sábado, 27 de agosto de 2011

As votividades e oferendas na Umbanda


Por: Gregorio Lucio

A Umbanda é uma religião essencialmente mágica, pois em suas práticas lida não somente com as potencialidades e faculdades humanas (sensorias e extra-sensoriais), mas também com energias de diversos tipos vinculadas a sistemas de forças fora da esfera humana, os quais encontram-se situados na natureza, seja em sua dimensão material ou astral.

"A oferenda possui, portanto, dois propósitos claros que não podem ser entendidos separadamente. O primeiro consiste no próprio ato de dar, de "oferendar" algo que deve necessariamente fazer parte do seu cotidiano, ou seja, o orixá deve ser presenteado por alguma coisa que faça parte da vida daquele que oferece o "presente", como se fosse ele mesmo quem tivesse se doando através da oferenda. Trata-se de um ato de entrega onde apresentar alguma coisa a alguém é apresentar algo de si mesmo (MAUSS, 2003: 183-314).

A contrapartida ou o segundo propósito, já descrito acima, é a transmutação de energia em benefício daquele que oferta. A transmutação aparece aqui como expressão de um "equivalente imaterial" da prática material que lhe confere poder (MILLER, 2005)".(apud Chiesa, 2011)
 

As práticas votivas e ofertórias visam, segundo cremos, propiciar que o adepto atinja a experiência do numinoso.

O termo numinoso foi criado pelo teólogo protestante Rudolf Otto, e posteriormente adotado pelo insigne Carl Gustav Jung, como um dos termos de sua Psicologia Analítica. Segundo estes, o numinoso seria um efeito dinâmico que apodera-se da consciência do indivíduo, não causado por um ato arbitrário, sendo assim independente de sua vontade. No entanto, ainda segundo estes, a religião mostra que existem causas externas ao indivíduo para que tal ocorrência se dê. Essas causas externas poderiam ser propriedades de um determinado objeto visível (elementos litúrgicos, totens, ou oferendas rituais, como é o caso em questão), ou pela ação de uma "presença invisível" (divindades, espíritos, anjos, etc), ambos produzindo uma modificação na consciência.

A consequência das experiências numinosas implicaria numa modificação positiva e ao mesmo tempo arrebatadora na conduta do indivíduo, produzindo verdadeiros marcos na história de vida de quem as tenha vivenciado.


As práticas rituais religiosas são, portanto, tentativas de provocar o efeito do numinoso na experiência do adepto. E isso pode ocorrer, pois no ato de ofertar já está implícita a condição do Sagrado, manifestado pelos elementos constitutivos da oferenda, abrindo campo para a possibilidade de contato com o divino no momento em que o adepto abre-se ao acesso a diferentes níveis de consciência.

Ao ofertar e ao cumprir votos, o adepto atua com práticas que visam sua vinculação com seu Orixá e com seus Guias e Protetores. Essa vinculação dar-se-á pela movimentação de energias sutis (irradiações) que serão atraídas e integradas no indivíduo, sempre por intermédio de elementos corpóreos e pelo próprio corpo do médium (entenda-se aqui a condição em que este realiza o trabalho de feitura da oferenda, ritualiza seus atos, cumpre resguardos, etc).

Essa prática deverá contemplar uma relação de harmonia entre a postura interior e exterior daquele que oferenda.

Mauss & Hubert (2005: 34-35), "trata-se de efetuar um ato religioso com um pensamento religioso: a atitude interna deve corresponder à atitude externa. (...) o sacrifício exige o credo, o ato implica a fé". A junção desses três elementos produzirá a magia (Chiesa, 2011).

No ato votivo ou no trabalho ofertório, vislumbramos a possibilidade de ampliar nossa ligação com aspectos transcendentes de nossas vidas, embora muitas vezes este ato também seja realizado com vistas a consecução de favores por parte das Entidades Espirituais, as quais, na Umbanda, funcionam como intermediárias das graças e bençãos dos Orixás.


A adoração na Umbanda, portanto, efetiva-se especialmente com a elaboração de oferendas, cujos seus símbolos são detentores de significados profundos, mesmo passando despercebidos ou entendidos como adereços.

Os elementos que compõem, de maneira geral, uma oferenda, são flores, frutos, legumes, velas, água, bebidas específicas, fitas, panos, imagens, tabaco, alguidares ou gamelas, entre outros.

Isso deve-se ao fato de que, tanto os negros quanto os indígenas brasileiros, eram pertencentes à culturas notadamente agrícolas e realizavam suas ofertas às suas divindades e aos seus ancestrais desencarnados, dando-lhes o resultado de seu trabalho, de suas colheitas, com a intenção de gozar do auxílio dos Deuses e dos espíritos familiares, trazendo-lhes prosperidade e saúde.

Remontando-nos ao fato de que estes personagens representam simbolicamente duas, das três principais correntes que constituem a base do corpo de trabalhadores espirituais da Umbanda, compreendemos o porquê da utilização de tais "ingredientes". Uma vez que estes Espíritos trouxeram seus signos e significados culturais para a execução de seus trabalhos, eles só poderiam operar sobre aquilo que lhes fosse pertencente ao patrimônio de experiência próprio assim como daqueles que se tornariam seus médiuns e adeptos de uma maneira geral.

Em outras palavras, os Guias e Protetores irão utilizar-se de elementos que estejam vinculados à cultura e ao inconsciente da coletividade que tutelam para poderem estabelecer seus trabalhos no campo da fé e da orientação espiritual.


Conforme havíamos dito no início deste post, a Umbanda é uma religião mágica, pois que trata não somente dos fenômenos e significados pertinentes à subjetividade humana, mas também lida diretamente com elementos da natureza que veiculam a manifestação de forças sutis diferentes daquelas próprias aos seres humanos.

Isso não quer dizer que estas energias sejam inferiores, ou "densas", como querem alguns de nossos amigos de outras correntes espiritualistas. Dentre as forças naturais, estão aquelas que caracterizam-se pelo fato de serem extremamente sutís e, num grau de comparação, embora impróprio, com as energias do espírito humano, muitas encontram-se inclusive acima destas.

Para a compreensão efetiva das práticas votivas e ofertórias dentro dos templos de Umbanda, bem como de maneira particular, realizada por seus adeptos, buscaremos desmembrar três mecanismos principais que envolvem o "início e o fim" de tais práticas, consolidando o ato de adoração e de estreitamento do humano com o plano divino.

Nesta relação, temos o encadeamento das imagens simbólicas que chegam à nossa consciência, provocando o sentimento religioso e despertando a necessidade de contato com o divino, no ato de recolhimento pela prece, reflexão e adoração.

Pela prece asserenamos nossos pensamentos, liberando-nos da agitação e do excesso de estímulos sensoriais para sintonizarmos com nosso mundo interior e projetando-nos para o mundo espiritual.

Pela reflexão adentramos as portas do mundo interior, revisando sentimentos e comportamentos, auto-avaliando-nos e estabelecendo novas condições para o nosso proceder diante de nós mesmos e do outro.

Pela adoração consumamos o nosso contato com a Divindade, encaminhando, pela projeção simbólica, os pensamentos de harmonia, agradecimentos, pedidos e louvores, efetuando a entrega à natureza, seja num ponto de força do Orixá, seja no congá do terreiro ou particular, daquilo que retiramos de nós com o objetivo de dar-nos em homenagem à Vida, possibilitando-nos desafogar os sentimentos, abrir a percepção da mente para vislumbrar novas oportunidades que se abrem e, harmonizando-nos com o nosso eixo interior, centrando-nos.

Finalizamos dizendo que o ato de ofertar e cumprir votos é a maneira pela qual o adepto reforça e dá dinâmica à sua tradição, seguida dentro das Leis de Umbanda.


Quando repetimos atos ritualísticos aprendidos no ambiente do terreiro, estamos sintonizando-nos com as correntes abertas e movimentadas nos trabalhos espirituais próprios da casa, e nossos atos de ofertas particulares serão assimilados por essa corrente de energias superiores que já estão em movimento, agregando-se àquela irradiação e, portanto, sendo encaminhados aos planos celestes e retornando-nos, de acordo com nossas necessidades.


Estejamos certos de que tudo na Umbanda tem fundamento, a ser aberto e entendido por cada um de acordo com suas condições próprias, e que não estamos à margem da vida em momento algum, pois que estamos rodeados de forças as mais diversas que nos sustentam, nos guiam e nos amparam sempre.

Que as Iabás e seu Povo das Águas irradiem sua Luz a cada um neste instante, cobrindo-nos de Paz, de Amor e Felicidades!

Saravá a todos!

Referências:

Prandi, Reginaldo (2005). Segredos Guardados: Orixás na alma brasileira
Chiesa, Gustavo Ruiz (2011). A magia na Umbanda (artigo científico)
d'Ávila, Rogério; Omena, Maurício (2006). Umbanda e seus graus iniciáticos
Rivas Neto, Francisco (2002). Umbanda A Proto-Síntese Cósmica
Levi, Eliphas (1995). Dogma e Ritual da Alta Magia
Lévi-Straus, Claude (1997). O Pensamento Selvagem
Mauss, Marcel (2003). Ensaio sobre a dádiva (artigo científico)
Mauss, Marcel; Hubert, Henri (2005). Sobre o sacrifício (artigo científico)
Miller, Daniel. (2005). Materiality: an introduction
Jung, C.G (1975). Psicologia e Religião


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