Por: Gregorio Lucio
"[..]a vela acesa, por exemplo, é tanto um “sinal sensível”, como um importante “transmutador energético” visto que nela estão contidas as quatro forças sutis (cera: telúrica; cera derretida: hídrica; chama: ígnea; fumaça: eólica). Nota-se que nessa explicação a vela não representa as forças sutis, ela é as forças sutis, logo ela é um veículo condensador de energias dos sete raios sagrados no plano material. A vela, nesse sentido, é um símbolo do sagrado ao mesmo tempo em que é o sagrado. Não só a vela, mas todos os objetos presentes no congá (altar) ou utilizados numa oferenda ou num banho – pedras, ervas, alimentos etc. – apresentam esse duplo caráter, metafórico e metonímico, de “representar” e “presentificar” o sagrado" (Chiesa, 2010).
As velas também são conhecidas dentro de algumas casas umbandistas e candomblecistas como murilas.
Lembraremos sempre que a utilização de símbolos, os mais diversos, na prática umbandista, são atos concretos carregados de sentido espiritual, presentificando as forças espirituais provenientes do mundo imanente, invisível.
Assim como o uso das Fitas, tratado em artigo anterior, herdamos também das práticas do Catolicismo Popular a utilização das velas como meios de inter-relação entre o sagrado e o humano. A vela é um dos símbolos religiosos mais tradicionais, e por meio destas é que o homem tentou estabelecer um primeiro contato com o divino.
O princípio foi o fogo, quando os homens primitivos dançavam em volta da fogueira, após terem aprendido a manipulá-lo (uma vez que representava grande ameaça ao homem daquela época), como uma forma de se relacionarem com uma força dominante e arrebatadora, identificada como a própria divindade.
Nas culturas da Antiguidade Clássica, encontraremos o significado da velas como representantes da sabedoria e da iluminação, bem como da luz da alma imortal. Assim, são utilizadas por diversas religiões, e a relação da Divindade simbolizada pela idéia da chama viva que nunca apaga, consta, por exemplo, na oração não-canônica do Senhor, citada nas Homílias de Orígenes, conforme lemos em Jung (1978): "Ait autem ipsi Salvator: qui iuxta me est, iuxta ignem est, qui longe est a me, longe est a regno" (Quem está perto de mim, está perto do fogo; quem está longe de mim, está longe do reino).
No inconsciente coletivo ficou, portanto, enraizada a simbologia do rito executado em torno da chama, pelo qual o homem buscava harmonizar-se com as forças da natureza, que até então o subjugavam e amedrontavam.
Nas práticas rito-litúrgicas da Umbanda, a utilização da vela efetiva iluminar determinado espaço, fazendo a ligação do aspecto mágico ao religioso, invocando certas vibrações do plano astral para aquele ambiente, naquele instante. Por isso, é comum os congás, os cruzeiros, as ofertas, etc, serem acompanhados de velas acesas, as quais iluminam aqueles elementos, sustentando os pedidos, louvores e agradecimentos.
Quando dispostas no congá, obedecendo à distribuição das cores referentes a cada Orixá, as velas remetem ao significado do Setenário Divino, ou as Sete Linhas de Umbanda e sua mística direcionada a representação dos aspectos manifestos da Divindade Una, o Deus Criador.
Segundo algumas tradições umbandistas, a quantidade numérica de velas a serem utilizadas criam o campo propício para pedidos de ordem espiritual ou material. Sendo assim, sequencias de velas acesas em número par, criam campo propiciatório para tratamento de questões de ordem material (doença física, problemas na justiça, dificuldades financeiras, desemprego, etc); enquanto velas acesas em número ímpar criam campos propiciatórios para tratamento de questões espirituais (sentimentos conturbados, influências espirituais negativas, falta de clareza e sentido na vida, sensação de angústia, etc).
¨Num ritual de Umbanda podemos encontrar estímulos visuais (cores, símbolos, imagens, velas), auditivos (cânticos, toques de atabaque), proprioceptivos (danças), olfativos (defumações, água-de-cheiro, ervas, tabaco) e gustativos (alimentos, bebidas). Não encontramos, apenas, os estímulos táteis no ritual, excetuando-se, talvez, as palmas" (Morini, 2007).
No rito umbandista, encontramos uma série de simbologias que, por meio de um sentido estético, desencadeiam estímulos a serem assimilidados psicologicamente e organicamente pelos presentes. Evidentemente, as velas estão entre aqueles símbolos de natureza visual.
O contato com a imagem simbolizada na vela remete-nos a significações específicas de suas partes, como o seu corpo, com sua coloração específica simbolizando determinado Orixá, e o pavio, sustentando a chama ao longo da queima, simbolizando a energia espiritual, presentificando no espaço a presença da Divindade, em uma corrente de luz que se expande em direção aos céus, como se retornasse, após ter sido evocada, levando consigo as mentalizações que foram geradas no momento do rito.
Portanto, quando acendemos uma vela com determinada intenção, estejamos certos de que neste instante abre-se um portal para o plano astral, por onde ocorrerá, enquanto perdurarem a queima de seus elementos e a sustentação dada pelo pensamento de quem ora ou pede, a passagem de irradiações que irão impactar, mesmo que de maneira limitada, sobre o ambiente e também sobre nós mesmos, promovendo o entrelaçamento do indivíduo com tais irradiações. Por isso, o profundo respeito e a sinceridade de intenção são posturas interiores imprescindíveis para aquele que pretende fazer luzir uma vela, em benefício de alguém ou de si próprio.
Saravá a todos!
Referências:
Morini, Carlos Augusto Trinca (2007). Ritual de Umbanda: A influência dos estímulos somato-sensoriais na indução do transe mediúnico (tese de mestrado)
Chiesa, Gustavo Ruiz (2010). A Umbanda e as coisas: cosmologia e materialidade na experiência religiosa (artigo científico)
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Matta e Silva, W.W da (2010). Lições de Umbanda (e quimbanda) na palavra de um Preto-Velho
Jung, C.G. (1978). Psicologia e Religião
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