiências vividas dentro daquela casa).
Assim é que pelo Ponto Cantado reconhecem-se aqueles que são:
a) Pontos de Raiz: trazidos e comunicados (cantados) pelas Entidades Espirituais dentro e durante o Rito.
b) Pontos "Terrenos": seriam aqueles concebidos pelos médiuns (geralmente os dirigentes da casa) por via intuitiva, revelados em sonhos, em "insights" que podem ocorrer de maneira espontânea, etc.
*o importante a considerar a respeito dos Pontos Cantados é que sempre deve-se tomar atenção e cuidado para que seu conteúdo seja coerente e significativo.
A Umbanda utiliza-se de linguagens alternativas para transmitir seus valores e suas crenças (a dança, o canto, a ritualística, a simbologia, a gestualidade, etc).
Dizemos "linguagem alternativa" pois, em nossa sociedade, a escrita é a forma de comunicação tida como a predominante e mais importante. No entanto, ressaltamos que isso é um aspecto cultural e não devemos relegar a um plano secundário outras formas de expressão da subjetividade humana, conforme estas que nos utilizamos fartamente na Umbanda.
Sendo assim, nossa maneira própria de orarmos é através do canto.
O Ponto Cantado vai então simbolizar a prece, nossos louvores, rogativas e agradecimentos à Espiritualidade Maior, aos planos de Aruanda, aos nossos Guias e Protetores, à Divindade.
Quando entoamos nossos cânticos, visamos aproximar nossos pensamentos e emoções:
1º Coletivamente: a coletividade presente ao rito (não somente os médiuns) harmoniza-se e direciona-se em torno de um pensamento em comum, comungando o sentimento religioso.
2º Espiritualmente: pela entoação dos cânticos nos transportamos pelo pensamento e emoção aos ambientes e paisagens "contados" no texto musical de cada Ponto, aumentando nossa ligação com a energia espiritual evocada em cada um destes.
Façamos uma reflexão um pouco mais aprofundada a respeito das idéias acima expostas, pois que estas refletem aquilo que já é sabido, de "senso comum", entre os umbandistas.
Herdamos culturalmente a expressividade religiosa, por meio do canto, dos povos bantus. É interessante termos isso em foco pois a partir daí é que poderemos entender com maior profundidade a grande relevância que a expressão do canto possui no culto umbandista.
Escola de Curimba Aldeia de Caboclos |
A cultura bantu (dos negros vindos de Angola e Congo mais expressivamente), por ser ágrafa, ou seja, por não utilizar-se da linguagem escrita, utiliza-se da música (entenda-se como música: som e movimento) como forma de dar significado a sua religiosidade e para transmitir seus conhecimentos ao longo das gerações. Conforme o antropólogo Kasadi wa Mukuna: "A música fornece um canal de comunicação entre o mundo dos vivos e dos espíritos e serve como meio didático para transmitir o conhecimento sobre o grupo étnico de uma geração para outra" (Mukuna, apud Barbara, 2001).
Essa explicação é fundamental, pois para essa cultura, a música não é só uma expressão estética para a fruição de sentimentos e emoções (Prandi, 2005), assim como é para a cultura ocidental. Em outras palavras, na Umbanda não cantamos só por que é bonito e agradável. Nosso canto está carregado de espiritualidade e ancestralidade.
Ancestralidade, outra questão fundamental.
É pelo Ponto Cantado que comunicamos dentro da tradição as nossas experiências vividas com o mundo espiritual. Quando os Guias trazem seus Pontos, marcam na história daquela coletividade a sua memória, assim como eternizam na lembrança do grupo aqueles Espíritos e médiuns que participaram e compartilharam da vivência dentro das Leis de Umbanda.
Bem, estando claras nossas concepções a respeito dos Pontos Cantados, entraremos agora no conjunto humano encarregado de executá-los por meio de instrumentos rítmicos e percutidos harmoniosamente: a Curimba.
Tínhamos dito que a Curimba, de maneira geral, refere-se à execução coletiva do Ponto Cantado, não necessariamente utilizando-se de instrumentos musicais. Isso por que existem templos que não se servem de tais recursos para a entoação dos cânticos. Ex: Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. Lá os Pontos são entoados sem nenhum instrumento e sua marcação dá-se pelo rítmo dos pés batidos no chão.
Tínhamos dito que a Curimba, de maneira geral, refere-se à execução coletiva do Ponto Cantado, não necessariamente utilizando-se de instrumentos musicais. Isso por que existem templos que não se servem de tais recursos para a entoação dos cânticos. Ex: Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. Lá os Pontos são entoados sem nenhum instrumento e sua marcação dá-se pelo rítmo dos pés batidos no chão.
Em outras casas, onde também não estão presentes tais instrumentos, utiliza-se, em conjunto com os cânticos, as palmas.
Nas casas em que são utilizados os instrumentos sacros para a execução dos Pontos, ficou-se caracterizado que o grupo de pessoas responsável por tais instrumentos recebessem o nome de Curimba ou Curimbeiros.
Em muitas dessas casas, aliás, a Curimba seria a segunda mais importante atribuição dentro da hierarquia de culto umbandista, abaixo, obviamente, do(a) babalorixá/yalorixá.
Em muitas dessas casas, aliás, a Curimba seria a segunda mais importante atribuição dentro da hierarquia de culto umbandista, abaixo, obviamente, do(a) babalorixá/yalorixá.
A Curimba tem sob sua responsabilidade o zelo pelos instrumentos que serão utilizados no rito, seja em sua "afinação", seja em sua conservação, seja em sua preparação ritualística para que sejam percutidos durante as giras.
Sua composição básica gira em torno dos Atabaques. Estes são os principais instrumentos da Curimba. Afora os atabaques, também podemos encontrar em diversas casas, composições variantes de outros instrumentos, quais sejam:
a) Pandeiro;
b) Surdo;
c) Triângulo;
d) Agogô;
e) Ganzá;
f) Xequerê, etc.
Agogô |
Há ainda em algumas casas o uso de instrumentos de corda (como o violão), mas já numa frequência bem menor.
A função da Curimba, segundo cremos, é sustentar o ambiente espiritual dos trabalhos, e portanto, deve ser executada por pessoas que dominem os instrumentos, e saibam conduzir a ritmicidade e mesmo a modulação da "altura" do som, de acordo com cada momento ritualístico.
Surdo |
Outra função fundamental da Curimba em uma gira de Umbanda, embora muito pouco percebida pelos médiuns, é a de regular o ritmo e a intensidade do transe.
É pelo rítmo ditado pela curimba que o médium deve situar a intensidade de seus movimentos, quando da dança ritualística, executando-a em harmonia com o contexto sonoro dos trabalhos espirituais.
Conforme diria Leopold Senghor: " o ritmo é a arquitetura do ser humano, a dinâmica interna que lhe dá forma. O ritmo se expressa através de meios os mais materiais, através de linhas, cores, superfícies e formas de pintura, nas artes plásticas e na arquitetura. Através dos acentos na poesia e na música; através dos movimentos na dança. Com esses meios o ritmo reconduz tudo no plano espiritual: na medida em que ele sensivelmente se encarna, o ritmo ilumina o espírito" (Senghor, apud Prandi 2005).
Xequerê |
Essa regulação da intensidade de movimentos, sustentada pela Curimba, também deve ser observada num contexto coletivo, ou seja, a maneira como essa influencia a corrente de médiuns, como uma espécie de "energia cinética, energia que capta e propulsiona a vibração do movimento pessoal e do outro" (Bárbara, apud Prandi 2005).
Todos estes conhecimentos, acima expostos, por parte dos Curimbeiros, dão-se pela vivência dentro do Rito, e obviamente, pelo interesse e pelo esforço individual em aprender e se aprimorar na execução de cada instrumento.
Triângulo |
Desde a postura corporal até o ato de respeito junto ao instrumento devem ser incorporados pelo participante da Curimba, para que este possa realizar um bom trabalho.
Pandeiro |
A postura corporal é fundamental, pois ele deve saber tocar o instrumento ao invés de bater no instrumento. Isso evita que se saia do trabalho com as mãos machucadas, os ombros e as costas doendo, e ainda dando desculpas de que " O trabalho foi pesado", "quem fica na curimba apanha", que "quem fica na curimba tem que segurar toda a vibração negativa dos trabalhos"...etc...etc.
Nada disso. Quem participa de um trabalho espiritual numa casa séria e nobre, seja médium ou curimbeiro, e sai com dores "aqui e ali", sai por que está trabalhando de maneira inadequada. Somente isso.
Ganzá |
Ademais, a execução correta dos instrumentos sacralizados, assim
como o canto afinado e melodioso dos Pontos, devem ser vistos com grande atenção, caso contrário, podem tornar-se em "barulho e gritaria", fazendo com que as pessoas saiam ao fim do trabalho dizendo-se perturbadas, carregadas, etc.
O respeito aos instrumentos sacros e a atribuição de Curimbeiro devem ser fundamentais para aquele que pretende, de bom coração, servir aos trabalhos espirituais em nossa Umbanda.
O trabalho espiritual é momento sério, para onde vão pessoas muitas vezes padecendo problemas intensos, vividos no âmago d'alma, aflitas e necessitadas de amparo espiritual, uma palavra de carinho e de esperança.
Por isso, não devemos tornar nossos terreiros em palcos para exibicionismos, senão em templos de abnegação e caridade, consolo e esperança, fazendo de nossas giras momentos, sim, de beleza e alegria, de musicalidade, transmitindo nossa mensagem de renovação ao coração daqueles que nos buscam, por meio da palavra cantada e do sentimento profundo de fé em nossos Orixás.
Saravá a todos!
Bibliografia Consultada:
Linares, Ronaldo A.; Trindade, Diamantino F.; Costa, Wagner V.(2010). Iniciação à Umbanda
Sena, Severino (2010). ABC do Ogã - O valor da curimba na Umbanda.
Tinker, José Jorge de Carvalho (2000). Um panorama da música afro-brasileira (artigo Serie Antropologica)
Silva, José Roberto (2009). Paisagem sonora Umbandista (trabalho de conclusao de curso)
Lima, Daniel T. F.; Silva, Paula M.F.(2009). O Canto às Orixás: A presença feminina da religiosidade afrobrasileira nas canções (artigo científico)
Amaral, Rita; Silva, Vagner Gonçalves da (2006). Foi conta pra todo canto: As religiões afro-brasileiras nas letras do repertório musical popular brasileiro (artigo cientifico)
Barbara, Rosamaria Susanna (2001). A dança das iabás: dança, corpo e cotidiano das mulheres de candomblé (tese de doutorado)
Prandi, Reginaldo (2005). Musica de fé, musica de vida: a música sacra do candomblé e seu transbordamento na cultura popular brasileira (artigo científico)
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