Por: Gregorio Lucio
Música e movimento são aspectos fundamentais das práticas umbandistas e constituem o corolário da sua rito-liturgia, como expressões veiculadoras e presentificadoras do êxtase religioso.
A gira de Umbanda, de uma maneira geral, caracteriza-se pela musicalidade, a qual direciona e regula os seus diversos "momentos". A expressão religiosa e sacra da musicalidade na Umbanda dá-se pelo canto singelo e profundo de significado espiritual e emocional para seus adeptos.
De acordo com alguns teóricos e pesquisadores, a Umbanda herdou da cultura religiosa bantu - cujos seus representantes mais populares foram os negros de Angola e Congo - a expressividade musical marcada pela entoação de cânticos cadenciados, os quais se identificaram intensamente com a língua portuguesa ao longo do processo histórico de sua constituição como religião.
Isso explica o porquê de na Umbanda seus cânticos serem entoados essencialmente em português, embora conserve sua característica sonora da cultura bantu.
Na práxis umbandista, a palavra manifesta oralmente (a fala) é claramente um de seus instrumentos mais significativos para a comunicação de sua tradição e de seus valores; para a preservação de sua memória espiritual e coletiva; e, para o compartilhar da experiência religiosa entre os adeptos. Em outras palavras, a tradição umbandista é notadamente oral.
Sendo, portanto, marcada pela oralidade como recurso de comunicação de sua realidade espiritual e social, a Umbanda utiliza-se de maneiras diversas desta expressão para fundamentar a sua prática religiosa. A palavra "falada" está envolvida na produção da experiência espiritual e constitui-se em ponto veiculador das forças transcendentes que serão atraídas e movimentadas no ambiente do terreiro.
À palavra cantada, damos o nome de prosódia.
A prosódia, na prática umbandista, é expressa pelo Ponto Cantado.
À execução coletiva do Ponto Cantado, dentro do rito umbandista, a qual pode ser feita com ou sem a utilização dos instrumentos sacralizados, damos o nome de Curimba.
Uma vez que a Curimba simboliza o compartilhar do sentimento religioso do umbandista, a sua expressão coletiva, esta repercute no plano mental de cada pessoa presente ao rito, movimentando energias espirituais no ambiente, atraindo falanges espirituais afinizadas com a corrente mediúnica e ligadas às vibrações do plano espiritual de acordo com a idéia simbólica representada no Ponto Cantado.
Os médiuns, tocados pelas mensagens e pela emotividade expressa nos cânticos litúrgicos, começam então a dançar de maneira compassada e cadenciada. Sob a influência rítmica da Curimba, seus estados de consciência passam a se modificar, proporcionando a "quebra" de sua condição ordinária, abrindo as portas para a consumação da experiência religiosa. Ocorre então o transe, manifesto na dança ritualística das entidades que se fazem presentificadas na gira.
Entramos, pois, no segundo aspecto da manifestação religiosa umbandista: o movimento.
A "dança do êxtase", executada pelo médium em transe, caracteriza-se por movimentos circulares em torno de seu próprio eixo e também em torno de um centro imaginário (simbólico) presente no terreiro. Tal dança simboliza o movimento geral do próprio Universo (lembremos do movimento das galáxias, cujos seus planetas giram em torno de seu respectivo Sol). Essa expressividade é marcada pela linguagem corporal do médium durante seu Estado Superior de Consciência.
A essa altura, faz-se importante ressaltar um aspecto cultural característico das religiões afrobrasileiras, nas quais a Umbanda está inclusa, que é o relevante papel exercido pela experiência sensorial (corporal) na compreensão e na vivência da religiosidade umbandista.
Existe uma certa confusão, e até mesmo um preconceito, em nossa sociedade, a qual é marcada pela cultura ocidental (espelhada na influência européia), que faz com que a experiência sensorial seja desconsiderada ou jogada a um plano secundário, para fazer prevalecer a expressão verbal - geralmente a escrita, por ser esta uma característica fundamental da cultura dominante em nossa sociedade -.
No entanto, ressaltamos a importância da sensação física, corporal, na significação do fenômeno do transe (não necessariamente mediúnico).
Na história de muitas pessoas (futuros médiuns) ocorreram, invariavelmente, sensações físicas do fenômeno espiritual, sem que muitas vezes estas pessoas sequer tivessem tido o mínimo contato ou conhecimento de qualquer prática religiosa de caráter mediúnico (o Espiritismo ou a Umbanda, por exemplo). Aliás, muitos foram tidos como "loucos", "endemoniados", entre outras qualificações pejorativas, justamente por vivenciarem uma experiência manifestada corporalmente, num ambiente social/familar muitas vezes adverso ou avesso a tais manifestações.
A partir da inserção destas pessoas na corrente mediúnica, sob a orientação do pai ou mãe-de-santo, é que tal fenomenologia ganha significado objetivo e as entidades espirituais poderão se fazer reconhecer, manifestando-se característicamente, moderadas pela curimba e pelo seu movimento.
Os estados espirituais, mentais, psicológicos e fisicos dos adeptos umbandistas, são comunicados essencialmente pelo canto e pela dança ritualística. Estas expressões produzem um determinado padrão estético e simbólico característico para cada momento do trabalho espiritual.
A linguagem corporal - expressa pelo movimento da dança ritualística - e a linguagem oral - expressa pela entoação de cânticos -, consubstanciam a musicalidade umbandista, refletindo sua cosmovisão e sua elaboração coletiva para a preservação de suas tradições e seus valores, servindo de valiosos instrumentos de tradução da força espiritual de uma gira e da profundidade do transe vivenciado, ou passível de sê-lo, pelos médiuns, colocando-nos em contato profundo com os Orixás e fortalecendo-nos para a Vida.
Saravá a todos!
Referências:
Carvalho, José Jorge de (2000). Um panorama da música afrobrasileira (Série Antropologia)
Prandi, Reginaldo (2001). A dança dos Caboclos - Uma síntese do Brasil segundo os terreiros afro-brasileiros (artigo científico)
Morini, Carlos Augusto Trinca (2007). Ritual de Umbanda: A influência dos estímulos somato-sensoriais na indução do transe mediúnico (tese de mestrado)
Silva, José Roberto (2009). Paisagem sonora Umbandista (trabalho de conclusão de curso)
Barbosa, Marielle Kellermann; Bairrão, J.F.M.H. (2008). Análise do movimento em Rituais Umbandistas (artigo científico)
Bárbara, R. (2002). A dança das Iabás (tese de doutorado)
Brumana, F. G. (1984). El Cuerpo Sagrado - Acerca de los analisis de fenomenos de posesion religiosa (artigo científico - Revista Española de Investigaciones Sociológicas)
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